Camaragibe, 1957. No bairro Vila da Fábrica, a primeira vila operária da América Latina, trabalhadores decidiram criar um bloco carnavalesco em protesto a recusa de folga nos dias da folia. Assim nasceu o Foiará de Camaragibe, que já em seu surgimento refletia sobre disputas de classes e trazia o carnaval enquanto fenômeno popular.
O bloco terá a sua história resgatada pelo curta-metragem documental "Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua", dirigido pelo cineasta pernambucano Matheus Rocha, com recursos do edital da Lei Paulo Gustavo repassados para a Prefeitura de Camaragibe.
São seis décadas de histórias. "O Foiará não tinha nenhum documento escrito na internet, somente uns vídeos antigos de desfiles passados, mas não tinha registros da história do bloco, que é bastante interessante e tem relação com a luta dos trabalhadores daquela fábrica, com a simplicidade e resistência do carnaval de rua e com o verdadeiro carnaval tradicional pernambucano", diz o diretor Matheus Rocha.
O curta está previsto para ser lançado em setembro, durante um festival realizado pela Fundação de Cultura de Camaragibe.
Ditadura militar
O nome do curta, "Eu quero é botar meu Bloco na rua", é de uma canção da década de 1970, do compositor Sérgio Sampaio, que ficou conhecida no período da ditadura militar. Quando Sérgio ecoava que queria "botar o bloco na rua", ele, na verdade, estava querendo se impor.
"Em 1964, doze integrantes do Foiará tiveram que sair de Camaragibe, pois poderiam ser presos sob acusação de serem comunistas. O bloco teve que parar entre 1964 e 1966 devido à censura, por isso a escolha do nome. Além de ser um bloco de resistência da classe trabalhadora frente à classe dominante dos patrões, é um bloco de resistência ao regime militar, que oprimiu pessoas, censurou artistas, jornalistas e cidadãos, violando o direito de todos à liberdade de expressão, de brincar, de circular e, enfim, de desfrutar da democracia."
Ritual
Desde o seu nascimento, o também bloco possui um "ritual": os foliões se concentram na "boca da mata" de Camaragibe, parte onde se encontra a vegetação da Mata Atlântica no município. Ali, eles esperavam a saída do Foiará, que é o personagem principal, que dá nome ao bloco, coberto de folhagens e que é o "herói" da mata camaragibense, defendendo a flora e fugindo do caçador, outro personagem do bloco.
"A gente esperava a saída do Foiará na boca da mata. Quando a gente ouvia os fogos dentro da mata, era porque estava anunciando que o Foiará foi encontrado pelo caçador e estava saindo. A gente ficava aguardando com galhos de mato e com apitos, para fazer a folia", é o que relata Enilde Barros, uma das foliãs mais antigas do bloco. "Quanto mais barulho, mais emocionante e bonito ficava", complementa.
Na "boca da mata", os moradores faziam uma mesa com frutas, feijoada e chá. "Eu ajudava na preparação da mesa e todo mundo podia se servir, era um momento de união", afirma Enilde. Após a saída do Foiará e do caçador da mata, os foliões seguiam em cortejo pelas ruas da Vila da Fábrica ao som de uma orquestra de frevo tradicional.