Grandes fenômenos na música acontecem graças à internet. Artistas se lançam e se constroem pelos canais, redes e plataformas, até que, do virtual, formam seu público real. A gente tem tido, principalmente na última década, a chance de ir se deparando com essas revelações musicais ao nosso gosto e identificação, independentemente de uma indústria. Isso não é nenhuma novidade, já é um modus operandi, mas que a gente ainda assimila quando, por exemplo, se vê diante da proporção do fenômeno que é Jão, cantor e compositor paulista de 27 anos.
Talvez você ainda não conheça Jão, mas ele fez um dos show mais aclamados, frequentados e repercutidos no festival Lollapalooza, no último fim de semana, mesmo numa programação com nomes do pop internacional, como Miley Cyrus. Talvez você saiba pouco de Jão, mas ele vem lotando sua turnê "Pirata" em todas as cidades - inclusive, no Recife, onde se apresentou nesta quinta-feira (31) e repete nesta sexta (1º), ambos esgotados.
O primeiro show marcado no Recife teve a bilheteria toda vendida em apenas três dias. Abriu-se uma segunda noite, que também esgotou. O Teatro Guararapes, onde o artista se apresenta, tem pouco mais de 2,3 mil lugares. (Alguém que trabalha com Jão desde o início de carreira dele, entre 2016 e 2017, quando postava vídeos cantando covers, olhou para o teatro e disse "onde chegamos...") Não houve divulgação na imprensa, somente pelas redes sociais. E certamente os algoritmos não deram conta de avisar a todo mundo.
O segredo de Jão não é uma fórmula. Primeiro porque, ao ouvi-lo falar sobre o próprio trabalho em entrevista, e depois ao vê-lo no palco, fica claro que é um artista comprometido com a sua criação e com o público. E, antes disso, ele tem o talento e o carisma que são pré-requisitos para o que se propõe a fazer. Como no Tinder, 'It's a match' - dele com ele mesmo.
O público que foi ao primeiro show no Recife era, sobretudo, meninas e meninos saindo da adolescência e iniciando na juventude. Enfeitaram-se com faixas de cabeça e broches vendidos à entrada. Jão é ídolo de uma geração.
Música confessional
Sua música é um pop sensível, romântico e confessional, no que ganha ouvintes identificados. Os labirintos do amor que Jão escreve e canta são os mesmos pelos quais seu público se perde e se acha - ou está prestes a se perder e se achar.
Em "Meninos e Meninas", do álbum "Pirata", que abre o show, ele se expõe como o jovem que foi, saído do interior (ele nasceu em Américo Brasiliense, SP) e com a orientação sexual pulsando na bissexualidade. "Olha só, eu vim do interior/ E ainda tem tanto nesse mundo que eu não aprendi e que eu não sei/ Olha só, mas meu coração é grande e cabem todos os meninos e as meninas que eu já amei", diz um trecho da música.
Absolutamente todas as letras foram cantadas coletivamente de um jeito que é inglório alcançar em palavras a dimensão de todos aqueles decibéis de vozes juntas e altas.
Jão dá ao seu público versos de muito efeito. Há amor constrangido, em "Não te Amo" ("Não, é claro que eu não te amo, mas tentar te esquecer já é lembrar de nós/ E se eu lembrar, não me responde/ Eu juro, eu não te amo, eu só bebi demais"). Há amor desapegado, em "Santo" ("Todo verão termina, eu amo despedida/ E se eu te amei, eu peço perdão/ eu não sou santo, não"). Há amor desajustado, em "Idiota", seu hit de maior sucesso ("Eu vou te amar como um idiota ama/ Vou te pendurar num quadro bem do lado da minha cama/ Eu espero enquanto você vive/ Mas, não esquece que a gente existe").
Um showman
Embora tudo aconteça por causa de sua música, Jão conta que é um artista de show; seu lugar preferido é o palco. Nesta turnê, ele atraca um barco feito de compensado de madeira, montado com partes moduladas, e que viaja de cidade para cidade de caminhão, tamanho seu investimento na cena.
A banda tem sete músicos, incluindo dois instrumentistas de sopro e duas backing vocals, tamanho seu investimento no preenchimento do palco e do som.
No centro, Jão é, além de cantor, um performer cativante, que seduz o público cantando, dançando, movimentando-se com uma expressão corporal estudada, ou falando:
"Eu sei que muitos de vocês me procuram para sentir uma coisa que vocês não sentem no dia a dia. E eu levo isso muito a sério, vocês sabem o quanto. Então, eu vou estar aqui, cada segundo dessa noite, pronto pra te emocionar, pra te divertir, pra te entreter. E a única coisa que eu peço em troca é que vocês se entreguem de volta pra mim."