A declaração de guerra pelo preço do petróleo entre Arábia Saudita e Rússia num ambiente econômico global já debilitado pelas restrições de trânsito de pessoas em vários países do mundo, colocou o risco de recessão no radar e, no Brasil, a crise desenterrou a discussão sobre as respostas que o governo tem que dar para evitar uma interrupção no crescimento, que já é pífio.
Economistas de peso como a pesquisadora sênior em Washington do Peterson Institute for International Economics, nos Estados Unidos, Mônica de Bolle e a professora da Universidade de São Paulo, Laura Carvalho, passaram a defender que chegou a hora de furar o teto de gastos para criar estímulos anticíclicos, numa economia que teima em andar de lado. A ideia é, de certa forma, referendada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que em entrevista à Globonews defendeu a expansão do investimento público.
A ideia de colocar abaixo o teto de gastos, não é unanimidade entre os economistas. O principal temor é abrir a caixa de pandora da farra fiscal. “Se a gente afrouxar a política fiscal e violar a PEC do Teto, vamos abrir caminho para o descontrole dos gastos públicos e tudo que não precisamos são os gastos fora de controle. Significa juros altos, inflação, é caminho certo para a recessão, receita de 2014 e 2015. O teto deve permanecer, apesar de ser uma visão de economistas que respeito muito, mas nesse caso eu discordo”, diz o economista da Consultoria Ceplan, Jorge Jatobá.
O economista Sérgio Buarque, professor da Universidade de Pernambuco, também discorda sobre o afrouxamento do teto dos gastos, principalmente num ano eleitoral, mesmo salientando que não vê uma solução para o quadro atual. “A economia vai passar sufoco, está mal das pernas, com desemprego alto, o governo tem que ter uma medida para além das reformas, mas penso que o teto é uma conquista grande da sociedade. Foi uma reforma constitucional e dependeria de uma nova PEC para flexibilizá-lo, com risco de trazer o mesmo desastre que nos trouxe à recessão. É uma situação delicada, mas não saberia dizer qual a melhor medida.”
Aprovado no governo Michel Temer, e considerado um dos seus principais feitos, o Teto de Gastos foi desenhado para manter a despesa pública primária crescendo igual à inflação do ano anterior. Com a reforma da Previdência, eliminou-se um problema que existia, já que a curva de despesa com aposentadoria passou a apontar para baixo e, com o limite de gastos, abriu a perspectiva de abrir, ao longo do tempo, espaço para investimentos por parte do governo. A questão é que esse é um processo lento e a economia precisa de estímulos agora, como observou o presidente da Câmara.
O deputado federal Daniel Coelho (CID-PE) defende uma discussão sobre o investimento público mas sem mexer nos limites ao custeio da máquina pública. “O grande risco de furar o teto é que, fazer isso com custeio, não resolve a crise e só aumenta a concentração de renda”, diz, referindo-se aos aumentos salariais do funcionalismo que poderiam vir a reboque.
Para Jatobá, antes de se pensar numa medida keynesiana, ou seja, o estímulo da economia protegendo-a de efeitos do ciclo econômico negativo através de investimento público, é preciso, primeiro, arrumar a casa. O problema, critica, é a postura do presidente Jair Bolsonaro, que desestimula uma solução através do capital privado. “A economia não está respondendo por conta do presidente que atrapalha, cria marolas, perturbações ideológicas, neste clima de invalidar o Congresso. Ele não tem capacidade de negociação e não favorece para melhorar o ambiente privado, que só vem para um país que tem seriedade. O presidente vive provocando. Isso perturba o ambiente econômico e reformas não geram emprego no curto prazo”, salienta.
Para Jatobá, há soluções para aumentar o investimento sem, necessariamente, entrar capital público. “Você pode fazer PPP (parcerias público-privadas) em infraestrutura, pode atrair investimento privado sem precisar de recursos públicos, que estão limitados pela crise fiscal. Então, precisa aliança forte com setor privado, estímulo à construção civil. Temos juros baixos que são favoráveis. Isso ajuda a família a contrair dívidas e aos empresários a levantar capital de giro. Temos juros baixos e capacidade ociosa na construção. Mas economia e política andam de mãos dadas. Ele (Bolsonaro) deveria calar a boca e deixar Guedes (ministro da Economia) falar.”
Sérgio Buarque observa que a atração do capital privado era a solução que se tinha como aposta alternativa ao gasto público, além das PPPs, com concessões e privatizações de empresas estatais, como a Eletrobras. “Demoramos demais a levar em frente essas medidas, que, inclusive, poderiam criar receita adicional. Agora será impossível ou inoportuno. Os capitais estão fugindo de países de renda média como o nosso. É dificuldade grande para atrair capital privado para infraestrutura. Eu só acho que flexibilizar o teto é perigoso, diante da compulsão aos gastos, num populismo que predomina no País, principalmente num ano eleitoral. Não sei onde vai se buscar meio para moderar o impacto de uma provável recessão mundial, mas teria que procurar alternativa ao teto de gastos, neste quadro de populismo emergente e que tem raízes fortes no governo. Abrir a porteira é perigoso.”
Daniel Coelho que se mostra favorável à criação de algum programa emergencial e lembra do Plano Marshall, principal plano dos Estados Unidos para a reconstrução dos países aliados após a destruição causada pela Segunda Guerra. “O governo poderia apontar investimento específico em um determinado setor gerador de emprego. O que não pode é liberar a regra (do teto), porque, naturalmente, o governo tende a aumentar sua despesa com custeio”.
Segundo ele, um exemplo de sua ideia seria estímulos ao investimento em saneamento básico, setor que tem um gargalo estrutural e que poderia movimentar a construção civil, que tem grande potencial de gerar empregos. “Obras de infraestrutura geram impacto social e emprego”, lembra.