A Região Metropolitana do Recife (RMR) acordou, neste sábado (21), com ruas desertas, mais silenciosas e menos policiada que o observado nos últimos dias. No primeiro dia do cumprimento da determinação do Governo de Pernambuco para fechar shoppings, bares, restaurantes, salões de beleza e clubes, as praias da RMR, onde barraqueiros foram proibidos de trabalhar, amanheceram mais vazias que o período do inverno. A medida visa tentar conter a pandemia do novo coronavírus (covid-19), que já matou mais de 11 mil pessoas em todo o mundo e contaminou 33 pessoas em Pernambuco.
Na sexta-feira (20), o governador Paulo Câmara (PSB), ampliou as medidas já tomadas, que a partir deste domingo (22) abrangem todo o comércio, serviços e construção civil. Só estão autorizados a funcionar supermercados, padarias, mercadinhos, farmácias, postos de gasolina, casas de ração animal, depósitos de água mineral e gás. Além desses estabelecimentos, continuam abertos obras e serviços essenciais, como hospitais, abastecimento de água, gás, energia e internet.
» Praia de Boa Viagem, no Recife, tem cenário diferente após restrições por coronavírus
Os primeiros casos de coronavírus em Pernambuco foram registrados no dia 12 de março. Desde então, a maior parte da população têm optado, quando pode, por ficar em casa. Apesar disso, ainda há quem insista em deixar sua residência. Esse é o caso do aposentado Luiz Prado, 75 anos, que decidiu dar uma escapadinha para colocar os pés na areia da Praia de Boa Viagem. "Como não há oficialmente uma restrição de ir à praia, eu vim dar uma voltinha e já estou indo para casa pra me proteger", afirma.
» Banho de mar não está proibido em Pernambuco, mas especialistas fazem alerta
Segundo o idoso, agentes do Corpo de Bombeiros contaram que ele poderia visitar a praia e até se banhar. Em entrevista à reportagem do Jornal do Commercio, o tenente-coronel Elton Moura confirmou a informação de Luiz. "Não está proibido ir à praia. A proibição está em realizar atividades esportivas e se aglomerar em determinados locais, além do comércio. Mas o banho está liberado", explica o bombeiro, ressaltando a importância de manter distância de segurança, de aproximadamente 1,5 metro.
Assim como Luiz Prado, o profissional autônomo Roberto Freitas, 51, foi à praia de Boa Viagem na manhã de ontem. "Passo o dia sozinho em casa e vim fazer uma visita a um familiar, acabei aproveitando para admirar a praia", conta ele, que ainda disse aproveitar o período de isolamento social que se impôs para escutar música e ler.
Buscando driblar as dificuldades financeiras causadas pela pandemia da covid-19, o aposentado José Edson Ramos, 65, saiu com sua bicicleta pela orla de Boa Viagem para vender chaveiros e cortadores de unha. “Só estou aqui para vender esses produtos para poder levar feijão e arroz pra casa. Sou idoso e não posso ficar saindo pelas ruas, mas preciso estar aqui hoje”, afirma ele, declarando estar com medo de os alimentos ficarem escassos.
Na sexta (20), o presidente do Centro de Abastecimento e Logística de Pernambuco (Ceasa), Gustavo Melo, declarou que não há risco de faltar alimentos em Pernambuco. “O abastecimento continua e isso a gente está olhando com muito cuidado. Estamos participando do comitê de monitoramento com todas as entidades ligadas ao abastecimento alimentar, os supermercados, as indústrias.
Não muito distante da praia, comerciantes do Mercado de Boa Viagem desabafavam sobre as incertezas em relação ao futuro de seus negócios com o aumento do número de contaminados pela covid-19. Dona de uma loja no local há 40 anos, a vendedora Noemi Vieira se vê sem perspectiva e teme os prejuízos. “Agora só Deus sabe o que vai ser. Não tenho noção do que vai acontecer conosco daqui para frente. Trabalho aqui desde 1980 e nunca pensei que ia ver algo assim. Estou assustada”, conta.
Noemi não é a única dona de um ponto no mercado a relatar insegurança. Mesmo com um decreto obrigando o fechamento de salões de beleza, barbearias e correlatos desde ontem, o barbeiro Demétrio Andrade escapou da fiscalização da Prefeitura do Recife para tentar algum lucro na véspera do fechamento do mercado, por decisão da administração do local. “Havia entendido que poderíamos funcionar até hoje (sábado, 21), por isso abri. Eu preciso ganhar alguma coisa para pagar os meus funcionários, porque não sei como será a partir de agora”, diz.
A dona do Bar dos Amigos, na Avenida Domingos Ferreiras, Eliana Gouveia, 51, também conseguiu driblar a fiscalização dos agentes de vigilância em saúde. Por volta das 9h30 de ontem, cerca de cinco pessoas se aglomeravam ao redor de uma mesa em frente ao estabelecimento. No momento, um comboio formado por carros e motocicletas das Secretarias de Saúde e Mobilidade e Controle Urbano passou vistoriando a região, mas não notou os clientes no bar, que fica escondido por algumas árvores.
"Não estou atendendo ninguém aqui hoje. Só estou levando quentinhas na casa dos clientes. Essa mesa aqui é só para a menina [sua funcionária] me ajudar a cortar a carne", afirma ela, apontando para o móvel em que estavam sentados os clientes que se dispersaram ao perceber a presença da reportagem do Jornal do Commercio.
Com bares e restaurantes fechados, muita gente recorreu ao serviço de entrega em domicílio para comprar alimentação. Houve ainda estabelecimentos que abriram apenas para retirada das compras nos locais. Na Rua Visconde de Jequitinhonha, o empreendedor Emerson Melo, 37, preparou marmitas para que seus clientes fossem buscar. “Estou fazendo isso, mas com um controle. Não entra mais de dois por vez, como medida para evitar a contaminação de todos nós.”
No estacionamento do Shopping Recife, além das muitas vagas livres, um considerável número de entregadores de aplicativos de delivery enchia o hub dos serviços. Nos olhos deles, a decepção de mais um dia de baixo movimento. "Com quase todos os restaurantes fechados, a gente não consegue fazer nossas entregas também e isso complica nossa vida, porque dependemos do dinheiro que ganhamos aqui", conta o entregador Rafael Falcão, 18.
No controle do único acesso aberto para veículos, seguranças do mall orientavam desavisados que ainda foram ao centro de compras, seja de carro, seja de transporte público. O porteiro José Antonio Ferreira, 26, foi um dos surpreendidos com as portas fechadas. “Vim pagar uma conta, porque achei que teria horário reduzido, mas não totalmente fechado. Agora, vou falar com a empresa para ver o que consigo fazer", relata.