Cerca de 91 milhões de pessoas deixaram de pagar pelo menos uma conta em abril, segundo um levantamento do Instituto Locomotiva para avaliar os impactos econômicos do primeiro mês de isolamento social após estados e municípios adotarem medidas restritivas como prevenção ao avanço do novo coronavírus (covid-19). O número é equivalente a 58% da população adulta do Brasil e 54% maior do que o registrado no mês anterior, quando 59 milhões de pessoas estavam nessa situação.
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Segundo o presidente do instituto, Renato Meirelles, a doença chegou na reta final de uma das mais longas crises econômicas da história do país. "A covid-19 encontrou uma população sem poupança e cada vez menos amparada pelos aparatos de proteção social", diz ele, afirmando que a pesquisa joga luz em uma das consequências econômicas mais graves desse momento. "Faltam as condições para que importante parcela da população honre suas contas”, pontua Meirelles.
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A diarista Auricelia Lima, 46 anos, está entre os brasileiros que não puderam quitar todas as dívidas neste mês. A profissional, que ganha a vida fazendo faxinas em casas de Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana do Recife (RMR), viu, sem nada poder fazer, as solicitações para prestação de seus serviços sumirem. "Eu sou uma pessoa batalhadora, que corre atrás das coisas, mas a pandemia me proibiu de trabalhar", lamenta ela, afirmando que, por isso, deixou de pagar as contas de água e luz, além de atrasar por quase 15 dias o pagamento de dívidas com cartão de crédito. "Eu tenho que escolher entre pagar o que devo ou comer, porque aqui em casa já está faltando carne e verdura", conta ela, esperando que a quarentena logo se encerre para ela voltar ao trabalho.
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Auricelia pode ser considerada apenas um exemplo entre tantos outros. Isso porque, de acordo com o economista William Matos, a dificuldade para pagar as contas aumenta a depender do perfil econômico das pessoas. "Quanto menor a renda, maior o endividamento relacionado a contas mais simples, como água, luz e aluguel", explica ele, apontando que nas classes A e B, o cartão de crédito e mensalidades escolares devem ser os vilões.
Dona de uma pequena escola no bairro do Ipsep, na Zona Sul do Recife, Kely Souza, 46, diz que as dificuldades para pagar as contas da instituição de ensino que dirige e as suas pessoais se agravaram com a pandemia. "Antes, as coisas já estavam difíceis, porque havia muita inadimplência, agora tudo piorou", diz ela, afirmando ter priorizado algumas dívidas em detrimento de outras. "É Celpe, Compesa, cartão, telefone, estou tendo que escolher qual conta pagar e qual adiar", lamenta.
Segundo William Matos, a escolha de Kely é chamada de rodízio de contas e tem sido o caminho de milhares de pessoas. "No momento mais delicado da crise econômica, vemos, infelizmente, o brasileiro tendo que hierarquizar suas dívidas", lamenta ele. Diante desse cenário, a advogada Laura Cordeiro afirma que a princípio todas as contas devem ser pagas para evitar uma interrupção de serviço e a inclusão do nome do consumidor no cadastros de proteção ao crédito, no entanto, ela lembra que negociação é a palavra-chave. "Neste momento, busque repactuar termos de contrato e encontrar um caminho de conciliação para pagamento das dívidas", aconselha ela.
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