A crise causada pela pandemia do novo coronavírus vem impactando mais intensamente as pequenas empresas do comércio, segundo um estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). O levantamento, que tem como base a pesquisa de sondagem do comércio realizada mensalmente pela instituição, aponta que, além de sofrer mais com a crise, esse tipo de negócio apresenta um ritmo de recuperação mais lento.
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Com as pequenas empresas sendo responsáveis por 54% dos empregos com carteira assinada no país e por 27% do Produto Interno Bruto (PIB), os dados trazidos pela pesquisa indicam mais um entrave para a recuperação da economia nacional e revelam o que já é sentido na prática por micros e pequenos empreendedores em todo o Brasil.
No Recife, o empresário João Maciel Lima, dono do Lojão dos Calçados, diz que sofreu para manter o negócio de pé no período em que as portas estiveram fechadas. “Os meses que passamos sem funcionar foram desesperadores”, conta Lima, afirmando que o faturamento da loja caiu cerca de 90%. “Isso me forçou a demitir 15 dos 50 funcionários que trabalhavam aqui”, lamenta o empresário, segundo quem, apesar da reabertura, a retomada das vendas tem estado aquém do esperado.
Para o economista do Ibre/FGV e responsável pelo levantamento, Rodolpho Tobler, a dificuldade no acesso a linhas de crédito continua sendo um dos principais problemas para a recuperação dos negócios de pequeno porte. Segundo ele, o estudo mostra que, das empresas que tentaram obter algum tipo de crédito, mas não conseguiram, 64,4% são pequenas e apenas 5,1%, grandes. “Isso, certamente, está entre as maiores dificuldades para esses empreendedores se recuperarem do tombo que tiveram”, afirma o pesquisador.
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Segundo o empresário João Maciel, a burocracia dos bancos tem sido o maior empecilho na busca por financiamento. “Para conseguir o crédito, os bancos fazem muitas exigências”, reclama ele, ressaltando que, dificilmente, os pequenos negócios conseguem atender às solicitações das instituições financeiras porque não têm a estrutura organizacional das grandes companhias.
Na avaliação de Tobler, o quadro de dificuldades das pequenas empresas se agrava ainda mais quando levada em consideração a baixa demanda pelos serviços deste grupo. Em março, o indicador que apura esse quesito na pesquisa do Ibre estava em 94,4 pontos para os empreendimentos de menor porte. Em junho, marcou apenas 48,6. “O resultado só não foi pior graças ao auxílio emergencial, que fez com o que os brasileiros mais pobres tivessem alguma renda para ajudar esse grupo de empresas, onde geralmente fazem suas compras”, explica Tobler. No mesmo período, a demanda das grandes passou de 91,7 para 88,7 pontos.
Diante de um cenário tão adverso, o estudo do Ibre/FGV mostra que a confiança dos pequenos empresários ainda segue num patamar bastante ruim e não deu sinais significativos de melhora. No mês passado, o índice para eles marcou 58 pontos, enquanto para os grandes estava em 80,6. Desde abril, primeiro mês completo em isolamento social, as maiores empresas do comércio perderam 58,8 pontos de confiança e já recuperaram 36,1. As pequenas recuaram 69,5 pontos no período e recuperaram 37,3. “O poço é muito mais fundo para as pequenas empresas e elas, infelizmente, chegaram até no fim dele e, por isso, têm tido mais dificuldade para sair dessa situação”, declara o economista Rodolpho Tobler.
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Com a confiança atingindo os níveis mais baixos da série histórica iniciada em 2010, quando o Ibre/FGV passou a medir a confiança do empresariado, já há quem perdeu as esperanças de reverter o quadro de dificuldades ainda neste ano. O levantamento da instituição mostra que 38,8% dos pequenos empreendedores esperam uma normalização da economia apenas em 2021. O mesmo é esperado por 31% dos empresários de médio porte e por 28,8% entre os grandes. “Estamos mergulhados em um mar de incertezas. Isso nos impede de pensar em crescimento para 2020”, diz o lojista João Maciel, afirmando que o desempenho em 2021 também não está isento dessas dúvidas.