O balcão da mercearia era o local preferido de João Carlos Paes Mendonça quando criança. Aos 9 anos, insistia que tinha capacidade para encarar os clientes no atendimento. Deu certo. Aos 20 anos, tornou-se sócio do pai. Inquieto por natureza, se descreve como um curioso. Ao longo de 73 anos de trabalho e 82 de vida, fez da empresa "seu lugar de descanso".
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Na época de supermercado, não tinha casa de praia ou de campo. Era nos corredores entre gôndolas, em visitas comumente sem aviso-prévio, que ele passava os finais de semana. Hoje, na presidência do Grupo JCPM, com atuação nos setores de Comunicação, Imobiliário, Shopping Center e na produção de vinhos, divide a gestão com os três netos - João Carlos, Marcelo e Renato. Na entrevista a seguir, ele reflete sobre o passado, presente e o que vem pela frente.
JC - Estar no comando de uma empresa que completa 85 anos em meio a tantos desafios globais e nacionais estimula ou causa desânimo?
JCPM - Sempre é estimulante. Quem gosta de empreender sabe os desafios que tem pela frente. Claro que em alguns momentos as dificuldades impostas causam cansaço e dúvidas. Nesses 73 anos de trabalho enfrentei muitos momentos difíceis. Do ponto de vista macro, agora, por exemplo, estamos e vamos enfrentar tempos muito complexos. Mas não podemos desanimar. Eu não vou desanimar. Posso até mudar projetos, recuar, analisar, adaptar. Mas parar, nunca.
JC - Alguns consultores dizem que a JCPM é uma empresa familiar que é profissionalizada. É isso mesmo?
JCPM - Meu pai teve a coragem, em 1935, mesmo tendo origem na agricultura, de abrir a mercearia. Pai de nove filhos, foi aos poucos introduzindo cada um nos negócios. E eu fui seguindo com meus irmãos José Américo, Eduardo e Reginaldo. Todos contribuíram, cada um a seu tempo, para o crescimento de empresa. E fomos formando equipe no mercado. De fato, temos muito orgulho da equipe que temos conosco. Pessoas atuando há mais de 30 anos conosco. Grandes executivos que, consequentemente, têm sob suas lideranças excelentes profissionais.
JC - Qual o seu sentimento com o Brasil 2021/2022?. O senhor consegue, nos seus negócios, desenhar metas para 10 anos?
JCPM - No Brasil, diante da instabilidade política, é impossível prever. Nós estamos preparados para acompanhar toda a modernidade que o mercado vai e já está nos impondo. Sempre tentando pensar na frente e prever as demandas futuras para nos preparar. Mas para a instabilidade política ninguém está preparado. Temos que ter esperança e trabalhar muito em 2021. Mas ainda será difícil. Teremos ainda uma conta alta sobre o desemprego para pagar, sem o suporte de programas de renda, como assistimos este ano.
JC - Dos 85 anos de Grupo, o senhor está atuando há cerca de 70. Em tanto tempo, assistiu muitos planos econômicos, crises, altos e baixos. Pensou em desistir em algum momento?
JCPM - Realmente, vi verdadeiras barbaridades acontecerem. Do ponto de vista econômico, vivemos momentos de muita tensão, sobretudo no setor de supermercado. Claro que revi muitos projetos, recuei em alguns momentos, saí de espaços onde não demos muito certo, mas desistir e pensar em deixar o País, por exemplo, não.
JC - A venda do Bompreço foi em 2000. Hoje, duas décadas depois, o Grupo é considerado um dos maiores do País no segmento de shopping, sendo referência no Nordeste. Os dois setores guardam conexão? Foi fácil migrar de um para o outro?
JCPM - O varejo de supermercado e o de shopping guardam muitas semelhanças sim, até certo ponto. Acho que o grande ponto de intersecção é o cliente. É entender quais são os anseios deles e disponibilizar os produtos, marcas e serviços, no caso de shopping. Em ambos, o cliente é o alvo principal.
JC - Depois de tanto tempo atuando no varejo, para onde o senhor acredita que ele caminha?
JCPM - Vai continuar firme. O consumo vai permanecer. E a necessidade de conviver também. Por isso, é preciso se conscientizar da necessidade de evoluir, ocupar os espaços possíveis de comercialização e contato com o cliente. Unir o físico ao digital. Algumas pesquisas já mostram a jornada do cliente. Ora inicia no físico e acaba comprando no digital, ora é o contrário. Mas a conexão com a marca precisa se manter. Não dá para abandonar ou pensar que tudo será um caminho único. As pessoas querem comodidade e comprar no canal que é adequado para aquele momento. Na época em que construímos o Salvador Shopping, por exemplo, cuja obra iniciou em 2005, já olhávamos para o varejo de shopping como um ponto de convivência e de serviço. E é exatamente o que esses espaços representam. As pessoas convivem, vão ao cinema, saem para jantar e, claro, compram.
JC - Recentemente, os shoppings do Grupo foram pioneiros no Nordeste em lançamento de plataformas digitais de vendas. Qual a expectativa para esse canal de comercialização e o futuro do varejo físico?
JCPM - É uma convivência cujo impulsionamento da venda pode partir do físico para o digital ou o contrário. O cenário, pelo menos dentro de shopping, ainda não consegue mostrar qual deve ser a tendência mais firme de divisão de um e de outro dentro de um mesmo empreendimento, por exemplo. Até mesmo porque este ano tivemos a pandemia. Na verdade, ainda estamos vivendo ela, e isso distorceu um pouco os dados.
JC - O senhor costuma lembrar a história de seu pai que, ao oferecer água fresca para os viajantes que passavam pela mercearia da Serra do Machado, criou o primeiro clube de fidelidade do Nordeste. Mas como fidelizar o cliente nesses tempos de internet?
JCPM - Eu considero que o gesto do meu pai foi o primeiro clube de fidelidade do mundo. Ele fez isso na década de 30. Ele oferecia água fresca para quem passava na cidade, independente de comprar algo ou não, e isso criou o hábito das pessoas visitarem a mercearia, mesmo sem ter a necessidade de comprar. Mas terminavam comprando. Um clube de fidelização é o poder de atração. Eu penso que o relacionamento com a marca independe do canal. Veja, se você entra em uma loja e o atendente não responde suas dúvidas ou você precisa trocar um item e encontra dificuldade, você tem resistência para comprar novamente lá. É a mesma coisa pela internet. Você quer comprar e não tem informação. Chegou um item errado e não consegue trocar ou ser atendido. Não compra mais. Agora, é preciso ter preço competitivo, estoque, agilidade nas respostas. Isso faz a diferença.
JC - Muitos ainda relacionam o senhor ao Bompreço. A criação e crescimento da rede marcaram o setor. Vender o Bompreço e mudar de segmento foi uma decisão difícil?
JCPM - Foi uma decisão racional. Claro que construir uma empresa, com seus valores, atuar para que ela tenha bons resultados e se solidifique nos causa orgulho e, até certo ponto, um apego. Mas nossa decisão foi muito pensada, avaliada. Havia chegado o momento. Já tínhamos em 1996 aberto o capital da empresa. Foi um primeiro passo.
JC - As empresas costumam colocar na conta de Relações Públicas suas ações sociais e chamam isso de responsabilidade social. O senhor questiona isso afirmando que o diferencial da empresa moderna está no compromisso social que elas precisam fazer. Onde o senhor acha que as pessoas confundem as coisas?
JCPM - Penso que o termo foi usado equivocadamente em algum momento e ficou. Responsabilidade social é cumprir com as leis. Pagar impostos, ser um cidadão correto. Compromisso é ir além e fazer algo pela sociedade que melhore a coletividade. É algo que vem da sensibilidade social. Pode ser uma ação pequena ou grande, mas precisa ser genuína e consistente. Partindo de uma empresa, deve contar com a parceria dos colaboradores. Do contrário, vira uma peça de marketing.
JC - O senhor construiu uma carreira de empreendedor se especializando em atender as necessidades do cliente. O senhor acha que as empresas estão esquecendo a velha máxima de que "o cliente tem sempre razão" e não conseguem perceber essa lição básica?
JCPM - Acho que é o contrário. As empresas têm se aprimorado nisso. Percebo que cada vez mais que os clientes têm conseguido se comunicar com as empresas. E muito disso se deve às redes sociais que tiraram barreiras e aproximaram essa relação. Tínhamos várias ações nesse sentido. Para citar alguns, lembraria canais diretos com o cliente, onde valorizávamos as críticas e sugestões que chegavam, Encontro Ciente Bompreço, Bloco da Parceria, Cartão Hiper.
JC - O que o senhor não conseguiu fazer como empresário e que se arrependeu?
JCPM - Não me arrependo de nada do que não fiz. Posso ter cometido alguns erros, mas não deixava passar as oportunidades. Nasci na Serra, filho de um pequeno merceeiro, ao longo da vida, acertamos mais do que erramos. Tivemos uma visão de que queríamos ser uma empresa com participação em vários Estados, além do Nordeste. E isso não deu certo. Avançamos para o Espírito Santo, São Paulo e Pará, mas foi equivocado. Recuamos e nos mantemos no Nordeste.
JC - Qual mensagem para o empresário que está sentindo fortemente o peso da crise atual o senhor gostaria de deixar?
JCPM - Espero que todos tenham otimismo, mas otimismo com realismo. Será um ano difícil, temos que ter cautela. Estamos encerrando um ano em que grande parte das empresas sofreu. Mas nunca devemos desistir.