O desemprego em Pernambuco tem rosto de mulher; das mais de 5 mil vagas perdidas em 2020, 99,5% foram delas

Dos 5.163 empregos com carteira assinada fechados no Estado no ano passado, 5.137 foram de mulheres e apenas 26 de homens. O que explica esse fenômeno?
Adriana Guarda
Publicado em 02/02/2021 às 17:16
INFORMALIDADE Um milhão e 737 mil pernambucanos trabalharam na informalidade em algum momento de 2021, sem carteira assinada Foto: MARCELO CASAL JR/AGÊNCIA BRASIL


A pandemia da covid-19 agravou a desigualdade de gênero no mercado de trabalho em 2020. Em Pernambuco os números assustam. Dos 5.163 empregos formais perdidos no ano passado, 5.137 (99,5%) foram de mulheres e só 26 (0,5%) de homens. Os dados estão no balanço do Novo Caged para 2020, divulgado no final da semana que passou. Especialistas dizem que o fosso entre homens e mulheres se aprofundou com a crise trazida pelo coronavírus. O que aconteceu em Pernambuco também se percebeu em boa parte do País, sobretudo nas regiões Nordeste e Sudeste.  

>> Mulheres negras continuam em desvantagem no mercado de trabalho. Uma das saídas é empreender

O mercado de trabalho no Brasil é historicamente mais adverso para as mulheres. Elas recebem menos que os homens (mesmo ocupando as mesmas funções), chegam em menor número aos cargos de chefia e sofrem discriminação por conta da maternidade. No País, o saldo de empregos com carteira assinada (diferença entre as admissões e as demissões) foi positivo em 230.294 vagas para os homens, enquanto as mulheres perderam 87.604 postos de trabalho. 

"O mercado de trabalho já é tradicionalmente mais hostil para alguns grupos populacionais como mulheres, jovens e não-brancos. Em momentos de crise esses grupos são os primeiros a perder os postos de trabalho. No entanto, com a pandemia e as medidas de isolamento social, que afetaram, sobretudo, o setor de comércio e serviços, as mulheres perderam os postos e ainda não conseguiram recuperar", observa a economista do Dieese, Ana Georgina Dias. 

Setores mais afetados

Os setores mais afetados pela pandemia também impactaram negativamente o mercado de trabalho para as mulheres.  "Mulheres, normalmente, estão ocupadas especialmente no setor de serviços (comércio, educação, cultura, turismo e hospitalidade). Como boa parte desses setores ainda não conseguiu iniciar uma retomada consistente, o emprego feminino se recuperou de forma mais lenta. O setor da educação é um grande exemplo. Com a não retomada das aulas da educação infantil e básica, muitos professores perderam emprego. Na educação básica, 86% dos professores são mulheres. O mesmo acontece com as creches. O trabalho doméstico também teve uma grande perda de postos. A perda de renda das famílias e o home office, além da necessidade das medidas de isolamento, reduziram muito os postos", destaca Ana Georgina.

Em Pernambuco, serviços e comércio, juntos, perderam 2.466 vagas. Alimentação, transportes e comércio em geral foram os segmentos mais afetados em 2020. "Infelizmente o Brasil ainda tem fortes resquícios de uma sociedade machista e patriarcal. Ainda existe uma proteção para o homem no mercado de trabalho e a mulher precisa ser bem mais qualificada para barganhar salários equivalentes. Ainda que seja de forma maquiada, assim como na hora de escolher lideranças e CEOs os homens são privilegiados, no momento de dispensar as mulheres vêm primeiro. Dessa forma, elas são as primeiras a serem demitidas e as últimas a retomar os postos", pontua o economista e professor do Cedepe Business School, Tiago Monteiro.  

Diferença de gênero no mercado de trabalho

Uma olhada para o mapa do Brasil acompanhado pelo Novo Caged percebe-se como a diferença de gênero no mercado de trabalho é uma realidade. Em Minas Gerais, por exemplo, o saldo foi positivo em 40.114 vagas para os homens, enquanto as mulheres perderam 7.397. Na Bahia, eles comemoraram a abertura de 3.476 postos formais, enquanto elas amargaram o fechamento de 8.783. No Espírito Santo, os homens contabilizaram saldo positivo de 8.861 vagas, contra o fechamento de 2.049 para as mulheres. Já no Rio de Janeiro a tragédia foi geral, com homens e mulheres perdendo empregos com carteira assinada. Foram fechados 69.129 postos para eles e 58.026 para elas.  

Governo reconhece a dificuldade

O secretário de Trabalho, Emprego e Qualificação de Pernambuco, Alberes Lopes, confirma que o mercado de trabalho é mais cruel com as mulheres e diz que o governo estadual vem tentando mudar essa realidade. "Infelizmente, os números de 2020 não são um retrato apenas da pandemia. A corda continua arrebentando do lado das mulheres. A secretaria está tentando quebrar este ciclo. A maioria dos nossos cursos de qualificação são voltados não só para capacitar, mas para qualificar as mulheres para o mercado de trabalho, seja para elas encontrarem oportunidades no mercado formal ou no empreendedorismo. Em 2020 tivemos dificuldades de qualificar presencialmente as mulheres, mas investimentos no Programa Ela Pode, que tem o reconhecimento nacional e capacitou mais de quatro mil mulheres", diz. 

De acordo com a secretaria, dos 13 projetos desenvolvidos pela pasta, seis são muito voltados para as mulheres, como o Crédito Popular, o Projeto Ideia, o Ela Pode, o Valorizando a Pele, o Pernambuco Doce, o Projeto Integra e o Compre PE. Todos têm proposta de fortalecer as mulheres em várias regiões de Pernambuco, do Sertão ao Litoral. "Mesmo assim elas continuam sendo ainda as mais atingidas, seja pela violência doméstica, pelo desemprego, porque o Estado não pode trabalhar sozinho, as prefeituras não podem trabalhar sozinhas, precisam do governo federal. E é isso que tem acontecido com os governos do Nordeste, sem políticas públicas especificas, estamos trabalhando sozinhos e fazendo o que podemos", justifica Lopes.

Empreender como alternativa

Uma das saídas que as mulheres têm encontrado para driblar o desemprego é empreender. O programa Crédito Popular, lançado pelo governo do Estado, mostra que quase 70% da captação dos empréstimos foi feita pelas mulheres. Percebendo esse movimento, o secretário do Trabalho diz que o Estado tem incentivado a formalização para que elas tenham algum tipo de proteção social. 

"Em dezembro de 2020, havia 148.668 mulheres inscritas no MEI em Pernambuco e no último dia 31 já eram 152.117, cerca de quatro mil a mais. Então, esse tem sido o ritmo. O que vamos lutar é para que este ano seja de mais investimentos e, com a vacina, possamos retomar o ritmo de crescimento. Vem aí o Outlet Recife, que vai gerar muitos empregos, contratar muitas mulheres e eu quero começar 2021, com esperança, como precisamos. Todos nós", pondera Lopes.

Os números do Novo Caged deixam o alerta de que a desigualdade no mercado de trabalho precisam ceder, num País que tem mais de metade da sua população formada por mulheres e que milhares delas são responsáveis pelo sustento de suas famílias. 

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