Em um ano da pandemia de covid-19, economia de Pernambuco resistiu melhor que a do Brasil, mas expectativas não são otimistas

Os dois primeiros casos da covid-19 em Pernambuco foram de um homem e uma mulher casados, que haviam voltado da Itália fazia pouco tempo
Adriana Guarda
Publicado em 12/03/2021 às 22:06
ISOLAMENTO Com cidades desertas, comércios e serviços fechados, a economia também adoeceu na pandemia Foto: BOBBY FABISAK/JC IMAGEM


Era dia do aniversário de Recife e Olinda - uma quinta-feira, 12 de março de 2020 - quando a Secretaria Estadual de Saúde comunicou os dois primeiros casos de covid-19 em Pernambuco. Um casal recifense acabava de voltar de uma viagem à Itália e desembarcou na Capital pernambucana trazendo o vírus. Um dia antes, a Organização Mundial de Saúde (OMS) tinha declarado pandemia mundial de covid-19. O anúncio sinalizava que a situação era grave, mas ninguém imaginava o número de vidas que seriam perdidas nem o tamanho do golpe na economia. 

A necessidade de cumprir o isolamento social desenhou um cenário inimaginável nas cidades: ruas desertas, comércio de portas abaixadas, restaurantes fechados, cinemas e teatros sem plateia. O resultado foi um baque na atividade econômica que resultou no pior resultado do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiros dos últimos 24 anos. Em 2020 o PIB despencou 4,1%, um desempenho pior do que na recessão de 2015 e 2016 quando as taxas foram de 3,5% e 3,3%. Por conta de peculiaridades da economia local, Pernambuco teve um resultado melhor que o nacional, com queda de 1,4%. 

A pandemia também fez aumentar a desigualdade e ressuscitou o fantasma da fome entre os mais pobres. Com o a necessidade do isolamento social, os trabalhadores informais deixaram de comercializar seus produtos na rua e perderam sua única fonte de renda. Quando o novo coronavírus chegou ao Brasil, mais de 48% da força de trabalho ativa no Estado era de informais. Até o governo criar e conseguir operacionalizar o auxílio emergencial, muitas pessoas passaram necessidade. 

Um caso que ficou conhecido em Pernambuco foi o da ambulante Jaqueline Araújo, que estava há 36 horas sem comer, chorando de fome na fila do auxílio emergencial de uma Caixa Econômica em Casa Amarela, quando uma moradora local lhe ofereceu café e pão e depois se formou uma rede solidária na própria fila do banco. Ela acabou voltando para casa com uma mochila cheia de mantimentos. 

O auxílio emergencial, com valor de R$ 600 e R$ 1,2 mil (para mulheres chefe de família), acabou contribuindo para minimizar a queda na economia nacional e sobretudo na pernambucana. Como o Estado conta com um grande número de pessoas vivendo com menos de R$ 600, o auxílio acabou puxando a renda local para cima. Da população estadual estimada em 9,6 milhões de pessoas, 3,2 milhões vivem em situação de pobreza (R$ 420/mês) e de extrema pobreza, vivendo com R$ 145 por mês. O valor médio do Bolsa Família pago a 1,1 milhão de pessoas no Estado não chega a R$ 200. Então, receber R$ 600 ou R$ 1,2 mil foi um ganho de renda. 

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Pernambuco ficou em quinto lugar no ranking dos Estados que tiveram o maior número de beneficiários do auxílio emergencial, atrás de São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Rio de Janeiro. Foram aplicados aproximadamente R$ 16 milhões, atendendo a 3,6 mil pessoas. O economista da Fecomércio, Rafael Ramos, explica que o benefício acabou estimulando não só o consumo de alimentos e bebidas, mas também estimulando a demanda em outros setores. "Esse dinheiro não ficou só nos supermercados e nas farmácias, as atividades de comércio de material de construção e eletroeletrônicos e também se beneficiaram", destaca. 

Nosso PIB caiu menos

Numa análise sobre o que esperar de 2021, a sócia-diretora da Ceplan Tania Bacelar explica que a economia pernambucana tem uma dinâmica diferente, que faz com que a queda do PIB local tenha sido menor do que a do País. Esses diferenciais também ajudam a explicar essa trajetória melhor do PIB apesar de o Estado ter uma altíssima taxa de desemprego (16,8% contra 13,5% do Brasil). 

"O investimento, sobretudo no setor industrial, foi o grande diferencial de Pernambuco. Na época que eles estavam chegando fizemos um levantamento na Ceplan e constatamos que o bloco de investimentos era quase do tamanho do nosso PIB. Enquanto o Brasil vivia um momento de desindustrialização, a indústria do Estado se renovava. Então, o diferencial está nos desdobramentos desses investimentos. Outro ponto importante é o consumo do governo, que aciona a economia e tem um peso importante. Aqui existem departamentos de órgãos federais, com gente que recebe um bom salário e contribui para a demanda com consumo", explica a economista. 

Perspectivas para 2021 

A expectativa é que na próxima segunda-feira (15) o Congresso promulgue a PEC Emergencial, que vai permitir uma segunda rodada do auxílio. Apesar da boa notícia, sabe-se o investimento será bem menor nessa nova versão (caindo de quase R$ 300 bilhões em 2020 para R$ 44 bilhões), reduzindo o valor e o número de beneficiários. A previsão é que o valor médio seja de R$ 250, mas com varições. Uma mulher chefe de família poderá receber R$ 375 e uma pessoa sozinha R$ 175. A redução no valor também vai mexer com a renda da população mais vulnerável, seu poder de compra e a capacidade de dinamizar a economia.   

"O ano de 2021 começa com uma nova rodada de auxílio menor e para um número menor de pessoas, ao mesmo tempo em que acontece uma segunda onda da covid-19. Isso está aumentando as restrições e poderá provocar um novo baque no setor de serviços. A vacinação no Brasil e em Pernambuco precisa acelerar para a atividade econômica voltar. E para o Estado se destacar é preciso esquecer a guerra fiscal e apostar em infraestrutura, logística, formação de capital humano e desburocratização da economia para atrair investimentos com maior facilidade. Além disso precisa dialogar com o governo federal para conseguir realizar obras de infraestrutura e para entrar nas privatizações de rodovias, ferrovias e outros ativos", defende, Ecio Costa, professor do departamento de Economia da Universidade Federal de Pernambuco e consultor de empresas. 

Na avaliação de Tania Bacelar, 2021 ainda será muito desafiador para diversas atividades que são importantes para Pernambuco. Entre elas estão o turismo, a produção cultural e os serviços prestados às famílias. "O ritmo da vacinação será estratégico, e deve-se esperar um primeiro semestre muito difícil, especialmente sem políticas públicas de apoio”, pondera, pois Pernambuco está vindo de forte queda na massa de rendimentos do trabalho, que alimenta o consumo. “Em meio a um ambiente ainda marcado por dificuldades, o desafio de se reinventar prossegue para as empresas, mas Pernambuco tem ativos estratégicos para enfrentá-lo, como o ecossistema de inovação”, acredita.

Indústria teme 2021

Mesmo tento conseguido enfrentar o tsunami da pandemia e encerrado 2020 com crescimento de 1%, o setor industrial teme como será sua trajetória este ano. Passado um ano do início da pandemia, a Federação das Indústrias de Pernambuco (Fiepe) realizou pesquisa com os empresário para avaliar a percepção da atividade. 

A principal preocupação do empresários ainda é a dificuldade de encontrar insumos para a produção, que começou por volta de julho do ano passado, com a retomada da economia após um período mai severo de isolamento social e fechamento das atividades não essenciais. "Esse fato fica evidente, por exemplo, no caso do plástico e da celulose, que integram embalagens de diversos produtos da indústria de transformação, e dos insumos para a construção civil. Tanto que 70% deles ainda estão sofrendo com a escassez de matéria-prima e alta nos preços, que, para 24,4%, dos empresários já ultrapassa 60% de aumento” explica o gerente de Relações Industriais da Fiepe, Maurício Laranjeira.

O levantamento também revela que 37,3% dos empresários ainda vão sofrer com queda de faturamento e outros 48,5% vão se manter estagnados, enquanto apenas 14,2% acreditam numa recuperação em curto prazo. Para os industriais, a recuperação só virá com adoção de medidas como a vacinação em massa, a aprovação da reforma tributária, os programas de recuperação fiscal em níveis federal e estadual e as políticas de fortalecimento do setor industrial, por ordem de prioridade.

Sem conseguir uma recuperação sustentável, o desemprego não vai diminuir. Dos empresários entrevistados, quase a metade (46,27%) precisou fazer demissões para manter seus negócios funcionando e 67,2% deles ainda não conseguiram recontratar novos funcionários. "Para estancar essa desocupação e voltar a gerar empregos é muito importante a retomada do programa de suspensão ou redução de carga horária e de salários com auxílio complementar do governo federal", observa.

Diante de um cenário ainda adverso, todas as apostas estão no avanço da vacinação no Brasil, que segue em ritmo lento e com possibilidade de travar por conta da constante falta de matéria-prima para fabricar as doses e outras dificuldades. Desenvolver várias vacinas em menos de um ano já foi um feito, o desafio agora é operacionalizar e acreditar que 2021 será um novo ano e não um 2020.2, como tem se comentado.  

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