Conheci Antônio Maria em 1945, irradiando Vitória x Galícia, pela PRA-4, Rádio Sociedade da Bahia, no campinho de madeira da Graça, em Salvador. A "cabine" era ao ar livre, sem cobertura - sujeita a chuvas e trovoadas. Eu ficava atrás deles, curtindo a irradiação. Lembro que Antônio Maria transmitia a partida em alta velocidade, novidade à época, e suava muito. Naquele jogo, usou um verbo que eu não conhecia: "Gereco sai de campo manquitolando!". Chegando em casa, perguntei a papai o que era manquitolando, ele explicou: "Homem quando puxa pela perna, manquitola. Animal, manca." Minha admiração por Antônio Maria cresceu, e, durante o tempo (pouco) em que ele narrou as partidas do Campeonato Baiano, eu não perdia uma, sempre em pé, atrás de sua equipe.
Seu cartaz foi crescendo entre os intelectuais, notívagos, torcedores, desportistas, jornalistas e população de Salvador. Percebendo isso, candidatou-se a vereador do município. Num dia aziago, trocou sopapos com Jacaré, tipo popular da cidade, no Mercado Modelo. Brigar com Jacaré, defronte do Elevador Lacerda, equivalia a brigar com Colaço na calçada do Savoy, aqui no Recife. Sua popularidade despencou, ele renunciou à candidatura, e, em 1947, voltou pro Rio, onde estivera em 1940.
Dizem que isso foi bom pra ele porque, transferindo-se, como se transferiu pro Rio de Janeiro, reencontrou na Cidade Maravilhosa, Distrito Federal e capital do país, ambiente mais fértil e maior para expandir seu enorme talento de cronista e de compositor, que então estava desabrochando. Contam que seu primeiro teste na TV Tupi foi um fracasso porque devolveram seu esquete, alegando ser muito "alto" para a compreensão do telespectador, devolveram o segundo, sob o mesmo motivo, e, ao entregar o terceiro, ele rosnou: "Toma aí - pior do que esse eu não sei fazer!". Com Fernando Lobo, fez dupla de sucesso com inúmeros sambas-canções. São famosos seus pegas com Ary Barroso. Ele acusava o mineiro de somente fazer sucesso apelando para batucadas e ritmos fortes. Ary respondeu compondo o magistral Risque, que ele fez sofrendo grande desilusão amorosa por ter perdido o amor de Guiomar para Didi, o Príncipe Etíope de Nelson Rodrigues. Quando foi fazer a cobertura da posse do governador Otávio Mangabeira, no Palácio da Aclamação, e Otávio perguntou se ele era baiano, respondeu: "Não, governador, não mereci." Nunca mais encontrei seu primo médico e meu amigo, Euriquinho.
Arthur Carvalho, Associação da Imprensa de Pernambuco - AIP
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