Em 2015, durante o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 347, o plenário do Supremo Tribunal Federal declarou um conjunto de situações absolutamente deploráveis e desumanas que permeiam o ambiente prisional brasileiro, reconhecendo, oficialmente, o seu "estado de coisas inconstitucional". Durante o julgamento, restou claro que as nossas prisões violam massivamente os direitos e garantias individuais e coletivos dos presos, apontando, ademais, como causa principal desses desmandos, a omissão da União e dos Estados, que jamais deram a importância exigível pela Constituição e pelas nossas leis.
O massacre de Carandiru-SP (1992), onde 111 presos foram mortos e as rebeliões em Urso Branco-RO (2002), com 27 mortos, Alcaçuz-RN (2017), 29 mortos e Anísio Jobim-AM (2019), quando 55 detentos foram trucidados, são exemplos desse descaso do poder público. Nunca é demais lembrar que devido a este dilema, a Corte Interamericana de Direitos Humanos tem adotado punições ao Brasil, quase sempre pelas graves violações aos tratados internacionais celebrados, costumeiramente descumpridos.
Em verdade, a nossa situação carcerária poderia ser ainda mais drástica, não fosse a intervenção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a partir de 2007, que criou as audiências de custódia, realiza o monitoramento das prisões, armazena estatísticas prisionais, expede recomendações aos seus juízes da Execução Penal, enfim, contribui, eficazmente, no sentido de evitar que este desastre prisional acelere os desmandos que tanto denigrem a imagem do Brasil, há muito tempo.
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, relator do habeas corpus nº 165.704. presidiu, na segunda-feira passada, audiência pública que teve como finalidade discutir os graves problemas que envolvem o sistema penitenciário brasileiro. Como era de se esperar, as já conhecidas questões que envolvem nossas prisões foram apontadas, concluindo-se que a omissão do poder público, o responsável pela administração das prisões, é a causa primeira desse enorme descaso.
Enquanto isso, parte da sociedade que prega a vingança e a aplicação das penas cruéis silencia completamente sobre este tormento social, esquecendo de cobrar das autoridades públicas a efetivação de políticas sociais na prisão, como o trabalho, a educação, a saúde e a assistência jurídica aos encarcerados, direitos do preso e obrigação do Estado.
Adeildo Nunes, doutor e mestre em Direito
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