OPINIÃO

Porto de Galinhas: a morte em vão de Heloysa, criança de 6 anos baleada em ação policial

No meio da inacabável batalha entre a polícia e o tráfico de drogas, mais uma vez derramou-se sangue inocente

Cadastrado por

Katarina Moraes

Publicado em 31/03/2022 às 18:59 | Atualizado em 31/03/2022 às 21:04
Heloysa Gabrielle, de 6 anos, foi baleada no momento em que acontecia uma perseguição policial - FOTO AUTORIZADA E CEDIDA PELA FAMÍLIA

Querida Heloysa,

Vi nas suas redes sociais como você estava feliz no seu primeiro dia de aula, há duas semanas, e também como pareceu divertida sua última viagem para Alagoas com a família.

Que linda você estava no seu aniversário de 6 anos no último mês, vestida da Pequena Sereia! Ela parecia ser sua princesa preferida.

Nas fotos, seu sorriso era o ponto focal. Era apaixonante.

Heloysa Gabrielle tinha apenas 6 anos e brincava na frente da casa da avó antes de ser baleada - FOTO AUTORIZADA E CEDIDA PELA FAMÍLIA

Não duvido que ele também estivesse presente na noite de ontem enquanto você brincava. É dele que não podemos esquecer e, principalmente, de como ele foi tirado de você - com um tiro no peito.

Curiosamente, na rua chamada “Esperança”, na Comunidade Salinas, e em frente à casa da sua vovó, em Porto de Galinhas, o “paraíso” de Pernambuco. Dois adjetivos que, aliás, parecem não fazer mais sentido após sua partida.

Para o Estado, talvez você seja só mais uma nas estatísticas.
Mas para quem te ama (no presente, mais que nunca), era tudo.

Era a “princesa” da mamãe.
A “minha menina” do papai.
A criança “alegre, brincalhona e carinhosa” do tio.

Não ousaremos dizer que sua morte não foi em vão, Heloysa.
Foi em vão.
Foi desnecessária.
Sempre será.

Tão absurda que uma cidade inteira amanheceu em luto.

Fechou-se tudo, pequena. Todas as vitrines estampam teu rosto e teu nome.

Políticos se calaram diante da sua ida, mas o povo aprendeu a gritar.

Enquanto a dor já é mais real que nunca, as narrativas ainda se confundem. A Polícia diz que atirou em uma troca de tiros, mas quem estava ao seu lado nega.

Mas isso é assunto de gente grande, Helô. Você jamais deveria estar no meio disso tudo.

Por isso, seja qual for a verdade, todo o país te deve desculpas por te condenar antes mesmo de você nascer.

Por te matar apenas por você estar no lugar errado e na hora errada.

E, no meio da inacabável batalha entre a polícia e o tráfico de drogas, por mais uma vez ter derramado sangue inocente.

Dessa vez, o seu, Heloysa Gabrielly.

Menina pobre, negra e periférica.

Amanhã, o de quem?

 

 

Katarina Moraes é jornalista e repórter do JC

*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

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