Querida Heloysa,
Vi nas suas redes sociais como você estava feliz no seu primeiro dia de aula, há duas semanas, e também como pareceu divertida sua última viagem para Alagoas com a família.
Que linda você estava no seu aniversário de 6 anos no último mês, vestida da Pequena Sereia! Ela parecia ser sua princesa preferida.
Nas fotos, seu sorriso era o ponto focal. Era apaixonante.
Não duvido que ele também estivesse presente na noite de ontem enquanto você brincava. É dele que não podemos esquecer e, principalmente, de como ele foi tirado de você - com um tiro no peito.
Curiosamente, na rua chamada “Esperança”, na Comunidade Salinas, e em frente à casa da sua vovó, em Porto de Galinhas, o “paraíso” de Pernambuco. Dois adjetivos que, aliás, parecem não fazer mais sentido após sua partida.
Para o Estado, talvez você seja só mais uma nas estatísticas.
Mas para quem te ama (no presente, mais que nunca), era tudo.
Era a “princesa” da mamãe.
A “minha menina” do papai.
A criança “alegre, brincalhona e carinhosa” do tio.
Não ousaremos dizer que sua morte não foi em vão, Heloysa.
Foi em vão.
Foi desnecessária.
Sempre será.
Tão absurda que uma cidade inteira amanheceu em luto.
Fechou-se tudo, pequena. Todas as vitrines estampam teu rosto e teu nome.
Políticos se calaram diante da sua ida, mas o povo aprendeu a gritar.
Enquanto a dor já é mais real que nunca, as narrativas ainda se confundem. A Polícia diz que atirou em uma troca de tiros, mas quem estava ao seu lado nega.
Mas isso é assunto de gente grande, Helô. Você jamais deveria estar no meio disso tudo.
Por isso, seja qual for a verdade, todo o país te deve desculpas por te condenar antes mesmo de você nascer.
Por te matar apenas por você estar no lugar errado e na hora errada.
E, no meio da inacabável batalha entre a polícia e o tráfico de drogas, por mais uma vez ter derramado sangue inocente.
Dessa vez, o seu, Heloysa Gabrielly.
Menina pobre, negra e periférica.
Amanhã, o de quem?
Katarina Moraes é jornalista e repórter do JC
*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC