Disse certa feita Harold Wilson, ex-Premier britânico:
“Aquele que rejeita a mudança é o arquiteto da decadência. A única instituição humana que rejeita o progresso é o cemitério”.
Sábias palavras, que inauguram e abrem alas a uma reflexão que se faz tão inadiável, quanto urgente, para não dizer fundamental. Uma reflexão que dita as linhas do próprio futuro e a sorte que ele nos reserva.
Nos tempos inconstantes de hoje, de acirramento em praticamente todos os temas de interesse geral, e em que alcançar a dádiva da longevidade com proativismo já não é façanha tão rara, ser capaz de fazê-lo com a serenidade de que sempre doou o máximo e o melhor de si é algo digno de ser celebrado.
Com as instituições o processo evolutivo não é diferente. Elas só subsistem e vicejam se os frutos do seu existir forem significativos, se se projetarem para o amanhã, se forem dignos de revisitação. Se houver na sua atividade, significado e mensagem. Aprendizado.
A Ordem dos Advogados do Brasil, OAB, entidade civil que reúne a única profissão liberal essencial à justiça na nossa República, a justiça enquanto gênero de primeira necessidade que é, e que vocaliza perante o Poder Público os anseios da cidadania, chega em Pernambuco neste 2022 ao seu nonagésimo natalício, colecionado lutas memoráveis, firmeza de propósitos, coerência e acima de tudo a confiança da sociedade.
A OAB é como uma casa sem muros, de janelas e de portas abertas a todos quantos queiram frequentá-la com espírito colaborativo. Uma casa não de projetos pessoais ou da mera ambição de aparecer para granjear “likes”, nem de pregações divisionistas ou quiçá diversionistas, mas sim que pertence e se justifica à sociedade a cada avanço de direitos de que participa e que só em seu nome faz sentido, ou então não passa de uma sigla sem alma.
Falo sobre e da OAB-PE com certo conhecimento de causa. Dedico-me de corpo e alma ao seu voluntariado há quase metade da minha vida adulta. Ao falar da OAB-PE evoco o símbolo que se forjou no titânio que não verga de figuras da superlatividade biográfica de José Cavalcanti Neves, Dorany Sampaio, Joaquim Correia, Fernando Coelho, Hélio Mariano, e outros, e que adentra a era moderna abrindo as suas portas e estendendo os seus braços para a inclusividade e a democracia paritária, sendo, portanto, mais representativa, e, com isso, mais legítima, afinal, há de refletir a realidade lá fora e não fabricar a sua própria, como a encastelar-se.
Da pioneira Nair Andrade, que segue atuante, o movimento agregou Sílvia Nogueira, Graciele Lins, Ingrid Zanella, Manoela Alves, Taciana Magalhães, Adriana Caribé, Ana Bernardo, Yanne Telles, Anne Cabral, e muitas e tantas outras, seja na sua Diretoria, na sua Escola de Advocacia, na sua Caixa de Assistência, nos seus Conselhos Estadual e Federal e nas suas Comissões, como também trouxe o olhar da Advocacia popular, dos direitos humanos, da negritude, da agenda LGBTQIA+, como, aliás, não podia deixar de ser. A OAB é isso, espelho, nunca o retrato de Dorian Gray.
Estruturalmente, opera como um sistema de inspiração federativa. Nele coexistem as Seccionais, em número de vinte e sete; nelas, as Subseccionais, que são centenas; e há no topo da pirâmide o Conselho Federal, sediado na capital Brasília. Prepondera, em suma, a organicidade, à moda dos vasos comunicantes da biologia. Os fins são os mesmos e as lutas também perpassando esse Sistema. A representação, a defesa, a seleção, a disciplina da classe como um todo lhe são exclusivas. Tirante a liberdade sindical, que é uma garantia constitucional, quem fala pela Advocacia como um todo e detém a autoridade para promover a defesa das suas prerrogativas, ou, em outros dizeres, quem a representa de modo maior e mais amplo é a OAB. Não se trata de legitimação concorrente.
A Ordem continua a estar firme na linha de frente da resistência a todas (e não são poucas) as tentativas de testar os limites da democracia e do Estado de Direito, mais recentemente nos ataques ao sistema eleitoral do País, que em todo o mundo é citado como referência e cujos riscos se mostram ínfimos no comparativo com o jurássico voto de papel, mas que alguns, inclusive em altos postos, teimam em questionar, ainda que eleitos e/ou reeleitos pelo voto eletrônico e que prestaram o juramento à Constituição que aí está, há quase 35 anos.
Da mesma forma, a OAB não silencia quando discursos de ruptura institucional e de ódio a um outro Poder são proferidos, inclusive, sob o pretexto da imunidade parlamentar, e acabam beneficiados com perdões, graças e indultos, ou mesmo quando grupos vão às ruas para pedir a volta a um passado que só deixou tristeza e sofrimento, ou quando o mau exemplo insufla à insubordinação ou quando as vozes que deviam liderar e apaziguar negam, sem argumentos minimamente plausíveis, que a ciência salva vidas.
O dia a dia de uma instituição independente e naturalmente questionadora como a OAB nunca é de marasmo nesta Nação mergulhada em paradoxos. São cada vez mais incomuns os períodos de calmaria. A todo instante é necessário que se reafirme o óbvio, mormente a premissa de que, longe do oxigênio democrático, toda vida vai a óbito e não há felicidade.
Liderados por mulheres e homens de têmpera e espírito de coragem, hoje simbolizados no amazonense Beto Simonetti à frente do Conselho Federal e de Fernando Ribeiro Lins na Seccional de Pernambuco, nomes propelidos pelo desassombro e pela altivez, os advogados da pátria mãe gentil terra brasilis podem orgulhar-se da OAB, da sua Casa, da sua fidelidade à mais bela tradição de lutas que marca o povo profissão esperança que é o brasileiro.
Viva a OAB e viva OAB/PE que completa com a energia do elixir da juventude eterna os seus 90 anos e que muitos outros 90 anos mais a contemplem na linha do horizonte. OAB entre os imprescindíveis de que falou um dia Berthold Brecht.
Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado