Opinião

Artigo de Jorge Jatobá: "A Direita e as Desigualdades"

A direita considera que o desenvolvimento econômico reduz as desigualdades automaticamente ao gerar oportunidades ofertadas pela economia de mercado

Cadastrado por

JORGE JATOBÁ

Publicado em 30/07/2024 às 16:16
As desigualdades, de maneira geral tem se elevado, no Brasil e nos EUA - Guga Matos/JC iMAGEM

No espectro ideológico da direita e da esquerda têm surgido vários questionamentos sobre o que ser de um e de outro. As características de pertencimento diferem entre os fundamentos doutrinários dos partidos políticos, não sendo necessariamente consistentes ou isentas de ambiguidade.

Nos últimos anos a direita avançou em vários países do mundo abraçando causas diversas, mas no debate ideológico a questão da desigualdade é vista de forma diferente por líderes ou partidos da direita ou da esquerda.

Essa discussão tem surgido, na Europa e nas Américas, notadamente na Argentina, com o Governo Milei, trazendo consigo controvérsias e contradições. Na definição convencional, ser de direita é ser liberal na economia, advogando pouca intervenção do estado. Não necessariamente o Estado Mínimo da Escola Austríaca (Menger, Von Mises e Hayek), mas o estado apenas necessário para garantir Justiça e Segurança Pública.

Nos costumes, a direita é, em geral, conservadora, especialmente no que diz respeito a questões como o aborto e os direitos da comunidade LGBTQI+.

Direita e esquerda têm também visões radicalmente diferentes com relação ao meio ambiente e as mudanças climáticas.

Com relação à desigualdade as visões são diferentes e remontam, ao final, no grau de intervenção do Estado na Economia e na Sociedade que seria necessário para poder garantir oportunidades iguais para todos.

A esquerda tem defendido pautas identitárias, algumas com o objetivo de reduzir desigualdades, muitas vezes omitindo, todavia, os interesses de segmentos significativos da sociedade, especialmente trabalhadores, que não avançaram com a globalização.

Nos Estados Unidos, reportagem recente do New York Times (24 de julho de 2024) relata pesquisas da Universidade de Harvard evidenciando que os americanos pobres e brancos estão regredindo intergeracionalmente no que diz respeito a renda enquanto os pobres e negros estão indo na direção contrária.

O estudo demonstra que pessoas com 27 anos que nasceram pobres tiveram as seguintes variações absolutas de renda: brancos pobres perderam US$ 2.050 e negros pobres ganharam US$ 1.420.

A diferença entre os dois grupos ainda é grande e favorável aos brancos pobres, mas tem diminuído ao longo de uma geração. Uma das razões tem sido as políticas públicas voltadas para a comunidade afrodescendente ao longo dos anos, patrocinadas por governos do Partido Democrata.

Parte substantiva desse grupo de brancos pobres que está tendo perda de renda tem se deslocado à direita, no espectro partidário e ideológico tornando-se, em sua maioria, eleitores de Donald Trump que, ao perceber essa mudança, construiu um discurso antiglobalização para conquistar os seus votos.

Esse parece ser o caso em que políticas progressistas de caráter identitário (gênero, raça, etc.) beneficiaram um grupo enquanto o outro, um contingente expressivo do ponto de vista demográfico, sentiu-se abandonado pelas elites.

O discurso torna-se, portanto, crítico dessas elites e da globalização que ao exportar empregos causa reduções de renda para um segmento pobre e branco da população.

Essa é uma situação em que a redução das desigualdades por meio de políticas públicas que enfatizam a igualdade de oportunidades, um tema caro para os EUA e para o Brasil, apresentou resultados positivos para um grupo, mas trouxe perdas relativas para o outro, transformando-se em tema eleitoralmente relevante.

A direita considera que o desenvolvimento econômico reduz as desigualdades automaticamente ao gerar as oportunidades ofertadas pela economia de mercado. Nesse contexto, cada um as aproveitaria segundo seus talentos e competências.

Isso, todavia, é historicamente falso. Essa interpretação deriva da confusão a respeito dos efeitos do crescimento econômico sobre a pobreza e a desigualdade.

O crescimento da economia reduz a pobreza ao gerar mais oportunidades de emprego e de geração de renda. O conceito de pobreza é absoluto medido pelo número de pessoas ou famílias que se situam abaixo de um determinado nível de renda per capita.

Como a demanda por trabalho é derivada da expansão do PIB, invariavelmente mais crescimento econômico, reduz a pobreza, mas não necessariamente as desigualdades que, diferentemente do conceito absoluto de pobreza, é um conceito relativo.

Todos podem avançar no espectro da renda mas se alguns avançarem mais rápido do que outros, as desigualdades se elevam. E as desigualdades, de maneira geral tem se elevado, no Brasil e nos EUA.

Todavia, no caso específico dos pobres brancos e pobres negros relatado acima para os EUA elas se reduziram. Isso não significa, entretanto, que a desigualdade como um todo tenha caído naquele país. As evidências são que têm aumentado não só quando se considera as rendas do trabalho, mas sobretudo as do capital, especialmente com a financeirização da economia.

Para reduzir as desigualdades é necessário construir políticas que privilegiem a igualdade de oportunidades e isso só é possível com a presença marcante do Estado. A direita pode não ser contra o objetivo da redução da desigualdade, mas é contrária ao uso de instrumentos que só o Estado detém para combatê-la.

Jorge Jatobá, doutor em Economia, Professor Titular da UFPE, Ex-Secretário da Fazenda de Pernambuco, Sócio da CEPLAN-Consultoria Econômica e Planejamento

Tags

Autor

Veja também

Webstories

últimas

VER MAIS