Sustentação oral: o direito de falar e o dever de ouvir
O julgamento não é um procedimento mecânico onde uma argumentação gravada possa suprir a necessidade de diálogo e contraponto entre as partes

Ouvir uma sinfonia executada ao vivo é uma experiência ímpar. Nenhuma partitura, por mais detalhada que seja, substitui a experiência de ouvir a harmonia dos instrumentos tocando cada um a seu tempo. Entender a teoria musical e ler cada compasso não se compara à emoção do som real. A Justiça funciona da mesma forma. O processo escrito pode registrar argumentos, mas nada substitui a sustentação oral: o momento em que o advogado, a advogada, com sua voz, dão vida ao direito, modulando sua fala conforme a reação dos julgadores, destacando as nuances que o papel ou o vídeo jamais transmitirá.
Sem esse direito, relegando-o a meras gravações, o julgamento se torna uma música sem som. E a Justiça não pode ser um quadro estático pendurado na parede, onde as decisões são tomadas sem movimento, sem calor humano, sem o impacto da voz da advocacia. Julgar sem ouvir é como tentar entender uma sinfonia apenas lendo a partitura.
No proposto pela Resolução 591/2024 do CNJ, a advocacia seria reduzida a um registro frio, sem a possibilidade de argumentar no tempo real do julgamento, sem a força da palavra dita no momento certo, sem a interação direta que tantas vezes define o destino de uma causa. A normativa restringia o direito da advocacia de realizar sustentações orais síncronas, impondo um modelo assíncrono, onde os argumentos seriam apresentados em gravações de vídeo ou áudio. Mas a sustentação oral não é um detalhe processual: é a essência do contraditório e a manifestação do direito de defesa e da cidadania.
Pernambuco, junto com a OAB Nacional e as Seccionais de todo o Brasil, reagiu de forma imediata, lançando um movimento nacional. Tivemos participação ativa nessa mobilização, reafirmando o compromisso histórico da advocacia pernambucana com a defesa das prerrogativas e da democracia, estando entre as primeiras Seccionais a se posicionar.
A pressão exercida começa a surtir algum efeito. O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ, prorrogou o prazo para adaptação dos sistemas de julgamento eletrônico, com períodos variados de até 180 dias, além de esclarecer outros pontos. Para os Tribunais estaduais que utilizam o PJe, a prorrogação foi concedida até o final de junho. Uma vitória inicial da advocacia, e, sobretudo, uma vitória da cidadania.
Com a prorrogação, Pernambuco, ao lado da OAB Nacional e das Seccionais, vai atuar através de uma mobilização por todo o país junto ao CNJ, honrando o compromisso que assumi de defender as nossas prerrogativas com firmeza, o que estamos fazendo já agora, nestes primeiros dias de gestão, de forma segura e assertiva. Vídeo gravado não é sustentação oral. A Justiça não pode ser transformada em um ambiente impessoal, onde as decisões são tomadas sem o contraditório vivo, sem a intervenção real daqueles que defendem os direitos dos cidadãos.
O julgamento não é um procedimento mecânico onde uma argumentação gravada possa suprir a necessidade de diálogo e contraponto. A presença do advogado e da advogada em tempo real é fundamental para garantir que as alegações sejam ouvidas com o peso e a urgência que merecem, respondendo a questionamentos e se ajustando às dinâmicas da sessão.
A Justiça é a sinfonia do equilíbrio social, mas a advocacia é a melodia que garante que nenhuma nota seja abafada, que cada argumento tenha seu tempo, que cada causa seja ouvida. O direito de falar e o dever de ouvir são indissociáveis em um sistema de Justiça democrático como o nosso. A advocacia não fala apenas por si, mas por toda a sociedade. Se a voz dos advogados e advogadas é um direito, a escuta por parte dos tribunais é um dever. E Pernambuco seguirá firme, garantindo que essa voz nunca seja silenciada.
Ingrid Zanella, presidente da OAB-PE