A batalha judicial entre a pernambucana Michele Rafaela Maximino, conhecida como ‘a maior doadora de leite do Brasil’, e o humorista Danilo Gentili terá um novo capítulo no Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme auto divulgado nessa segunda-feira (23). Isto porque o tribunal aceitou julgar o recurso especial pedido pelas defesas do apresentador, de Marcelo Mansfield e da Rede Bandeirantes, em diminuir o valor da sentença de danos morais, atualmente calculada em R$ 80 mil mais as devidas correções monetárias.
O processo começou na 2ª Vara Cível da Comarca de Olinda, passou para o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) e, agora, chega ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em 2016, os réus foram condenados pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) a pagar uma multa de R$ 200 mil. O apresentador recorreu da decisão na 5º Câmara Civil do Tribunal de Justiça de Pernambuco, onde teve a multa reduzida para R$ 80 mil.
Apesar do enrolar dos processos, o advogado de Michele, Cláudio Lino, se mantém confiante sobre a vitória da cliente. “De a senhora Michele perder, não vai acontecer. O que está se questionando são valores. Ele já conseguiu baixar de R$ 200 mil para R$ 80 mil, porém, com juros e correção monetária desde a época do fato, [o valor] chega a quase R$ 200 mil de novo. Agora ele [Gentili] está tentando, mais uma vez, diminuir esse valor e protelar esse julgamento”, explicou.
O defensor da técnica em enfermagem também pediu o cumprimento de sentença provisório, já que o processo ainda não foi transitado em julgado, nível do processo em que não cabe mais recursos.
Em entrevista ao JC, o marido de Michele, o professor de história, acredita que Danilo cometeu um desserviço às doações de leite, levando possíveis doadoras a desistirem do ato por medo de brincadeiras de mau gosto, e questionou: "será que a estupidez vai ganhar da solidariedade?".
Michele orgulhou a cidade de Quipapá em 2013 após chegar ao marco de aproximadamente 480 litros de leite materno doados. A solidariedade, porém, deslanchou em um triste episódio: a técnica em enfermagem foi ridicularizada pelo então apresentador do programa ‘Agora é Tarde’, Danilo Gentili, que a chamou de ‘vaca’ em rede nacional e a fez parar com as doações à época.
Apenas no ano passado a técnica em enfermagem voltou à Quipapá, sua cidade natal. Sua família veio morar no Recife após sofrer chacotas no município da Mata Sul de Pernambuco, devido à exposição em rede nacional. Michele chegou a deletar todas as suas redes sociais porque, segundo ela, os fãs de Gentili mandavam "pornografia e mensagens rudes" para ela.
Após nascimento de João Miguel, no dia 4 de fevereiro, a Michele Rafaela Maximino, de 38 anos, se colocou mais uma vez a disposição das vidas, fazendo doações para os bebês que estão internados na UTI do Imip.
Segundo Maximino, por dia ela chega a produzir 3 litros de leite, fora o volume que está sendo consumido pelo mais novo membro da família. "Fora os momentos em que estou amamentando, preciso tirar leite 3 vezes ao dia, e mais algumas vezes para extrair o colostro, pois é uma substância mais grossa que o leite, e incomoda muito", acrescentou a técnica em enfermagem.
O marido de Michele, o professor Ederval Trajano, de 48 anos, comenta sobre as dificuldades que a esposa enfrentou nesta gravidez. "Foi uma gravidez muito conturbada. Como já é a quarta cesária, se torna uma gravidez de alto risco. Michele teve placenta baixa e apresentou sangramentos. Teve que ficar de repouso absoluto desde as 14 semanas. Ela chegou a ficar dez dias internada em Garanhuns e ainda teve uma infecção urinária", explica Ederval.
Foi na gestação da terceira filha, Mariana, agora com sete anos, que a família percebeu a importância da doação de leite. Como a menina nasceu prematura, teve que ficar internada na UTI. Ederval e Michele puderam acompanhar o drama das mães que não tinham leite para amamentar suas crianças. "Michele tinha muito leite. A partir daí, a gente percebeu que dava para salvar vidas e começamos a não desperdiçar mais", comenta o professor, que chama o leite de "néctar da vida". O casal ainda tem o jovem Richard, de 20 anos, e Gabriel, de nove anos. A técnica de enfermagem diz ainda que na terceira gravidez, conseguiu doar 480 litros de leite.
A doação do leite materno produzido por Michele demanda uma logística que envolve tempo e dinheiro da família. Isto porque a cidade onde a mulher mora, na Zona da Mata de Pernambuco, não possui banco de doação ou de coleta do líquido. Para que o leite não seja desperdiçado, visto que na última gravidez a técnica em enfermagem produzia cerca de três litros por dia, o marido tem que levá-lo, três vezes por semana, para a cidade de Caruaru, no Agreste do Estado, que fica a cerca de 70 quilômetros de Quipapá.
"Na cidade não tem banco de leite. Eu venho lutando desde 2013 para ter um banco, pelo menos, de coleta, só para arrecadar este leite. Porque o banco de doação requer uma estrutura maior. É muito triste saber que a cidade que tem a maior doadora de leite do Brasil não tem sequer um banco de coleta de leite", relata Ederval. Segundo ele, mesmo o líquido durando 15 dias congelado, não era possível fazer a viagem até a cidade do Agreste, devido à falta de dinheiro para combustível. "Eu trabalho, não tenho tempo para fazer isto. É uma luta. Eu espero que, com o nascimento do João, a gente consiga sensibilizar o governador ou o prefeito para que a gente tenha este local de coleta", relata.
De acordo com o Instituto Nacional Figueira (Fiocruz), cada litro atende dez crianças e qualquer quantidade é aceita pelos bancos de leite materno. Segundo o Instituto, no Brasil, em 2018, 182.740 mulheres foram doadoras e 185.414 crianças receberam o leite que, no total, somou 215.328 litros captados. Pelo caráter sazonal das doações, os bancos sofrem com estoques baixos principalmente em festas de fim de ano, onde há escassez de até 60% do volume.