Adaptação. Essa é a palavra de ordem para estudantes e professores de escolas particulares de Pernambuco, que começaram a ter aulas online nesta segunda-feira (4), após o adiantamento das férias escolares em decorrência da pandemia do novo coronavírus (covid-19). Os desafios são grandes e envolvem, além das instituições de ensino, os pais e responsáveis.
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A jornalista Patrícia Rocha, 36, acompanhou parte do primeiro dia de aula do filho Felipe, de 7 anos, aluno do 3º ano do ensino fundamental do Colégio Visão. Segundo ela, a primeira aula foi de orientações para os estudantes. "Após a oração, a professora deu orientações, como desligar o microfone para que todo mundo pudesse ouvir. Também explicou a nova dinâmica e que, a partir de amanhã, começariam os conteúdos." A aula desta segunda-feira teve duração de 1h30, mas o tempo deve ser ampliado aos poucos, conforme os alunos se adaptem à nova rotina.
Segundo Patrícia, a escola tem laboratório de informática e os alunos costumam ter aulas nesse local, então existe familiaridade com os dispositivos. "Ele está super empolgado. Ontem fizemos uma reunião e as crianças se encontraram virtualmente pela primeira vez. Foi uma algazarra, todos falando ao mesmo tempo. Mas hoje, quando chegaram para a aula, já estavam mais situados no ambiente da escola", conta a jornalista. "É um pouquinho assustador, porque é diferente. Um universo novo para a gente que já trabalha com esses meios, imagina para eles que estavam habituados a utilizar esse espaço só para realizar tarefas. Mas acho boa a iniciativa, porque existia uma preocupação muito grande sobre a possibilidade de perder o ano", avaliou a mãe.
Mãe de João Guilherme, de 9 anos, a jornalista Tayza Contagem, 39, teve uma experiência tranquila com o primeiro dia de aula do filho. "Ele estava bastante ansioso, passou o fim de semana na expectativa e acordou cedo hoje para a aula", conta. O garoto, que cursa o 5º ano do ensino fundamental no Colégio Motivo, teve aula no horário normal, das 7h20 às 11h40, e escolheu assistir pelo próprio telefone celular. "Eu tinha cedido o computador, mas como estou em home office também, ele preferiu utilizar o celular, assim não correria o risco de precisar mudar o dispositivo no meio da aula."
Para ela, o novo modelo traz desafios. "Acho que o maior deles é que a escola consiga ofertar o que estava previsto, sem provocar atraso no conteúdo. As crianças se adaptam melhor do que os adultos às mudanças. Acho que existem prejuízos, como não poder estar perto dos colegas, e também a participação limitada nas aulas, já que os professores pedem para desligar o microfone, mas acho que é possível seguir uma grade de aulas", aposta a jornalista.
A oficial de Justiça Mariana Costa, 37, é mãe de Ana Maria, de sete anos, e de Augusto, de dois. Os dois retomaram as aulas através do ambiente online nesta segunda-feira. Para ela, ainda cedo para avaliar a nova metodologia. "No caso da minha filha mais velha, senti que ela e os coleguinhas estavam com uma saudade muito grande, uma euforia pelo encontro, que tirou a atenção da aula. Já o pequeno, apesar de ser uma criança concentrada, é um desafio maior. É difícil prender a atenção de crianças de dois anos de idade em frente a um computador das 8h às 11h, como está sendo proposto pela escola. Ainda assim, estamos tentando, mesmo não acreditando na efetividade para os pequenos."
Assim como Mariana, a maior parte dos pais não acredita na efetividade do aprendizado para os pequenos. É o que mostra uma pesquisa realizada pela Le Fil. Ao todo, 78,23% dos pais não acreditam no aprendizado online para a educação infantil, contra 14,52%, que acreditam ser eficiente. No ensino fundamental, 38,71% acreditam que é possível aprender utilizando plataformas online, contra 50,81% que não apostam na metodologia. Conforme o aumento da idade e, consequentemente da compreensão e maturidade, o cenário muda. No ensino médio, 75% dos pais acreditam que os filhos conseguem aprender com a nova metodologia, contra 16,3% que se mostram descrentes.
A pesquisa mostra ainda que 82,26% dos pais acreditam que a nova dinâmica exige a presença de algum adulto por perto. Para Mariana, que tem trabalhado parte do tempo em home office e outra parte em plantões presenciais, esse desafio é uma realidade. "Além das demandas dos tribunais, também sou professora universitária e a gente precisa ter tempo disponível para assessorar os filhos nas aulas também", afirma.
Professora de ciências de turmas de 6º a 8º ano de duas escolas particulares, Liliana Nascimento defende que o momento é de adaptação para todos. "Acho que as coisas fluíram bem no primeiro dia, mas os ajustes vão precisar ser feitos com o tempo. É tudo muito novo, todos irão precisar se adaptar a esta nova forma de trabalhar." A professora, que atua na Escola Conecta e no Colégio Casaforte, conta que criou estratégias para facilitar o aprendizado. "Adiantei alguns conteúdos que seriam trabalhados mais no fim de ano, porque senti que seriam mais fáceis de serem ministrados no ambiente virtual", detalha. Para ela, os desafios devem ficar por conta das avaliações. "Ainda é algo que está muito amplo como vai funcionar. Cada escola tem sua abordagem e vai se adaptando."
Com mais de uma década atuando na educação a distância, a professora Sandra Siebra, do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), argumenta que o ensino remoto não pode ser uma réplica da aula presencial. "O grande segredo está em um bom planejamento para organização das aulas, cientes que não deve ser uma mera replicação do ensino presencial", diz a professora, que é consultora em educação a distância e atua em projetos de EAD no Instituto Aggeu Magalhães/Fiocruz.
Para ela, é necessário que haja diversidade de conteúdos didáticos e que esses conteúdos tenham sido elaborados com a finalidade de uso à distância, como "variação entre atividades síncronas e assíncronas, acompanhamento de tutores à distância (capacitados para isso) de forma atemporal, diversidade de materiais sendo utilizados (texto, áudio, vídeos, etc) e um ambiente virtual que substituirá a sala de aula, por meio do qual esses recursos e o apoio serão disponibilizados." A realidade, aponta a especialista, não é essa. "Atualmente, tenho visto nos esforços das escolas muito mais iniciativas de ensino remoto do que efetivamente de EAD", conclui.