Desejo maior de todo ser humano que entendeu a gravidade da pandemia do novo coronavírus, as vacinas que estão sendo pesquisadas para imunizar a população mundial serão produzidas num tempo considerado recorde. Se em pouco mais de um ano do surgimento e da propagação da pandemia da Covid-19 algumas nações como o Reino Unido e os Estados Unidos já começaram a vacinar parte da população, isso se deve aos esforços de pesquisadores de todo o mundo e do investimento de bilhões de dólares em poucos meses para alcançar os resultados rápidos necessários para imunizar a população e conter a pandemia.
Para ter uma ideia dessa velocidade, vale a comparação: a vacina da catapora demorou 28 anos para ser desenvolvida; a do rotavírus, 15 anos, pouco mais que a da tuberculose – 13 anos. Entre as vacinas mais rapidamente descobertas e autorizadas no mundo estão a do ebola (5,5 anos) e a da caxumba (4 anos). Claro que o tempo para desenvolver um imunizante tem relação com os investimentos disponíveis e com a quantidade de cientistas pesquisando e trocando informações sobre o assunto simultaneamente. Também depende do cumprimento de todas as etapas exigidas para a aprovação de uma nova vacina.
"São pelo menos cinco fases até que a vacina esteja pronta para imunizar a população. A primeira é a pré-clínica, quando se decide qual é a substância [antígeno] que vai provocar o organismo a produzir as células de imunidade. Depois, são feitos testes em animais – quando se avalia a produção de anticorpos e se estão protegidos de infecções. Neste momento também são avaliadas questões como toxicidade e tempo de resposta", explica o pesquisador do Departamento de Virologia e Terapia Experimental da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Rafael Dhália. Apenas após essa primeira fase é que se iniciam os testes em seres humanos, em várias etapas até que a vacinação em massa seja autorizada - veja detalhamento no infográfico abaixo. Todo esse processo de pesquisa é considerado bastante seguro e por isso as diversas notícias falsas que estão circulando sobre as vacinas da covid-19 são consideradas pela comunidade científica como um desserviço à sociedade.
Membro da Academia Pernambucana de Ciências, Rafael Dhália explica que 3 milhões de pessoas são salvas todos os anos no mundo por causa da vacinação. Dhália remonta à História para lembrar o que ocorria quando as vacinas não existiam. "As pessoas morriam antes dos 30 anos de doenças infecciosas e, no Brasil, antes da massificação das campanhas de vacinação, pelo menos 20% das crianças não passava dos 2 anos de vida. Em 1904, quando aconteceu a Revolta da Vacina, as pessoas estavam morrendo aos montes de varíola. Também existiam as fakenews da época, mas é claro que não tinha rede social para dar um alcance tão grande a elas. O que aconteceu é que nos meses em que a vacinação foi obrigatória, a redução das doenças foi tão grande que as pessoas correram para se vacinar. Vacina não é uma proteção individual. É uma medida de proteção populacional, para todas as pessoas que vivem em sociedade", completa o pesquisador.
A velocidade de pesquisa e aprovação de várias vacinas para a covid-19 acontece pela emergência da situação mundial de pandemia, com uma flexibilização das etapas de pesquisa e testagem. Essa flexibilização é aceitável para a ciência diante da gravidade da pandemia da covid-19, que já causou mais de 7 milhões de mortes no mundo desde o seu surgimento, em pouco mais de um ano. As etapas seguem os procedimentos exigidos, mas estão acontecendo de forma simultânea. Todos os dados estão sendo analisados em tempo real, com um volume alto de investimento e a atenção dos órgãos regulatórios dos vários países envolvidos.
O processo também foi acelerado porque já existiam pesquisas de imunizantes para outros tipos de coronavírus. Existe um conhecimento pré-adquirido de pesquisadores do mundo todo que estão focados em encontrar uma vacina para o novo coronavírus. Muitos conhecimentos testados noutras situações foram aproveitados neste momento. Outro fator que tem acelerado as descobertas é o compartilhamento de informações e publicações em tempo recorde, com vários investidores promovendo essa troca de informações entre pesquisadores do mundo inteiro.
O desafio da imunização, entretanto, não está apenas na descoberta e na criação das vacinas, mas também na necessidade de criar uma infraestrutura e uma logística para vacinar a população: treinar mais profissionais de saúde, definir locais de vacinação seguros, planejar o armazenamento e o transporte das vacinas, numa ação coordenada. "Se as 16 vacinas que estão em fase mais avançada de pesquisa fossem aprovadas hoje e toda a indústria utilizasse a capacidade máxima de produção, ainda assim a gente não conseguiria imunizar nem metade da população do mundo em poucos meses. É por isso que a imunização será escalonada, iniciando pelos grupos prioritários", complementa Rafael Dhália, lembrando que o caminho para superar a pandemia está na ciência e no apoio da sociedade às medidas de proteção.
"O caminho é a ciência. Acreditar na ciência, buscar a vacinação e as drogas antivirais. Mas a sociedade precisa fazer a sua parte. Não pode simplesmente se cansar da pandemia e decidir que vai fazer tudo na rua. A gripe espanhola matou 50 milhões de pessoas no mundo por conta desse tipo de reação da sociedade", continua o pesquisador, ressaltando que mesmo com o início da vacinação, os cuidados para conter a pandemia serão necessários por um período longo de tempo. "Vacina não é mágica. Não adianta pensar que vai vacinar hoje e amanhã vai para o carnaval. Por um tempo, teremos bolhas de pessoas imunizadas. A população precisa entender que ou se ataca a pandemia por várias frentes ou não vamos ter sucesso", conclui o cientista.
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