Peritos fazem reprodução simulada de protesto contra Bolsonaro que resultou na perda de visão de dois homens no Recife
A simulação aconteceu com o intuito de reunir mais informações técnicas sobre a ação das equipes da Polícia Militar durante o protesto contra o Governo Federal
Na manhã desta sexta-feira (13), na Avenida Princesa Isabel, peritos do Instituto de Criminalística (IC) da Polícia Civil de Pernambuco (PC-PE) fizeram uma reprodução simulada do protesto contra o governo Bolsonaro, realizado em 29 de maio deste ano, quando dois homens ficaram cegos de um dos olhos após serem atingidos por balas de borracha disparadas por policiais militares.
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A simulação aconteceu com o intuito de reunir mais informações técnicas sobre a ação das equipes da Polícia Militar durante o protesto contra o Governo Federal. Por causa da reprodução, o trânsito na área precisou ser desviado no início da manhã. A situação, porém, já foi normalizada.
Outra perícia
Em 29 de julho, a perícia já havia reconstituído o protesto como parte das investigações da conduta do policial militar acusado de atingir vereadora Liana Cirne (PT) com spray de pimenta. Na ocasião, a perícia criminal de constatação foi realizada no Pátio da Central de Plantões da Capital (Ceplanc), e teve como objetivo esclarecer pontos importantes no inquérito, como, por exemplo, a distância exata entre o soldado e a vereadora, a fim de avaliar os danos causados pelo líquido.
A viatura de onde partiu o jato foi medida e fotografada por peritos do Instituto de Criminalística (IC), e o policial da Rádio Patrulha que teria acionado o dispositivo participou da perícia com o rosto coberto por uma balaclava, um tipo de gorro, respondendo aos questionamentos da perita Magda Pedroza.
Segundo a perita, o policial disse que estava sentado no banco atrás do motorista quando disparou o jato. Imagens de celular divulgadas pelas redes sociais registraram o momento em que a vereadora se aproximou da viatura durante a manifestação e, em seguida, recebeu o spray no rosto, que partiu da janela traseira direita, lado oposto ao que o policial estaria. Em seguida, Liana caiu no chão, agonizando. Naquele momento, havia quatro policiais na viatura e um manifestante preso no camburão.
Relembre o caso
Em 29 de maio, durante o protesto, diversas pessoas ficaram feridas após a ação da PM. Uma, a vereadora do Recife, Liana Cirne, levou um jato de spray de pimenta no rosto. Enquanto outras duas vítimas foram feridas por balas de borracha e perderam a visão de um dos olhos. Nenhuma das duas fazia parte do ato, apenas passavam pelo Centro no momento da confusão. As vítimas foram socorridas para o Hospital da Restauração, no Derby, área central da capital e o governador Paulo Câmara determinou o afastamento do oficial que comandou ação.
Daniel Campelo da Silva, 51 anos, é adesivador e foi um dos feridos. Ele foi atingido por um tiro no olho esquerdo, enquanto o arrumador Jonas Correia de França, de 29 anos, foi baleado na testa e no olho direito.
Popularmente chamado de 'Daniel Adesivos', uma das vítimas mora no bairro dos Torrões, na Zona Oeste do Recife, e caminhava pela Ponte Duarte Coelho, na Boa Vista, quando a dispersão do protesto começou. Na ação, os policiais utilizaram bombas de gás lacrimogêneo, spray de pimenta e balas de borracha. Foi com esta última que Daniel foi ferido.
“Meu pai foi comprar adesivos no Centro, na Rua da Concórdia. Ainda disse que era trabalhador, mas a polícia não quis saber. Atirou para todo lado. Ele nunca participaria de protesto contra governo, seja de direita ou de esquerda. Ele disse que era um trabalhador, mas os policiais ignoraram”, denunciou a filha do adesivador, a dona de casa Daniela de Sena, na época.
A revolta da família de Jonas Correia de França é a mesma. O homem passava de bicicleta pela Ponte Princesa Isabel, quando foi atingido por dois tiros de borracha. “Nós moramos em Santo Amaro e ele foi ao Centro para comprar a carne do almoço porque é mais barata. Tinha acabado de desligar o telefone comigo, dizendo que ia demorar um pouco por causa do protesto. De repente, sem ele fazer nada, levou os dois tiros. Estava empurrando a bicicleta pela ponte. Imagens mostram ele ferido, caindo, enquanto um amigo tenta ajudá-lo. Foi muita violência e despreparo da PM”, criticou a esposa do arrumador, a dona de casa Daniela Barreto de Oliveira, também na época do ocorrido.
Ambos estão recebendo assistência do Governo do Estado, que reconheceu os excessos cometidos pela PM. Na última quarta-feira (11), Jonas assinou um acordo com o governo e afirmou estar satisfeito com o resultado, apesar de não informar o valor da negociação. O extrato da transação extrajudicial foi publicado em uma edição extra do Diário Oficial do Estado.
Já Daniel Campelo, até agora não entrou em acordo com o governo. O advogado Marcellus Ugiette, que defende os direitos de Daniel, revelou que o governo ofereceu, em uma reunião realizada no dia 5 de agosto, a quantia de R$ 150 mil e o pagamento de pensão mensal vitalícia, no valor de um salário mínimo, mas a proposta não foi aceita.
Investigação
Até agora, 16 PMs (três oficiais e 13 praças) continuam afastados das atividades nas ruas após ação desastrosa da corporação contra protesto pacífico de 29 de maio. De acordo com a Secretaria de Defesa Social (SDS), havia uma previsão de que os procedimentos fossem finalizados em 30 de julho, mas os prazos foram prorrogados até o final de agosto.
Identificado como quem atingiu o olho direito do arrumador de contêineres Jonas Correia de França, 29 anos, o PM do Batalhão de Choque Reinaldo Belmiro Lins foi afastado de forma cautelar por 120 dias da corporação e teve o armamento recolhido. Já o adesivador Daniel Campelo, 51, perdeu a visão do olho esquerdo. O laudo do Instituto de Medicina Legal (IML) apontou que a lesão foi ocasionada por um "instrumento contundente". O PM que atingiu a vítima não foi identificado, oficialmente.
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A principal pergunta sobre a ação, porém, segue sem resposta oficial: Quem deu a ordem para a PM avançar contra os manifestantes que faziam um ato pacífico? Documento interno da corporação, publicado em primeira mão pela coluna Ronda JC, descreveu que foi o então comandante geral da PM, coronel Vanildo Maranhão, o responsável por mandar os policiais irem até a Praça do Derby, onde ocorria a concentração do ato, para dispensar os manifestantes. Vanildo, inclusive, nunca veio a público esclarecer isso. Ele acabou sendo exonerado do cargo, dias após o protesto. O coronel foi transferido para a reserva remunerada.
O delegado federal Antônio de Pádua também deixou a titularidade da SDS, seis dias após o ato violento da PM. Humberto Freire foi o substituto definido pelo governador Paulo Câmara.
As investigações sobre a ação dos policiais estão sendo conduzidas pela Corregedoria da SDS, onde foram instaurados nove procedimentos, e pela Polícia Civil, que apura, na esfera criminal, as denúncias de agressões contra os trabalhadores atingidos nos olhos e também contra a vereadora do Recife Liana Cirne (PT), atingida por spray de pimenta ao tentar negociar com PMs da Radiopatrulha.
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"A Corregedoria Geral da SDS instaurou nove procedimentos de investigação. Desses, seis foram concluídos com identificação de autoria e transformados em Procedimentos Administrativos Disciplinares, nos quais os servidores acusados terão direito à ampla defesa e ao contraditório. Houve dois arquivamentos, um por não ser possível identificar de autoria e outro por ausência de infração disciplinar. Uma Investigação preliminar está em curso. Os inquéritos instaurados pela Polícia Civil de Pernambuco tiveram o prazo prorrogado e seguem em curso, devendo ser concluídos no final de agosto. O Inquérito Policial Militar instaurado pela PMPE encontra-se em curso. Havia um prazo anterior de conclusão do mesmo até 30 julho, mas, devido à necessidade de coleta de informações e novas perícias, foi solicitada a prorrogação", explica, em nota, a SDS.