URBANISMO

A resistência do comércio e o movimento de retorno da arte e da moradia ao Centro do Recife

Enquanto os planos do Escritório de Gestão do Centro do Recife, da Prefeitura do Recife, e da Frente Parlamentar pelo Centro do Recife, na Câmara Municipal, não passam de promessas e discussões, há movimentos de retorno e resistência na região central da capital pernambucana

Cadastrado por

Katarina Moraes

Publicado em 11/09/2021 às 8:00 | Atualizado em 05/04/2023 às 14:44
MOVIMENTO Edifício Douro, onde hoje funciona o Espaço Criadouro - ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM

Esta reportagem é vinculada a: "Os planos e desafios à frente da Prefeitura, dos vereadores e da sociedade para revitalizar o Centro do Recife". Clique para ler antes.

Em meio à paisagem de concreto formada por paredes cinzas de edifícios modernos subutilizados no bairro de Santo Antônio, a arte mostrou a capacidade de devolver vida ao que parecia estar condenado ao abandono. Na Rua Cleto Campelo, paralela com a Avenida Guararapes, Centro do Recife, um prédio azul de dois andares agora escreve uma nova história permeada por cor e criatividade.

Após ter passado quatro anos fechado, o Edifício Douro reabriu e desde 2019 se tornou o “Espaço Criadouro”, formado por grafiteiros, tatuadores, marceneiros e outros profissionais que oferecem diferentes serviços.

O prédio foi inaugurado em 1946 para ser sede de uma empresa de São Paulo. Em 2015, foi desocupado, e, desde então, passou a ser uma dor de cabeça para o proprietário. “Colocava à venda, mas não aparecia nada, apesar dele estar em volta de vários prédios históricos e importantes e em uma localização central. Estava acabado, cheio de barata, sujo, não tinha água, nem energia”, conta Breno Coelho.

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Mas o Douro ganharia um novo fôlego após o artista Rafa Mattos propor uma revitalização a Breno, que abraçou a ideia.

“Ele disse que faria um projeto para o prédio, e que conhecia artistas que só precisavam do espaço. Eu disse que não teria como investir, só dar alguns benefícios, e começou a chegar uma galera. Todo dia eu vinha aqui mostrar o prédio para alguém. Fui cedendo o espaço e hoje estamos aqui. Ainda precisa de melhorias, mas já está muito melhor”, diz, orgulhoso.

E, de fato: agora, os corredores curvos estão coloridos com quadros e desenhos e há uma atmosfera de trabalho colaborativo entre os locatários.

O primeiro a ocupar uma das salas foi Cajú Artsfitti. “Eu trabalhava em casa e estava procurando um espaço. Apareceu essa sala com esse terraço e casou certinho, porque aqui dá para desenvolver mais [meu trabalho]”, conta. Entretanto, a falta de segurança no Centro ainda é um dificultador para o negócio.

“Por ter o ateliê aqui, me mudei para a área e acompanhei bem essa mudança na pandemia, quando a violência aumentou muito. Moro na Rua do Hospício, e muitas vezes fico na dúvida se saio mais cedo, e não saio mais tarde como saía antes”, relata.

José Salimanio, dono do Chá Mate Brasilia na galeria localizada na Rua Cleto Campêlo, Santo Antônio, Recife.O bairro do Recife ira passar por uma revitalização é projeto da Prefeitura do Recife. - ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM
Espaço Criadouro no edificio D'ouro no bairro da Santo Antônio em Recife. Coletivo de empreendimentos criativos da arte e cultura. O bairro do Recife ira passar por uma revitalização é projeto da Prefeitura do Recife. - ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM
Espaço Criadouro no edificio D'ouro no bairro da Santo Antônio em Recife. Coletivo de empreendimentos criativos da arte e cultura. O bairro do Recife ira passar por uma revitalização é projeto da Prefeitura do Recife. - ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM
Espaço Criadouro no edificio D'ouro no bairro da Santo Antônio em Recife. Coletivo de empreendimentos criativos da arte e cultura. O bairro do Recife ira passar por uma revitalização é projeto da Prefeitura do Recife. - ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM
Grafiteiro Cajú. Espaço Criadouro no edificio D'ouro no bairro da Santo Antônio em Recife. Coletivo de empreendimentos criativos da arte e cultura. O bairro do Recife ira passar por uma revitalização é projeto da Prefeitura do Recife. - ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM
Andre,Johnny e James. Espaço Criadouro no edificio D'ouro no bairro da Santo Antônio em Recife. Coletivo de empreendimentos criativos da arte e cultura. O bairro do Recife ira passar por uma revitalização é projeto da Prefeitura do Recife. - ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM
Espaço Criadouro no edificio D'ouro no bairro da Santo Antônio em Recife. Coletivo de empreendimentos criativos da arte e cultura. O bairro do Recife ira passar por uma revitalização é projeto da Prefeitura do Recife. - ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM
Josias Vieira da Ressignificar. Espaço Criadouro no edificio D'ouro no bairro da Santo Antônio em Recife. Coletivo de empreendimentos criativos da arte e cultura. - ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM
Breno Coelho. Espaço Criadouro no edificio D'ouro no bairro da Santo Antônio em Recife. Coletivo de empreendimentos criativos da arte e cultura. - ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM
Eduarda Mota moradora do Edifício Sertã na Avenida Guararapes,bairro de Santo Antônio no centro do Recife. - ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM

Já Johny Cavalcanti, André Redevivo e James, que compõem o movimento e a loja Cor da Lama, uniram “o útil ao agradável” ao se mudarem para o Douro, já que vendem sprays para grafitagem.

“Antes funcionávamos no bairro da Boa Vista, no Edifício Tereza Cristina, onde estávamos muito bem estruturados; mas quando falaram que ia rolar uma parada que só tinha arte, que movimentaria uma galera da arte urbana, era interessante para a gente estar lá enquanto loja”, conta André.

Os artistas Josias Vieira e Géssica Dias, do Ressignificar, precisavam tirar o trabalho da sala de casa, e hoje também estão no Douro.

"O Espaço Criadouro hoje é um oásis no processo de desertificação artística que experimentamos no Recife. Venho da cena artística desde pivete, e em qualquer lugar que você batesse uma lata, o pessoal chegava. Havia uma postura de incentivar a arte, e hoje não vemos isso mais, mesmo antes da pandemia. O Centro do Recife, por natureza, pulsa arte, e precisamos ter isso de volta", revela Josias.

Ainda que tenha sido identificado esse movimento de retorno, a área mais importante da cidade continua a agonizar. Em maio deste ano, o JC publicou a matéria “Esvaziamento do Centro do Recife deixa área histórica à beira do abandono”, fazendo o resgate histórico da desapropriação de seus prédios e trazendo luz aos inumeráveis problemas que a região acumula.

Belíssimos edifícios modernos caem aos pedaços. Praças estão vandalizadas. O Camelódromo da Dantas Barreto continua subutilizado. Lixo se acumula. Calçadas escancaram a desigualdade econômica da capital, virando “abrigo” para pessoas em situação de rua.

Ainda que o comércio - sobretudo o informal - continue sendo seu ponto mais forte, ele já vinha cambaleando na área. E, com a pandemia da covid-19, sofreu mais um golpe.

Mesmo sem pesquisas disponíveis, a CDL Recife analisa que há vários motivos para o fechar das portas de várias lojas ultimamente - só na Rua Nova, que já foi o endereço de poderosas marcas, foram cerca de 10. Mas, para o diretor executivo da organização, Fred Leal, é indiscutível que a situação estrutural do Centro é um dos complicadores.

“A gente está esperando que haja uma com propostas de moradia, de mobilidade, de incentivos e de restauração de lojas, para que empresas se instalem no Centro. Tenho certeza que ele não voltará a ser o que era antigamente quando não tinha shopping, só comércio de bairro; aquilo acabou. A gente tem certeza que o centro volta a não aquele centro que era antigamente quando não tinha shopping, só comércio de bairro, aquilo acabou. Precisamos criar uma nova perspectiva - que fundamentalmente vem da moradia”, diz.

Isso porque, quando se fala de cidade, uma coisa leva a outra: a equipe do Espaço Criadouro, por exemplo, virou freguesa do Chá Mate Brasília, na rua transversal - que sofre com a piora no movimento da área em comparação ao que havia quando foi inaugurado, em 1984.

“Era espetacular, você não encontrava uma loja fechada, e o fluxo de gente era bem maior. Começou a decair de uns 16 anos para cá. Em 2020, começamos a ter um crescimento lento, mas progressivo. Quando veio a pandemia, muitas lojas fecharam e não reabriram - infelizmente porque para a gente quanto mais lojas abertas, melhor”, disse o proprietário, José Suevânio.

Hoje, a moradia na região central do Recife é um problema a ser resolvido. Isso porque, na Ilha de Antônio Vaz, que compreende os bairros de Santo Antônio, São José, Cabanga e Ilha Joana Bezerra, há pouco mais de 23 mil habitantes, de acordo com último Censo.

O ponto é tema no Escritório de Gestão do Centro do Recife, promessa de campanha de João Campos (PSB), e da Frente Parlamentar pelo Centro do Recife na Câmara Municipal, que pretendem discutir como atrair novos moradores, investimentos e vocação para a região.

Mesmo antes dos projetos saírem do papel e que a revitalização tenha data de início, já há quem continue a enxergar potencial e decida apostar na região. O Sindicato da Habitação em Pernambuco (Secovi-PE) revela ter tido sucesso de vendas em empreendimentos residenciais no Centro nos últimos tempos.

“Temos observado ações no sentido de revitalização, o que favorece o desenvolvimento do bairro histórico do Recife, cuja manutenção e conservação é imprescindível”, pontua o vice-presidente Luciano Novaes.

É o caso da pernambucana Eduarda Mota. Durante quatro anos, ela viveu na área central de São Paulo, o que transformou o seu olhar em relação ao Centro da capital pernambucana. “Quando voltei, quis ir para um lugar que me oferecesse um conforto de deslocamento parecido, porque não dirijo e também trabalho aqui perto”, disse.

A capital paulistana foi justamente uma das cidades que Francisco Cunha pontuou como exemplo positivo de reestruturação da moradia - um processo difícil, mas possível. Além dela, Madrid (Espanha), Lisboa (Portugal), Curitiba (PR) e Rio de Janeiro (RJ) também passaram por processos similares e conseguiram revertê-los, segundo o arquiteto.

A atmosfera cultural que espaços como o Douro trazem também é um dos motivos que fez com que a pernambucana Eduarda Mota escolhesse o Centro do Recife como lar. “Tem muito a ver com a identidade de ser Recife, toda essa edificação do bairro Santo Antônio. Isso remete muito a nossa afetividade com a cidade”, pontua a consultora e professora. Eduarda, agora, mora no ilustre Edifício Sertã, na Avenida Guararapes, que retomou o caráter residencial há cerca de 2 anos.

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