Mascarenhas de Morais: um raio-x da avenida do Recife conhecida pelos engarrafamentos e alagamentos constantes
Via arterial que liga a Zona Oeste da capital pernambucana à cidade de Jaboatão dos Guararapes acumula problemas. Entre eles, de drenagem, engarramentos e abandonos de equipamentos urbanos e prédios
Construída em estrada precedente que data do século XIX, a Avenida Marechal Mascarenhas de Morais é conhecida por cortar o bairro da Imbiribeira, na Zona Sul, mas também pelas suas tantas mazelas. Nos horários de pico durante os dias úteis, veículos se condensam em congestionamentos. Nos períodos de chuva, os recifenses já sabem: deve ser evitada devido ao acúmulo de água que deixa tantos carros “à deriva”. Além disso, ainda há o abandono de vários equipamentos e prédios localizados na via arterial de extensão de cerca de 6,5 quilômetros que liga Afogados, na Zona Oeste do Recife, até o município vizinho de Jaboatão dos Guararapes, ainda na Região Metropolitana.
Além de importantes equipamentos em funcionamento como o Ginásio Municipal de Esportes Geraldo Magalhães (Geraldão), a unidade de pronto atendimento da Imbiribeira (UPA Imbiribeira) e o Aeroporto Internacional do Recife, prédios desocupados e pichações fazem parte da paisagem da via. A antiga sede do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), lugar que já investigou crimes emblemáticos como o assassinato da turista alemã Jennifer Kloker e do estudante Alcides, é um deles. Hoje, nem janelas têm, só entulhos. O antigo terminal do Aeroporto e a Praça Ministro Salgado Filho continuam subutilizados.
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Andar pelas calçadas também é um desafio. Prejudicando a mobilidade de pedestres, alguns pontos estão esburacados. Em outros, o concreto já se desgastou - o que dificulta a acessibilidade para pessoas com deficiências motoras, por exemplo. Uma questão polêmica na cidade, já que a legislação municipal define que manutenção delas é de responsabilidade do imóvel, exceto em áreas públicas como frentes d'água, canteiros centrais, praças e parques, que são responsabilidade da gestão.
O comerciante Alexandre Barbosa dos Santos, de 48 anos, vende guloseimas em uma das paradas de ônibus há mais de um ano, das 6h30 às 18h. Ele conta que, para ele, o maior problema da Avenida é durante o tempo fechado, que basta para enchê-la de água. “Quando o tempo fica escuro, já enche, não precisa nem chover. Quando chegam as chuvas, ficamos empurrando os carros que ficam atolados, porque enche tudo de água. Fica uma fileira deles”, contou ele, que também citou a insegurança no local. “No sábado e domingo é esquisito, evitamos pegar ônibus aqui.”
Uma das prejudicadas por ambos os problemas citados por Alexandre foi a comerciante Simone Silva, de 40 anos, que há 3 anos trabalha em um fiteiro próximo à Universidade Salgado de Oliveira (Universo). “Aqui há muitos arrombamentos e furtos. No mês retrasado, fomos arrombados, e a empresa de trás também. Não conseguiram levar nada, mas quebraram o cadeado, o que já foi um prejuízo. [...] Quando chove, alaga tudo. Da entrada do Ipsep até aqui não temos conforto nenhum. Quando fica alagado, ou a gente fecha [o comércio], ou espera a maré baixar ou dá um jeito de vir pelas ruas de dentro, que não enchem, ou nos arriscamos e pisamos na água”, disse.
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Por que a Mascarenhas alaga tanto?
Dois pontos são apontados pelo doutor em engenharia civil e pesquisador do Grupo de Recursos Hídricos (GRH) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Jaime Cabral como os grandes causadores dos alagamentos na Mascarenhas de Morais. Primeiro, pela pista ter sido feita em área de manguezal - como boa parte do Recife, o que já faz com que necessite de drenagem eficiente e limpeza regular das galerias -, e, com o tempo, ter cedido. Depois, a impermeabilização do solo, feita pelos tantos grandes empreendimentos que a ocupam.
“Se você pegar um mapa de uns cem anos atrás, vai ver que aquela era uma área de manguezal. Para asfaltar, geralmente, é feita a técnica de remover a lama antiga e colocar um novo solo, mas às vezes isso não é feito de uma forma completa, e fica uma lama residual que vai cedendo. Então, ao longo das décadas, a pista ficou muito baixa. Assim, em dia de chuva e maré alta, o escoamento fica difícil. Outra causa é a impermeabilização do entorno: tem muitos galpões nos dois lados, com grande cimentado para estacionamento. Então toda chuva que cai, corre para a avenida”, explicou.
Como forma de mitigar o problema, a Prefeitura do Recife informou que a avenida vem sendo beneficiada pela Ação Verão 2021,” um pacote de serviços e melhorias, com investimentos de mais de R$ 100 milhões, para reforçar o trabalho de manutenção e recuperação da infraestrutura da cidade após o período de maiores chuvas”. Disse, ainda, que já foram substituídas “mais de 40 placas de concreto, melhorando as condições de tráfego para os motoristas” na Mascarenhas, e que, no total, serão trocadas 110 placas.
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Para Jaime, a solução precisa ir além. Fora a limpeza habitual das galerias, ele defende que sejam feitos reservatórios de captação de água em cada lote comercial. “Atualmente já existe uma lei municipal pedindo que, ao construir um grande empreendimento, seja feito um tanque no subsolo para guardar a chuva e evitar que ela prejudique a rua, como forma de compensar a dificuldade trazida por áreas cimentadas. As construções antigas não são obrigadas a seguir essa lei. Então, uma sugestão seria conscientizar todas as casas comerciais a segui-la”, disse.
Congestionamento: um dos calos da via
O congestionamento frequente é uma das reclamações mais frequentes para quem precisa passar pela avenida. Nela, passavam em torno de 48 mil veículos motorizados por dia antes da pandemia, segundo dados da Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU), e 42 linhas de ônibus que fazem, no total, 1.924 viagens de acordo com o Grande Recife Consórcio de Transporte, empresa que gere o transporte por ônibus na Região Metropolitana de Recife. Além disso, próximo à via, corre a Linha Sul do Metrô do Recife, com cinco estações.
A doutora em Transportes e professora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) Jessica Lima, pontua a via ser “arterial” como uma das razões. “Ela conecta o Centro à Zona Sul e é a chegada da BR-101 no Recife. Então nela chega todo o tráfego das praias do Litoral Norte e de Maceió, por exemplo, o que certamente influencia”, afirmou.
A Mascarenhas não conta com ciclovias ou ciclofaixas, mas tem uma faixa exclusiva para transporte público. Segundo o motorista de ônibus Wellington Oliveira, 39, no entanto, nem sempre são respeitadas. “O pessoal fica invadindo as faixas-azul de todo jeito, mesmo com câmera”, disse, ainda que o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) sinalize a infração como gravíssima e determine multa no valor de R$ 293,47 e sete pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH) para quem cometê-la.
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O doutor em Transportes e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Oswaldo Lima Neto aponta que os problemas que formam o engarrafamento na via são, basicamente, os mesmos para toda a capital pernambucana. Para ele, deveriam ser implementadas melhores sinalizações de trânsito na área da Estação de Metrô de Afogados, semáforos que ajustem os tempos ao fluxo de veículos em cada período do dia, redução de velocidade máxima permitida e, principalmente, instituição das chamadas “ruas completas” - que dê direito a todos os usuários, como pedestres, ciclistas e motoristas, - na Mascarenhas e em toda a cidade.
“Privilegiar o transporte público é uma direção tomada por todos os países mais desenvolvidos - inclusive também os não desenvolvidos da América Latina, como México e Chile. No Brasil, a política implementada em 2002, mas que até hoje não é plenamente cumprida, é a de estabelecer o pedestre como topo da prioridade nas ruas, depois a bicicleta, depois o transporte público, o de carga e, por último, o automóvel. Mas isso ainda não é feito no Recife”, disse.