Por 12 anos, entre 1978 e 1989, padre Reginaldo Veloso conduziu a paróquia de Nossa Senhora da Conceição do Morro, quando desenvolveu um trabalho comunitário, voltado para construção de uma Igreja democrática, participativa e de empoderamento do povo em busca dos seus direitos.
Nesta quarta-feira (08), quando se comemora o dia dedicado à Virgem da Conceição, o radialista Geraldo Freire conversou, por telefone, com padre Reginaldo durante o Programa Passando a Limpo, na Rádio Jornal. Participaram os jornalistas Wagner Gomes e Romoaldo de Souza.
Aos 84 anos, o sacerdote, que no final de 89 foi expulso da Igreja Católica pelo então arcebispo dom José Cardoso Sobrinho, disse que hoje a Festa do Morro, para ele, "é apenas uma grande saudade".
Confira a entrevista:
O senhor continua celebrando missas?
Graças a Deus eu continuo exercendo o ministério que há 60 anos me foi confiado pela Igreja quando me ordenou presbítero. Continuo exercendo, acompanhando pequenas comunidades, prestando assessoria a movimentos, a dioceses, a congregações religiosas. Viajo pelo Brasil todo e estou sempre à disposição da Igreja. Inclusive tenho uma função na assessoria da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, no campo de música litúrgica. Faço parte da equipe de reflexão sobre música litúrgica da CNBB. É uma assessoria entre tantas que a CNBB tem.
Qual a sua idade? Tem boa saúde?
84 anos. Gostaria de ter uma saúde mais em conta para me locomover melhor, para poder atender com mais presteza aos pedidos que me são feitos e aos compromissos que tenho permanentemente. Acompanho três pequenas comunidades na área do Morro da Conceição e adjacências.
De alguma forma o senhor participa ainda da Festa do Morro?
Não. A Festa do Morro é apenas para mim uma grande saudade.
O senhor com 84 anos, quando foi ordenado, na época, a Igreja Católica tinha muito mais força e era muito mais presente na vida dos brasileiros. Para que a gente tenha uma ideia, no começo do primeiro governo Vargas, 95% da população era de católicos. Hoje a gente vê o crescimento de outras denominações. Como avalia esse crescimento de outras religiões e a consequente diminuição do contingente de católicos no Brasil?
Para mim não representa uma preocupação maior, há não ser no sentido que várias denominações que estão crescendo hoje vão para um tipo de Cristianismo muito alienado. Porque entre o mundo chamado evangélico há igrejas e igrejas. Há igrejas que eu considero experiências muito válidas, que afinam muito com o jeito de ser que eu considero de mais positivo na Igreja Católica.
Pessoal que enxerga no Evangelho uma oportunidade de melhorar esse mundo. Que enxerga no Evangelho uma oportunidade de fazer o reino de Deus chegar nessa terra e o céu começar aqui e agora. Porque essa me parece ter sido a intenção mais importante de Jesus Cristo quando esteve presente no meio de nós.
Agora quanto à diminuição do número de católicos, essa diminuição era de se esperar. Porque nós vivíamos um catolicismo mais cultural, não de opção, não de compromisso. E hoje em dia ser cristão católico exige cada vez mais uma responsabilidade que se precisa assumir. Uma coisa mais consciente, mais autêntica. Então para mim tem aspectos também positivos.
A sua devoção por Nossa Senhora da Conceição é maior do que por outras Nossas Senhoras, por outros santos ou a gente o liga à Virgem da Conceição pela convivência no Morro da Conceição?
A minha devoção é para a mãe de Jesus, tenha ela o título que for. É uma dimensão importante da minha fé cristã. Porque Maria, sobretudo na teologia do terceiro evangelista, São Lucas, ela é um ícone para Igreja. Para eu entender o que Deus quer de mim como Igreja, como cristão, espelhar-me em Maria é muito importante porque é uma pessoa que viveu a sua fé com os pés no chão, em total disponibilidade aos apelos de Deus. Tanto assim que foi escolhida para ser a mãe de Jesus.
E é a pessoa que caminhou com Jesus mais de perto, do início ao final, foi uma das poucas que se encontravam ao pé da cruz e que estava com os discípulos 40 dias após a ressurreição de Jesus. Quando veio o divino Espírito, quando aconteceu o Pentecostes, o início propriamente da Igreja. Então é uma figura de uma dimensão maior e eu sempre tive essa devoção muito grande, independente de ter passado pelo Morro.
Claro, no Morro a gente fez uma experiência muito bonita, vibrante, de viver essa devoção com muita gente compartilhando das atividades pastorais em função da festa do Morro da Conceição.
No início da década de 80, o Brasil viveu essa chamada corrente da Teologia da Libertação, que alguns estudiosos chamavam de ideologização da fé. O senhor acredita que apesar de todo o cerco que o Vaticano fez, incluindo o Papa João Paulo II, a esse grupo, ainda há espaço para essa politização de movimentos?
Eu não sei se a gente deveria falar de politização de movimentos ou da Igreja. Eu diria que a fé cristã tem uma dimensão política, no sentido de que quem é cristão é uma pessoa que está no mundo com o compromisso com Jesus Cristo.
Que nos ensinou a pedir a papai do céu todo dia que o reino dele venha, que seja feita a vontade dele na Terra como no céu, que haja pão pra todo mundo, que haja perdão e compreensão entre as pessoas se não não se vai a lugar nenhum e que a gente supere a tentação maior do egoísmo, cuidar de si pois é cada um por si e o diabo por todos e não Deus.
Esse é Cristianismo que a gente herdou e com a vinda do Concílio Vaticano 2º, a gente conseguiu resgatar a originalidade da mensagem cristã e vivê-la com mais coerência. É isso que se chama de Teologia da Libertação. Para mim não é uma ideologização da fé, mas é uma fé vivida na sua dimensão original e autêntica.