"Os ratos correram para fora do barraco de Simone Maria do Nascimento quando a palafita mergulhou nas águas da bacia do Pina, Zona Sul do Recife. Escrita há 30 anos, a Constituição de 1988 garante a todos os brasileiros o direito à moradia. Aos 40 anos, Simone sempre morou nas palafitas fincadas por pedaços de madeira dentro do rio. No Beco do Sururu, encravado entre as pontes Paulo Guerra e Agamenon Magalhães, ela cria quatro filhos; inclusive a pequena Lawane, de 1 ano e 3 meses. A comunidade fica ao lado do Bairro do Pina, o metro quadrado imobiliário mais caro do Recife".
Assim começava a matéria do repórter Paulo Veras, publicada no JC Online em 9 de setembro de 2018. O texto fazia parte de uma série de reportagens sobre os 30 anos da promulgação da Constituição Federal. E sobre como direitos fundamentais dos brasileiros continuavam a serem desrespeitados. E ainda continuam.
ETERNO RETORNO
A família que ilustrava a matéria tinha acabado de perder a casa, e tudo o que havia dentro dela, depois que o barraco desabou com a maré cheia por quebra das madeiras que a sustentavam. Com naturalidade, dona Simone revelou um ciclo de pobreza e descaso das autoridades que se mantém até hoje. "Minha mãe me teve aqui. E eu tive meus filhos. Não tinha onde morar, tive que morar aqui mesmo”, ela conta. “Vai ser difícil, mas nós vamos reconstruir”, revelou ela, numa situação que hoje foi multiplicada por 30. As 30 famílias que perderam suas casas no incêndio ocorrido nesta sexta-feira (6).
DIREITO
A reportagem do JC demonstrava que a moradia tinha se tornado um direito constitucional há 18 anos. Ainda assim, uma estimativa da Fundação João Pinheiro indicava que o déficit habitacional no Brasil era o o equivalente a 6,3 milhões de domicílios em 2015. No estudo mais recente, abrangendo o período 2016/2019, esse número foi um pouco reduzido, para 5,657 milhões de domicílios. No Recife, o estudo apontou a falta de 111 mil residências.
As palafitas são uma realidade histórica da paisagem do Recife, escreveu na época o repórter Paulo Veras, baseado no depoimento da coordenadora do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) em Pernambuco, Jô Cavalcante. “O desrespeito do direito à moradia prejudica principalmente os mais pobres. A Constituição está lá, mas não se cumpre. Há um descaso muito grande do poder público" argumentou Jô Cavalcante.