Quando se pensa em enchentes e outros desastres naturais, as primeiras imagens que surgem são de cenários de pobreza, irregularidades e falta de ordenamento urbano - por atingirem, principalmente, locais de vulnerabilidade social. As fortes chuvas que caíram no fim de semana em Pernambuco mostraram que os novos eventos climáticos podem contrariar essa lógica, atingindo também áreas urbanizadas. Um desses exemplos é o bairro de Tejipió, Zona Oeste do Recife, em que grande parte foi inundada em decorrência da enchente do Rio Tejipió, um dos principais afluentes da região.
O cenário das ruas do bairro é diferente do que era encontrado antes das enxurradas. Na manhã desta segunda-feira (30), moradores ainda aguardavam a retirada dos entulhos que se acumularam nas vias próximas ao rio e à estação de metrô. Cama, restos de madeiras, colchões, eletrodomésticos e outros itens fizeram parte da paisagem urbana. Moradores, que nunca tinham passado por situações parecidas, perderam tudo. Mobilizaram-se entre eles para salvar a vida dos mais frágeis, como crianças, idosos e pessoas com deficiência, e na limpeza das casas depois que a água baixou.
"Eu moro aqui há 40 anos aqui e nunca vi uma situação dessas. Foi um desespero total, eu tive que abandonar minha casa. Minha mãe, que é idosa e cadeirante, eu tive que abrir na casa da vizinha que tem primeiro andar. Eu fui me abrigar com meu filho na casa de outra vizinha, que fica lá na ladeira. E conseguimos passar o sábado. Todo mundo aqui na rua perdeu tudo. Aqui na minha casa, vou ver se dá para aproveitar alguma cama. Aproveitei daqui de casa, só consegui aproveitar, geladeira, televisão e fogão. Só tenho agradecer a deus por estar com saúde. Pior as pessoas que perderam seus parentes em deslizamento de barreiras e desabamento de casas", explica Janaina Manaíra, de 45 anos, que ainda estava limpando a casa durante a manhã desta segunda.
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O taxista Manoel Pereira da Silva, 68, mora no bairro há 15 anos. Também nunca tinha presenciado esse cenário. Só conseguiu recuperar o carro. "Quando eu coloquei o carro lá em cima e voltei, já estava aqui em 5cm, eu e minha esposa colocamos algumas coisas em cima da mesa e das cadeiras. Quando passou uns 25cm dentro de casa. Falei para ela: 'melhor perder as coisas do que perder a vida'. Quando foi de meio-dia, voltei, e não tinha mais nada. Já tinha 80cm dentro de casa, perdemos tudo", explicou Manoel, que contava com a ajuda do cunhado na limpeza da casa.
Da casa dele para frente, havia muitos entulhos. Restos de móveis, colchões e eletrodomésticos foram jogados provisoriamente nas esquinas e próximos ao Rio Tejipió porque, até aquele momento, não havia chegado ninguém do poder público para auxiliar os moradores da região. No leito do rio, que divide uma rua e a linha de trens urbanos, o lixo carregado das enchentes e os pertences dos moradores do local se misturavam.
Em outra rua, já no bairro do Sancho, o cenário era ainda pior. Além dos bens dos próprios residentes, havia muitos carros sem funcionar. Eles foram atingidos pelas chuvas e os donos aguardavam o reboque dos seguros.
Dona Luciene Vieira, de 45 anos, foi uma das vítimas na rua. O terraço de sua casa virou um grande aglomerado de móveis, eletrodomésticos e roupas perdidas. Em 24 anos de moradia, ela nunca havia presenciado um desastre como dos últimos dias, salvando apenas sua vida e dos gatos. "O ruim é que o poder público deixou a gente na mão. Tem que recolher esse lixo, mas não tem ninguém para ajudar. Estou dependendo das minhas filhas, meus sobrinhos e minha cunhada para ajudar. Algum parente que aparece e vem aqui e ajuda. Eu perdi cama, perdi um bocado de coisa. A gente está tentando recuperar alguma coisa, mas tem muita lama dentro de casa".
"Só deus sabe. Não sei o que fazer para recuperar. Só espero que a prefeitura passe aqui para ajudar a recolher esse lixo", disse a moradora.
TEJIPIÓ ATINGIDO
O bairro de Tejipió e as redondezas foram prejudicados com as fortes chuvas do fim de semana. Os profissionais de saúde relatam alagamento nas dependências do Hospital Otávio de Freitas, que fica no bairro, na manhã do último sábado (28). A água tomou os corredores, bloco cirúrgico e a área externa da unidade de saúde. O estacionamento também ficou alagado, e alguns profissionais de saúde precisaram dobrar o plantão, já que os colegas não conseguiram chegar à unidade para assumir a função, como relatado na coluna Saúde e Bem-estar, deste JC, no sábado.