A vida do aposentado Osias Batista de Albuquerque é feita de recomeços. Numa batalha injusta, é a quinta vez em 16 anos que as águas ganham do morador de Tejipió, na Zona Oeste do Recife, que novamente vê o que construiu ser tomado pela lama. A chuva o amedronta e o manterá expulso de seu lar - até o fim do inverno em Pernambuco.
"O prejuízo é total. Duas geladeiras perdidas, televisão cheia de água, um fogão que não presta mais. Cama, sofá, tudo está ali para jogar fora. Não vou limpar agora, só lá para agosto ou setembro, quando a chuva parar, porque agora sei que vem mais e para valer, em junho e julho", contou.
Ele, a esposa, os dois filhos e os dois cachorros estão abrigados na casa de vizinhos. Em Tejipió, só pisa para colocar comida para as galinhas que cria, que agora vivem sobre os escombros de móveis, objetos e eletrodomésticos que uma vez contaram a história da família, mas que já não servem mais.
"Minha mulher e meus dois filhos estão na casa da tia, no Alto da Bela Vista, no Totó, e eu estou na casa da minha irmã, no Sancho. Não venho dormir aqui, porque vejo logo tudo caindo em cima de mim", relatou.
O Governo de Pernambuco enviou projeto de lei em regime de urgência à Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco (Alepe) para destinar R$ 1,5 mil aos 119.523 desalojados e 9.134 desabrigados do Estado. Já os moradores do Recife ganharão mais R$ 1 mil.
Mas seu Osias é um entre incontáveis. Apesar de desalojado, não entrou na listagem oficial do Estado até agora, já que, pela prestatividade de parentes, não precisou ir até um abrigo municipal. Ainda assim, necessita do auxílio do poder público tanto quanto qualquer outro atingido pelas chuvas de maio.
Assim como a autônoma Jaqueline Maria Barbosa, 42, também residente em Tejipió, bairro que foi tomado pela cheia do rio de mesmo nome. "Não tivemos apoio de ninguém, não fomos cadastrados para ganhar auxilio, ninguém passou para nos cadastrar. Estamos sem nenhum tipo de assistência", contou.
A casa com quatro filhos era sustentada pela venda de colchões e travesseiros feita porta a porta por ela e o marido - até todo o estoque ter sido danificado. "Tinham uns 20 travesseiros e 7 colchões em estoque, que entregávamos com nosso carro, que também sofreu perda total e está parado até agora. A gente está se virando com a ajuda de familiares, porque não temos como trabalhar."
Sem nem mesmo um colchão, os seis familiares dormem no chão há 11 dias sobre lençóis. “Estou dormindo lá porque não temos opção de ir para outro canto no momento. É a primeira vez que isso está acontecendo com a gente", contou.
"Tivemos que ficar abrigados na casa de uma vizinha do sábado, 28 de maio, até a sexta, 3 de junho. Foi muito cansativo limpar, era muita lama. Tudo se perdeu. Só fizemos tirar tudo, não tinha como aproveitar nada. Nunca havia acontecido isso. Já tinha enchido a rua, mas nunca tinha água na minha casa", disse Jaqueline.
Moradora das margens do Rio Tejipió, Maria Cristina da Silva Cavalcante não descansa desde a enchente. “A gente ficou vigiando o rio desde a sexta, e começamos a subir tudo. A gente só não se afogou porque fomos para o primeiro andar da casa, onde meus filhos moram.
Agora, boa parte da vizinhança, como Cristina, sobrevive de doações de alimentos, materiais de limpeza e de lençóis, ainda sem qualquer assistência do poder público. "Todo mundo da rua perdeu tudo. tem vizinho que ficou só com a roupa”, afirmou ela.
Há 22 anos mora próximo ao Rio Tejipió, e conta que todos os anos a água chega a entrar em casa e cobrir os pés - mas nunca chegou a 1,5 metro, como neste ano. No último ano, ela já havia enfrentado duas cheias, ambas em junho.
Este mês é, historicamente, o de maiores precipitações na Região Metropolitana do Recife, segundo a Agência Pernambucana de Águas e Climas (Apac), com média de 337,6 mm. A preocupação aumenta este ano, visto que o órgão previu chuvas acima da média desde abril para o inverno no Estado.
Justamente pelo medo de novos alagamentos, Cristina já deixou suspensos os poucos móveis que não perdeu, com receio que uma próxima precipitação possa atingi-la novamente.
"Estou com medo. Estou de pé pela força de remédio e de calmante, porque quando escuto começar a chover e vejo o rio enchendo, me dá logo um nervoso, a gente começa a trepar as coisas. A gente nem dorme", disse ela.
Estado promete auxílio às vítimas
Na manhã desta segunda-feira (6), o prefeito João Campos (PSB) afirmou que todas as famílias que passaram por abrigos já estão cadastradas para receber o auxílio, e que a Prefeitura vem fazendo uma busca ativa das pessoas prejudicadas em áreas alagadas e de vulnerabilidade social. “Sabemos que isso não resolve tudo, mas essa é uma forma emergencial de dar um suporte tendo em vista o impacto de uma magnitude muito grande causado na cidade”, disse o gestor.
No Recife, cerca de 2 mil famílias vão receber a ajuda, ainda em prazo indeterminado. “Assim que o cadastro é feito a pessoa recebe no WhatsApp o comprovante de que está sendo analisado. Caso aprovado, a família recebe um indicativo de uma ordem de pagamento. Não precisa ter conta bancária, nem documento; ela vai receber a informação para ir em tal agência bancária, vai lá e saca o recurso.
Por nota, a Prefeitura do Recife garantiu que os 19 equipamentos em funcionamento provisoriamente como abrigos e pontos de apoio, sendo 10 unidades de ensino municipais, só serão desativados quando todas as 1.227 pessoas abrigadas conseguirem retornar para seus lares.
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