Um passado glorioso, um presente em ruínas e um futuro que tende à desmemória: essa é a direção da história da Rua do Imperador Pedro II, caso não haja uma interferência urgente. Isso porque a rua de cerca de 500 metros, surgida no começo do século 17, sendo a primeira do bairro de Santo Antônio, no Centro do Recife, esconde tesouros que, pouco a pouco, estão sendo engolidos pelo abandono.
“Cuidado com a cabeça. Vive caindo pedra desse prédio”, alertou um senhor que jogava dominó com um grupo de amigos da rua que hoje é evitada por tantos, mas que antigamente era ponto de encontro de amigos em suas largas calçadas. Ele falava de um sobrado que, por trás da degradação, guarda a beleza do estilo holandês.
É um dos três imóveis da rua que foram notificados por mau estado de conservação desde 2019, segundo identificou o JC. Hoje, enquanto estão em meio a processos judiciais, são protegidos por redes para evitar acidentes - mas estes e outros dão o tom da falta de preservação do conjunto arquitetônico que a compõe.
A Praça Dezessete, apesar de estar situada em frente à Igreja do Divino Espírito Santo, não é mais habitada por famílias em seus momentos de lazer, como um dia foi. De dia, silencia. À noite, é abrigo para pessoas em vulnerabilidade social. Seus monumentos são alvos constantes de vandalismo; o que homenageia os aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral, por exemplo, teve a placa de cobre furtada.
Um cenário totalmente distinto do qual o imperador Dom Pedro II encontrou durante a visita da família real ao Recife em 1859. Na rua que futuramente o homenagearia, ele exclamou: “Pernambuco é um céu aberto”, em êxtase pela beleza e receptividade que avistava.
Segundo escritos do historiador Leonardo Dantas Silva, o surgimento da Rua do Imperador entre 1606 e 1613 foi marcado pela construção do Conjunto Franciscano do Recife, agora composto pela Capela Dourada e pela Igreja da Ordem Terceira de São Francisco, protegidos pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
No telhado da casa de Nassau, surgiu o Primeiro Observatório da América do Sul, pelo astrônomo Jorge Marcgrave, destacado cientista que veio ao Brasil, durante o governo holandês, e desenvolveu inúmeros estudos contemporâneos de Kepler, Galileu e Newton.
O potencial da Rua do Imperador é indiscutível, com capacidade de se tornar parte, efetivamente, de uma rota turística no Recife - e de encontro da própria população. Por estar situada no bairro de Santo Antônio, está inserida no Programa Recentro, lançado há quase um ano pela gestão municipal.
Ele incentiva a reocupação de prédios em estado de degradação por meio de incentivos fiscais, como desconto no Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), Imposto Sobre Serviços (ISS) e no Imposto de Transmissão de Bens Imóveis Intervivos (ITBI). Entretanto, não foi suficiente, até então, para trazer uma mudança efetiva para ela e outras vias da região.
"A Prefeitura do Recife informa que possui olhar especial para a região central da capital, motivo pelo qual foi criado o Gabinete do Centro do Recife, que engloba as áreas dos bairros do Recife, Santo Antônio e São José. A Rua do Imperador faz parte da rota histórico-cultural do Recife e a área tem uma série de projetos, ativações e sinalização sendo estudadas.
A Secretaria de Política Urbana e Licenciamento da Prefeitura do Recife (Sepul) informa que vem desenvolvendo estudos para o Centro (principalmente para o Bairro do Recife e os bairros de São José e Santo Antônio), com o objetivo de estimular moradia, trazendo a população de volta para esses locais. Também está sendo realizado um estudo de circulação de todo esse entorno, dentro do qual a Rua do Imperador é uma importante artéria, com vistas a melhorias no fluxo. A via também é uma área de preservação com edificações emblemáticas da história da cidade, como a Capela Dourada, o Gabinete Português de Leitura e o Arquivo Público de Pernambuco. Por isso, quaisquer iniciativas para o local têm que ser submetidas às instâncias públicas de discussão, como, por exemplo, o Conselho da Cidade (Concidade). Vale ressaltar que todas as propostas para o Centro do Recife estão sendo discutidas com a sociedade e tendo como base o Plano Diretor, aprovado no final de 2020.
A Prefeitura lembra que estão também em andamento os estudos para a primeira Parceria Público-Privada (PPP) do Brasil voltada à Locação Social, com o objetivo de ofertar, no mínimo, 450 unidades habitacionais prioritariamente na área central da cidade, voltadas para famílias com renda máxima de três salários mínimos. A proposta considera a Locação Social como mais uma alternativa de acesso à moradia digna e vê a habitação como um dos elementos estruturadores da requalificação urbana do Centro.
A Secretaria Executiva da Assistência Social informa que equipes do Serviço Especializado em Abordagem Social de Rua (SEAS) acompanham, de forma contínua, a população em situação de rua que utiliza a Rua do Imperador como local de sobrevivência. É importante ressaltar que o perfil da população dessa localidade é heterogêneo, e que parte das pessoas que são atendidas pela assistência social deixa claro que permanece com a vinculação comunitária preservada, sendo apenas uma parte das pessoas que está, de fato, em situação de rua.
O trabalho do SEAS também é feito em conjunto com equipes do Consultório na Rua da Secretaria de Saúde do Recife e do Programa Atitude, do Governo do Estado. O SEAS realiza a busca ativa para identificar a incidência de pessoas em situação de rua, trabalho infantil e exploração sexual de crianças e adolescentes. Além disso, o trabalho consiste na tentativa de reintegração com a família, atuando através da sensibilização e orientação, visando o resgate da cidadania das pessoas que vivem em vulnerabilidade nas ruas. As investidas de sensibilização para que estas pessoas possam acessar a rede de abrigo são permanentes, mas a equipe ainda se depara com a dificuldade de adesão aos processos construídos.
A Prefeitura do Recife reforça que não realiza a retirada compulsória das pessoas em vulnerabilidade que utilizam os espaços públicos da cidade como local de moradia ou sobrevivência. Os profissionais que compõem a rede socioassistencial buscam realizar escutas, acompanhar, criar vínculos e, então, ofertar acolhimento, apoio e auxílio. Quando há aceitação, as equipes fazem encaminhamentos para uma das casas de acolhimento municipais e/ou encaminham para retirada de documentos, acesso à rede de saúde, inclusão em programas e benefícios sociais."