"Fomos esquecidos." Um ano após incêndio em palafitas, soluções urbanas e habitacionais ainda não chegaram

Repercussão do incêndio em palafitas no Pina, na Zona Sul do Recife, gerou poucas mudanças um ano após o incidente
Katarina Moraes
Publicado em 08/05/2023 às 15:08
Terreno da antiga Comunidade Entre Pontes, no Pina, Zona Sul do Recife Foto: GABRIEL FERREIRA/ JC IMAGEM


No lugar das palafitas que formavam a Comunidade Entre Pontes, no Pina, na Zona Sul, sobraram apenas algumas estacas para relembrar a vida que ali um dia existiu. Há um ano, em 6 de maio de 2022, um incêndio atingiu o local, parando o Recife; mas, apesar das promessas, o incidente não foi capaz de trazer mudanças para os ex-moradores.

Felizmente, ninguém ficou ferido. Mas as tristes imagens de pessoas vulneráveis desesperadas ao perderem o pouco que tinham tomaram conta do debate público, jogando luz sobre o problema habitacional da capital pernambucana - que, na última década, viu crescer o número de moradias irregulares e em locais de risco.

O JC retomou o contato com alguns deles - que se demonstram tão abandonados quanto o local onde moravam.

Índio, como é conhecido o autônomo Edmilson dos Santos, de 49 anos, diz ter recebido R$ 1,5 mil de indenização, mas que não foi cadastrado no auxílio-moradia e que tem passado por dificuldades para pagar o aluguel de R$ 600 da nova residência - na Comunidade Beira Rio, também no Pina.

“Uma parte do dinheiro deu para o aluguel e depois acabou. Uma hora estou bem, outra hora estou mal. Semana passada eu não tinha nada para comer e me deram uma comida que me fez mal”, relatou.

A família da dona de casa Elizangela Maria Gomes, 43, foi outra atingida. Os filhos e sobrinhos dela, que moravam na Entre Pontes, também receberam a indenização, mas não o auxílio-moradia. “Desde 2014 eles moravam lá e não tiveram direito. Estão pagando aluguel, tirando de onde não tem”, explicou.

A Prefeitura do Recife cadastrou 186 famílias da Entre Pontes para receberem um auxílio-pecúnia de R$ 1,5 mil. "Parte delas" - em número não especificado pela gestão - foi incluída no programa de Auxílio Moradia, que concede R$ 300. Outras 72 famílias não se enquadraram nos critérios da legislação, por já estarem no programa ou já terem recebido moradia em habitacionais.

Ainda, 42 famílias que moravam em casas de alvenaria foram indenizadas por benfeitorias realizadas nos imóveis, em valores foram estipulados a partir de laudos técnicos emitidos pela Autarquia de Urbanização do Recife (URB). Segundo a gestão, o desembolso total foi de pouco mais de R$ 1 milhão. 

Por nota, a gestão afirmou que "está estudando uma solução habitacional para atender a comunidade".

Até hoje, a Polícia Civil de Pernambuco (PCPE) também não concluiu o inquérito que poderia responder a causa das chamas que tomaram conta dos barracos de madeira, sem a mínima infraestrutura para moradia. O prazo inicial para a entrega era de 30 dias, podendo ser prorrogado.

A cidade tem um histórico de incêndios em palafitas sem soluções do poder público. Prova disso é que, no final de abril, 218 famílias do Recife tiveram o auxílio-moradia renovado pela gestão municipal na última semana, em publicação no Diário Oficial do Município que prolongou o estado de vulnerabilidade “temporária” das vítimas de incêndios em cinco áreas da cidade entre 2007 e 2013.

URBANIZAÇÃO DA ÁREA NÃO AVANÇA

Além da moradia, muitos sobreviventes do incêndio perderam, também, o seu sustento. Isso porque, do “quintal” de suas palafitas, catavam sururu e marisco para vender. É o caso de Edmilson, que vivia no local há 8 anos e conseguia, assim, uma renda melhor do que a dos panos de chão e de prato que hoje comercializa.

“Perder sua casa, com tudo que tem dentro, é perder o chão. Muita gente, como eu, dependia da pesca. Nosso sustento era dessa maré. Com o incêndio, fomos esquecidos. Perdi também dinheiro que tinha dentro da casa e uma baiteira [barco de pesca artesanal]”,disse Edmilson dos Santos, de 49 anos.

Só que, na mesma semana do incêndio, o prefeito João Campos (PSB) anunciou, em suas redes sociais, que iniciaria um projeto de urbanização da área junto à comissão definida pelos moradores ainda em maio. “A gente vai construir uma solução definitiva com diálogo e com participação ativa dos moradores”, prometeu.

A previsão era de que o espaço de convivência envolvesse economia criativa, educação, cultura e geração de emprego e renda, reforçando a vocação econômica pesqueira da área.

O acelerador social Pedro Stillo - que, à época, foi um dos representantes dos moradores atingidos - nega que as discussões com o poder público tenham avançado. “Foi discutido um projeto de urbanização com a Prefeitura, mas que não foi apresentado até agora e já faz 10 meses que não tem mesa [de negociação]”, afirmou.

“Pedimos por um mercado de peixe, carpintaria coletiva e a volta da cozinha solidária que tinha lá”, continuou. Ainda, reiterou que “das palafitas que foram retiradas, muitas pessoas não foram pagas”.

Questionada, a Prefeitura respondeu que “estão em curso as obras de urbanização no terreno da comunidade da palafita”, “no momento, entre as pontes Paulo Guerra e Agamenon Magalhães”. A reportagem, contudo, visitou o espaço e não constatou nenhuma mudança. Então, perguntou novamente, outras duas vezes, que obras seriam essas, mas não foi respondida.

Na região, apenas são realizados serviços pela Moura Dubeux, que constrói um novo empreendimento residencial com quase 300 apartamentos no antigo Clube Líbano. Por nota, a construtora afirmou que está, a pedido da gestão, "desenvolvendo projeto de urbanização para instalação de uma rua e uma praça com equipamentos de lazer na área pública de estacionamento do Clube Líbano."

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