Com orgulho, a Prefeitura de Olinda afirmou, hoje, ter feito em 2024 o maior Carnaval de sua história, atraindo mais de quatro milhões de foliões. O crescimento, contudo, pareceu não ter sido acompanhado por um maior ordenamento urbano. Quem brincou no Sítio Histórico denunciou uma falta latente por estrutura básica que pudesse garantir a segurança e a comodidade de quem fez parte da maior festa de rua do mundo.
Luciana Veras, uma das organizadoras do Eu Acho é Pouco (EAP), bloco com 48 anos de fundação, foi assertiva ao dizer que “este foi o pior ano do Carnaval de Olinda em termos de descontrole urbano”, afirmou. “A Prefeitura falhou em cumprir seu próprio papel que é garantir o ordenamento.”
A percepção também é da Sociedade de Defesa da Cidade Alta (Sodeca). "Carnaval péssimo, sem a cara dos moradores, tudo muito desordenado”, disse o coordenador e morador de Olinda, Edmilson Cordeiro.
As principais reclamações deles e de outros brincantes entrevistados pelo JC foram em relação à entrada constante de veículos sem liberação para transitar pelas ruas da Cidade Alta, que deveriam ser reservadas à multidão durante a folia.
Isso porque transportes de abastecimento só podem percorrer as vias das 4h às 9h, para carga e descarga. Os demais, adesivados como prestação de serviços e moradores, podem trafegar de forma limitada. Mas não foi o que aconteceu. “No sábado, às 12h, na hora do EAP passar pela Estrada do Bonsucesso, nossos voluntários pediram para esperar porque tinha um caminhão de lixo para entrar”, relatou Luciana.
Carros particulares também estavam estacionados pelas vias, “espremendo” as agremiações pelas ruas estreitas da cidade. “No sábado de Carnaval tinha moto e carro passando no meio do bloco. Nunca vi na minha vida, nesses anos todos de carnaval”, disse o jornalista Yuri Nery, de 28 anos.
Diretor de comunicação do Cariri, um dos blocos mais tradicionais da cidade e que sai às 4h do domingo, Hilton Santana disse que foram repetidas dificuldades já sofridas em anos anteriores.
“Entendemos que nosso horário é indigesto, lógico que não exigimos tanto do poder público em relação a isso. Tanto que, na reunião com a gestão, a única coisa que pedi foi que tentassem começar a limpeza pela rua que fossemos passar. Mas na hora tinha muito caminhão, caminhão de água, fornecedor no meio da rua”, contou.
Quem precisou de transporte público para ir e voltar para casa também sofreu. À noite, os pedestres caminhavam no escuro da Avenida Pan Nordestina até uma das principais paradas de ônibus de chegada ou retorno ao Recife. “O maior fluxo de chegada e saída de pessoas estava um breu”, reclamou o historiador Diogo Xavier.
Outra dificuldade apontada foi a falta de conscientização pública de vendedores ambulantes. “Cada ambulante tem todo direito de ganhar dinheiro no carnaval, mas precisa ter o mínimo de conscientização, que não dá para correr com os carrinhos porque vão imprensar as pessoas”, cobrou Luciana.
A designer de interiores Suelen Gonçalves, de 30 anos, reclamou da falta de comunicação que o público enfrentou na festa. "Outra questão foi a internet e a área de celular, não tinha nada! Qualquer operadora era um caos tentar se comunicar", falou.
A insegurança e falta de policiamento, cuja maior responsabilidade é do Governo do Estado, também foi citada diversas vezes. "Insegurança grita em Olinda. Pouco policiamento e os marginais agindo livremente. Fui furtado, levaram minha doleira de dentro da minha roupa", disse o administrador e turista natalense Tarcisio Araújo, de 36 anos, que sempre vem ao Carnaval de Pernambuco.
BANHEIROS QUÍMICOS E LIXO
Durante coletiva de imprensa nesta quinta-feira (15), Olinda divulgou ter instalado 450 banheiros químicos em todos os oito polos espalhados pela cidade, que vão do Varadouro até Rio Doce. O número foi o mesmo do ano passado - apesar da expectativa de aumento do público - e insuficiente para quem brincou. Em vários pontos, a única opção era pagar de R$ 3 a R$ 5 em um banheiro privado.
O resultado foi, novamente, foliões urinando pelas ruas, em frente às calçadas dos moradores, fazendo o ambiente público feder por dias. “O Sítio Histórico estava com um mau cheiro absurdo. Acho que não fizeram nenhuma manutenção naqueles banheiros químicos no decorrer das festividades. Desagradável nem começa a descrever”, disse a publicitária Rafaela Lins, de 32 anos.
Outro ponto apontado por Luciana Veras foi a insuficiente coleta de lixo. “Na terça-feira, as ruas estavam tomadas. Estamos lidando com um contingente de milhões de pessoas. Se ruas e canaletas não estão limpas, alguém pode cair e se machucar”, lembrou.
SOM MECÂNICO
Proibidas por lei desde 2003, as caixas de som eram vistas com frequência pelas calçadas de casas e pousadas, atrapalhando as orquestras de frevo e os blocos que mantêm viva a tradição do Carnaval. Assim, no local onde a regra é que o frevo deve prevalecer, axé music e brega reinava em muitas das ruas.
“O mais impactante foi o aumento expressivo de caixas de som nos bares e casas, situação inexistente alguns anos atrás. Diante da situação resolvi falar com os fiscais parado em frente a Praça de São Pedro e a resposta foi ‘isso não é com a gente, procure a polícia’, só que eu estava no meio do bloco e não visualizei nenhuma polícia”, disse a advogada Suanny Pimentel, de 32 anos.
COMO MANTER A TRADIÇÃO
Hilton pontua que a festa em Olinda precisa ser reorganizada, porque, na visão dele, os problemas atuais não são de uma gestão, mas históricos. “Podemos culpar o modelo de fazer o Carnaval de Olinda, que é muito copia e cola. Só mudando algumas coisas. É um problema crônico da cidade como um todo”.
Ainda, chama atenção para a necessidade inclusive econômica de manter o Carnaval vivo, já que ele movimentou cerca de R$ 400 milhões só neste ano, segundo a gestão. “Precisamos entender a importância que o Carnaval tem para a cidade, financeiramente inclusive, porque Olinda tem uma arrecadação muito baixa para sustentar as necessidades do cidadão, então o carnaval é o que sustenta esses serviços”.
Edmilson informou que a Sodeca pensa em propor um Plano Diretor para o Carnaval, que revise as regras urbanas para o período. “A gente quer que o Carnaval da gente seja sustentável e cultural, porque está complicado, o que salva é a animação, que é a mesma. Mas as pessoas precisam um carnaval mais seguro".
O QUE DIZ A PREFEITURA DE OLINDA
Por nota, a Prefeitura de Olinda afirmou que os veículos que circularam durante o período carnavalesco atenderam a critérios específicos, observando pontos de bloqueios e o ordenamento dos agentes de trânsito. Disse ter atuado com limpeza e lavagem, inclusive odorização, deixando a cidade em condições de receber os foliões, com efetivo de mais de 660 lançamentos de agentes de limpeza.
Em relação à iluminação, afirmou ter identificado pontos que apresentaram "falhas temporárias na rede de iluminação no corredor da Avenida Pan Nordestina" e que técnicos foram acionados para realizar o devido reparo. Sobre ambulantes, disse ter realizado capacitação e registro dos trabalhadores. Por fim, reiterou que agentes fiscalizaram o uso de caixas de som, incluindo apreensão de equipamentos, quando necessário.