A Bioex Equipamentos Médicos, empresa responsável pela fabricação de parte dos respiradores pulmonares contratados pela Prefeitura do Recife – alvo de questionamentos do Ministério Público de Contas (MPCO) e do Ministério Público Federal (MPF) –, começou a fabricar esses equipamentos no final de março, aproveitando a demanda provocada pela covid-19. Os respiradores passaram por provas técnicas, mas o teste com animais só aconteceu em 4 de maio, numa experiência com porcos. Nessa data, parte dos equipamentos já havia sido vendida e entregue na capital pernambucana. Questionada pelo JC sobre testes em humanos, a empresa respondeu que “ainda não pode falar sobre esses testes”. A experiência realizada com os porcos foi divulgada em vídeos nas redes sociais.
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Esses tipos de aparelhos precisam passar por avaliações técnicas, testes com animais e testes com humanos para receber a chancela da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Recentemente, a Universidade de São Paulo (USP) desenvolveu um respirador de modelo simples e baixo custo (R$ 1 mil) para ser usado no combate à pandemia, que passou igualmente por todas essas etapas.
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A advogada da Bioex, Renata Pugliese, explica que a ideia de começar a fabricar respiradores foi para suprir a falta deste equipamento no mercado por causa da pandemia da covid-19. “Esse Projeto foi desenvolvido e assinado por engenheiro qualificado. As especificações obedeceram normas técnicas de produtos equivalentes, normas essas já testadas e aprovadas por corpo clínico”, afirma.
Ela também observa que o teste com animais foi o último, mas que antes ocorreram outros testes. “Ao longo do desenvolvimento, vários testes foram realizados. Porém só o último envolvendo animais, realizado em 4 de maio de 2020, no instituto de Pesquisa e Inovação Tecnológica e Educação da Santa Casa de São Paulo, após aprovação do comitê de ética de pesquisas com animais. O animal foi o suíno devido suas características”, destaca. Pelas datas, se observa que os testes aconteceram depois da entrega dos equipamentos no Recife, que só não entraram em operação por falta de comprovação de homologação da Anvisa.
A prefeitura foi uma das primeiras compradora dos recém-criados respiradores da Bioex, em um contrato triangulado de compra à microempreendedora individual Juvanete Barreto Freire, cujo nome fantasia é Brasmed Veterinária, que tem como atividade principal autorizada “comércio de animais vivos e de artigos e alimentos para animais de estimação”. Consta como atividades secundárias venda de artigos de colchoaria, médicos e ortopédicos.
O contrato assinado com a empresa tem data de 30 de março, coincidindo com os primeiros equipamentos que saíram da linha de produção. Segundo a empresa, os 50 ventiladores pulmonares foram entregues gradativamente, com o final do primeiro lote tendo chegado ao município em 24 de maio. Desses, 35 ficaram. Os outros apresentaram problema.
De acordo com a advogada, o problema foi no manuseio. “Durante a instalação dos equipamentos por equipe clínica da Prefeitura e também da empresa fabricante, alguns apresentaram problemas gerados pelo transporte e retornaram para a fábrica efetuar reparos e novo envio”, diz. A fábrica da Bioex fica em Sumaré, no interior de São Paulo.
A empresa não divulga quantos respiradores já vendeu, mas garante que sua produção é de 100 unidades por semana. Também diz que está elevando a fabricação para 500 por semana e que está atendendo a todo o mercado nacional.
No argumento de rescisão, quando a empresa desistiu do contrato alegando prejuízo à sua imagem por conta da repercussão da investigação do MPCO, a prefeitura atestou que “o melhor era devolver porque os respiradores estavam estocados e sem uso, aguardando o registro do equipamento pela Anvisa”. Houve devolução de R$ 1.075.000.
Renata Pugliese afirma que “o pedido de homologação/registro do equipamento está em análise interna. Porém, devido à condição atual vivenciada pelo mundo, a Anvisa flexibilizou a regularização dos equipamentos através da RDC 349/2020”.
A Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) da Anvisa que a advogada da Bioex cita é de 19 de março e se alinha à necessidade de produção nacional de equipamentos médico-hospitalares para atender à emergência da pandemia. A RDC simplifica a burocracia, mas não libera as empresas de atender a requisitos mínimos. A Anvisa se comprometeu a liberar os pedidos da pandemia com urgência máxima em até 15 dias. O pedido a Bioex já espera mais que isso.
A procuradora da República em Pernambuco, Sílvia Regina Pontes Lopes, requisitou esclarecimentos sobre as razões que levaram às rescisões dos contratos. O MPF deu um prazo de cinco dias para as respostas.
Além dos esclarecimentos, a procuradora pede para que a Prefeitura do Recife informe por que devolveu os respiradores e também se há planejamento para adquirir novos equipamentos desse tipo. Os sete hospitais provisórios da Prefeitura do Recife tinham ontem 355 pacientes internados, incluindo 92 em leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), que precisam de respiradores artificiais quando desenvolvem as formas graves da doença.
Caso a prefeitura adquira novos respiradores, a procuradora diz que devem ser enviadas ao MPF as seguintes informações: o número do processo da dispensa de licitação, o quantitativo adquirido, a empresa fornecedora, a forma de entrega e o valor da aquisição.
O MPF também ingressou com uma Ação Civil Pública “em desfavor” da Prefeitura do Recife, da Juvanete e das empresas Bioex Equipamentos Medicinais e Odontológicos e BRMD Produtos Cirúrgicos. As duas últimas têm como sócio Juarez Freire da Silva, que é esposo da micorempresária Juvanete. Segundo as informações do MPF, a ação visa “obter a tutela jurisdicional para garantir a efetiva entrega dos equipamentos contratados, para dar continuidade às investigações e também analisar o desfazemento relâmpago e injustificado da contratação”.
O pedido está na 5ª Vara Federal de Justiça. Ainda a pedido do MPF, foi instaurado o inquérito civil de nº 1.26.000.001310/ 2020-31 para apurar se houve irregularidades na contratação das empresas citadas.