O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou nesta terça-feira (9) que a mudança do governo federal na divulgação dos dados do novo coronavírus no Brasil causa insegurança jurídica que afasta investidores do país, que precisa se reerguer economicamente diante da pandemia.
"Isso é muito ruim em termo de repercussão internacional e gera insegurança. O investidor financeiro não quer migrar para um país com insegurança. Vamos pensar nos brasileiros em geral", afirmou o ministro em entrevista à Rádio Jornal.
O Ministério da Saúde divulgava os dados totais de pessoas infectadas, mortes e curvas de infecção por região. No entanto, na semana passada, o governo mudou a forma. Agora, exclui os dados totais e divulga somente os dados referentes às últimas 24 horas.
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Diante da situação, o ministro do Supremo Alexandre de Moraes determinou nessa segunda-feira (8) que o Ministério da Saúde retome a divulgação dos dados acumulados do coronavírus. A decisão foi tomada após o ministro analisar uma ação apresentada pelos partidos Rede Sustentabilidade, PSOL e PCdoB. A determinação é que a Advocacia-Geral da União (AGU) preste as informações "que entender necessárias" no prazo de 48 horas.
Questionado sobre a decisão de Moraes, Marco Aurélio disse que os poderes são independentes e devem ser harmônicos, buscando sempre o entendimento. "Venho dizendo que precisamos adotar a auto-restrição, respeitando a ação de outros governos. Não analiso decisão de colegas, mas a ótica deve ser essa do entendimento para termos avanços bilaterais. Mas, quando esses avanos não vão de acordo com a Constituição, eles são negativos", disse.
Na sexta-feira passada (5), o Ministério da Saúde atrasou a divulgação do total de mortes e de casos confirmados. Já no domingo (7), o governo chegou a informar um total de 1.382 mortes causadas pelo coronavírus nas últimas 24 horas. Uma hora depois, o portal do ministério corrigiu os números e divulgou que o total de óbitos confirmados era de 525.
"A publicidade e a transparência permite que nós acompanhemos a administração e cobremos dela eficiência. No tocante à manipulação de dados, é um ato falho do Poder Executivo. E quando não se ocupa um espaço, outro seguimento ocupa e que prevaleça a transparência", destacou Marco Aurélio.
Durante reunião ministerial hoje, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, vai esclarecer, em comissão da Câmara, tudo o que foi falado nos últimos dias sobre uma eventual recontagem dos dados atualizados do novo coronavírus no Brasil. "A gente torce, pede a Deus, que o mais breve possível tenhamos um ponto final nessa questão. Mais uma vez lamentamos profundamente pela vida de todos os que nos deixaram."
Sobre a condução de Pazuello, que é general-de-divisão, no Minisério da Saúde, Marco Aurélio disse não ver com bons olhos a atual situação da pasta. "Eu admirava o Henrique Mandetta e continuo admirando sua paciência pedagógica. Conhecia o Nelson Teich, temos apartamento no mesmo mesmo prédio. Grande valor, é conceituado. Agora, penso que cada qual deve estar na área para qual tenha especialidade, não vejo com bons olhos o que ocorre hoje com o Ministério da Saúde".
A decisão do governo federal gerou críticas de diversas entidades e também de diversos setores políticos. Nessa segunda-feira (8),o presidente da Câmara, Rodrigo Maia afirmou que espera que o governo restabeleça o formato anterior de divulgação dos dados da pandemia.
"São coisas que podem não parecer graves, um país que está sendo obrigado a discutir democracia, que vê problema com meio ambiente e agora esconde dados sobre uma pandemia. Isso gera insegurança e frustração na sociedade. Acho que vamos resolver isso rápido, vamos chegar a um resultado correto, na hora correta e com a mesma base de dados construída na gestão do ex-ministro Mandetta”, disse.
Durante a entrevista, Marco Aurélio Mello também foi questionado sobre o inquérito que investiga as acusações do ex-ministro Sergio Moro contra o presidente Jair Bolsonaro. Hoje, a ação está sob os cuidados do ministro Celso de Mello. No entanto, ele permanece na Corte até novembro, quando irá se aposentar.
É comum que o novo ministro herde os processos do magistrado que deixa a Corte, mas Marco Aurélio acredita que o inquérito não vai parar nas mãos do próximo ministro, que será indicado pelo próprio Bolsonaro. "Em primeiro lugar, não se agradece indicação com a capa de julgador. Além disso, o procedimento que está com Celso de Melo reclama tramitação célere, tudo indica que será redistribuído entre os integrantes da Corte, não ficará num gabinete aguardando a nomeação e posse do indicado para se tocar o inquérito", explicou.
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Sobre o nome que deve ser indicado ao STF, Marco Aurélio lembra que é de livre escolha do presidente da República, mas disse esperar que seja alguém com "bagagem jurídica e histórico de vida". "Que haja um ato feliz do presidente nessa escolha, ele não tem sinalizado um nome em si, ele se refere a alguém potencialmente candidato. Também se fala em uma terceira vaga no mandato se vier a reeleição, mas precisaríamos de um acidente de percurso e espero que não haja, como ocorreu num passado recente, quando foi indicado Moraes no lugar de Teori Zavascki. Vamos esperar e que seja feliz na esocolha pois a cadeira e importantíssima e vitalícia", destacou.
Marco Aurélio ainda disse ser "lamentável" haver atos que peçam intervenção militar e fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional. "É lamentável que percebamos paixões condenáveis. É preciso que se presuma que ocorre uma postura digna dos integrantes do STF", disse. "Estamos sujeitos a ser incomodados, nunca fui, espero não ser agora que estou em isolamento", complementou o ministro sobre a possibilidade de ser abordado por manifestantes contrários à postura da Corte.
Nessa segunda-feira (8), o próprio presidente do STF, ministro Dias Toffoli, disse que Bolsonaro deve parar de ter atitudes "dúbias" em relação à defesa da democracia. Segundo ele, é preciso uma trégua entre os Poderes para que o País consiga enfrentar a pandemia do novo coronavírus.
"Essa dubiedade (de Bolsonaro) impressiona e assusta a sociedade brasileira e a comunidade internacional. Precisamos de paz institucional, prudência, união no combate à covid-19 e isso se dá através da democracia", afirmou Toffoli, durante cerimônia de lançamento de um manifesto em defesa da democracia e do Judiciário assinado por mais de 200 entidades. O manifesto se junta a outros documentos divulgados por associações de classe e organizações da sociedade civil em defesa da democracia na última semana.