A Polícia Federal em Pernambuco detalhou, em coletiva nesta quarta-feira (16), que o Instituto Humanize de Assistência e Responsabilidade Social, alvo da Operação Desumano, que apura irregularidades em contratos nas secretarias de Saúde do Recife e de Jaboatão dos Guararapes relacionados ao combate à covid-19, não possuía capacidade técnica para a prestação do serviços contratados. Com pequeno número de funcionários que já oscilou entre cinco e onze e patrimônio de R$ 18 mil, a instituição tinha contratos com os dois municípios que somavam R$ 57 milhões.
"Toda a parte de gestão e prestação de serviços dos hospitais de campanha eram feitos pelo Instituto Humanize e foi detectado que ele não teria capacidade operacional para executar esses serviços e para gerir hospitais. Como um instituto com um patrimônio de R$ 18 mil, com funcionários que em 2018 ficavam em torno de 11, iriam gerir contratos de aproximadamente R$ 57 milhões? Eles não teriam nem base patrimonial para garantir eventual quebra no contrato com as prefeituras", explicou Orlando Neves Neto, delegado da PF e coordenador da operação.
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Sem condições de prestar o serviço, o Instituto Humanize teria subcontratado 12 empresas para realizar serviços de informática e gestão, que pertenciam ao empresário Paulo Magnus. Mas, segundo a PF, Paulo e o dono do Humanize, Jairo Flores, seriam sócios em outras empresas e essa subcontratação seria uma forma de desviar recursos. Paulo Magnus foi preso de forma temporária (prisão de cinco dias, podendo ser prorrogada por mais cinco) e a residência de Jairo foi alvo de buscas e apreensões de documentos para o esclarecimento de quanto ele sabia sobre o suposto esquema.
"Um ponto que gerou a necessidade de aprofundar as investigações é que o presidente do Instituto Humanize, o senhor Jairo Flores, é empregado de uma empresa de transporte que possui uma renda declarada de aproximadamente 2 mil reais. Ele é sócio em outra empresa de Paulo Magnus, que é o responsável pelas empresas subcontratadas, algumas estamos levantando se realmente existem, aparentemente não. Como essas empresas pertencem ao grupo econômico de Magnus, demonstra clara a evidência de que Jairo é um laranja que atua em nome de Magnus para poder subcontratar e desviar recursos públicos", afirmou o delegado. Ainda segundo a PF, uma irmã de Magnus estava alocada trabalhando na Humanize.
Dos 21 mandados de busca e apreensão, 16 foram cumpridos em endereços no Recife, três em Jaboatão dos Guararapes, um em Olinda e outro em Paulista. Entre os locais, estavam as residências dos secretários de Saúde das duas prefeituras investigadas.
O delegado da Polícia Federal explicou que a operação desta quarta-feira vise preencher algumas lacunas ainda existentes sobre quem receberia o desvio, quais os valores e se efetivamente aconteceu esse desvio. "Até o momento, o certo é que houve realmente um direcionamento no procedimento de dispensa de licitação para contratação do instituto Humanize. Isso aí já temos prova suficiente para isso", disse. Questionado se isso envolveria agentes públicos, o delegado confirmou que sim, pois os agentes públicos que realizam as cotações e os processos de dispensa de licitação.
Superintendente da Controladoria-Geral da União, Fábio Araújo explicou durante a coletiva que o Instituto Humanize passou a ser uma Organização Social para trabalhar com a área de saúde recentemente e isso chamou a atenção. "Um instituto que não tinha expertise ou experiência demonstrada anteriormente em gestão hospitalar, e a gente está falando de recursos da ordem de R$ 57 milhões, é uma instituição que não tinha contrato anterior condizente com o tamanho da responsabilidade que representa gerir a área de saúde em municípios como Jaboatão e Recife. Essa condição de OSs é uma condição que tem que ser avaliada muito de perto porque significa dizer que aquela instituição é preparada para gerir a área de saúde no que diz respeito à gestão de saúde de recursos e teria que ter pessoal suficiente, pessoal técnico, bem balizado nesse tipo de expertise e ela não tem", afirmou.
Ainda segundo o superintendente, há indicativos de que houve uma preparação e um direcionamento não legal para que esse instituto passasse a exercer essa função. "A gente vai avaliar a documentação que foi apreendida, se houve de fato a efetiva prestação de serviço. Haveria a necessidade de ter sido feito um levantamento do que é que ia ser disposto para esse instituto poder exercer sua atividade e isso não foi feito. Uma série de questões que precisam ser respondidas pela prefeitura de Jaboatão e do Recife", disse.
Questionada sobre a necessidade de prisão de agentes públicos, Mariana Cavalcanti de Souza - delegada regional de combate ao crime organizado da PF - disse que, atualmente, há um servidor da Prefeitura do Recife que ainda está afastado por conta de uma medida medida cautelar, mas que não foi realizada prisão. "A segregação está sendo feita com muita cautela por parte do Judiciário em razão de levar mais uma pessoa para o sistema prisional, eles realmente estão tendo muita cautela por conta da covid-19. As únicas operações que de fato tiveram prisão foram de tráfico de drogas e envolvia violência", explicou.
Segundo a PF, levantamentos iniciais efetuados pela Controladoria Geral da União (CGU) e pelos órgãos parceiros identificaram que o contrato no Recife com o Instituto para gerir o Hospital de Campanha na Imbiribeira estava no valor de R$ 34.028.654,07 e o de Jaboatão dos Guararapes no valor de R$ 23.740.308,84.
A PF explicou que as investigações apontaram indícios de participação de grupo econômico já investigado na Operação Assepsia, no Rio Grande Norte, o qual, segundo apurado, chefiava uma organização criminosa com atuação em vários Estados ara o direcionamento de contratação de organizações sociais para a administração de hospitais.
Foram apreendidos na operação documentos, cinco veículos de luxo, três que estavam na residência de Magnus, e outros com alguns servidores que sofreram busca e apreensão. "Vamos avaliar se os veículos foram adquiridos com proveito de recursos ilícitos e vamos avaliar se é o caso de manter essa apreensão ou não", disse o delegado Orlando.
Por meio de nota, a Prefeitura do Recife informou que o total repassado ao Instituto Humanize foi de R$ 14,9 milhões, no período de cinco meses, e que no hospital de campanha da Imbiribeira trabalharam 504 profissionais, dos quais 97 médicos. Além disso, a gestão de Geraldo Julio (PSB) afirma que os serviços pagos foram efetivamente prestados.
"A desmobilização do hospital foi anunciada pela Prefeitura do Recife no dia 1º de setembro e comunicada por ofício ao Tribunal de Contas do Estado no dia 3 de setembro. O último paciente saiu do hospital no dia 15 de setembro e a desmobilização foi iniciada. O contrato original tem vigência do dia 1º de abril a 30 de setembro, não havendo, portanto, antecipação no processo de desmobilização. Todos os processos relativos à pandemia são enviados por iniciativa da própria Prefeitura aos órgãos de controle. No caso do contrato em questão, eles foram repassados em abril ao TCE e disponibilizados em junho ao Ministério Público de Pernambuco, Ministério Público Federal e Controladoria Geral da União", disse a Prefeitura do Recife.
Já a Prefeitura de Jaboatão destacou que o valor efetivamente pago ao Instituto não chegou a R$ 5 milhões e que adotou todas as medidas necessárias para regularidade no gasto de recursos públicos.
"A contratação da entidade para gerir o hospital de campanha vem sendo devidamente acompanhada desde o início da execução do contrato, em 04 de maio de 2020, pelo Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco. As primeiras informações foram repassadas aos órgãos de controle já no dia 12 de maio de 2020, sendo adotado o sistema de proporcionalidade nos pagamentos. O contrato foi encerrado em 29 de julho de 2020, em decorrência da queda dos números de casos de covid. No período de 86 dias, foi pago o valor de R$ 4. 892.872,72, em três parcelas, sendo: a primeira de R$ 3.956.718,14, a segunda R$ 927.854,58 e a terceira R$ 8.300,00, conforme os serviços de fato prestados. Ressaltando ainda, que, no ato da contratação, foi verificado previamente que a entidade já tinha contrato firmado com outro município para desenvolver a mesma atividade e que possui registro no Ministério da Saúde desde 19 de outubro de 2017. É preciso deixar claro que não foram pagos R$ 23 milhões. Foram pagos R$ 4,9 milhões", disse a gestão de Anderson Ferreira (PL), em nota.
Também por meio de nota, o empresário Paulo Magnus refutou "as acusações do Ministério Público Federal" e garantiu estar tranquilo com o resultado das investigações, "pois não tem nada a temer". "O empresário sempre pautou sua vida pessoal e profissional na transparência, honestidade e na legalidade das suas ações. O empresário é um dos maiores benfeitores na área da saúde e se coloca à disposição da Justiça para qualquer esclarecimento. Ele continua confiante na Justiça brasileira e vai provar, nos autos, a sua inocência", afirma a nota enviada à reportagem.
O Instituto Humanize foi procurado e informou que não irá se pronunciar, no momento, pois a resposta das prefeituras já contemplam a explicação de como foi realizada a contratação.
Além da operação Desumano, divulgada hoje, o Ministério Público Federal (MPF) apura supostas irregularidades que foram apresentadas nas operações Casa de Papel, Antídoto, Bal Masqué e Apneia, todas com investigações ainda em andamento, segundo o MPF. Já o Tribunal de Justiça de Pernambuco informou que não pode disponibilizar o andamento dos processos porque envolve os nomes das partes e por se tratar de um número expressivo de ações.
O Tribunal de Contas também está acompanhando, por meio de uma auditoria especial, os processos de dispensa de licitação e a execução do contrato, entre a Prefeitura do Recife e o Instituto Humanize. O relatório de auditoria deve ser concluído no final deste mês.
Em outubro, será iniciada outra auditoria para analisar a prestação de contas do hospital da Imbiribeira. Segundo o tribunal, estes trabalhos se estendem aos Hospitais Provisórios das Unidades Coelhos e Aurora e do Hospital da Mulher do Recife. A reportagem procurou o Ministério Público de Pernambuco e a Justiça Federal no Estado para obter detalhes sobre investigações e inquéritos envolvendo gastos com a covid-19, mas não obteve retorno.