Após vários dias trocando acusações no guia eleitoral e nas redes sociais, os candidatos a prefeito do Recife João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT) se enfrentaram, na manhã desta terça-feira (24), em debate promovido pela TV Jornal. Na ocasião, além da notória mudança de postura dos postulantes - mostrando um João mais incisivo e uma Marília mais distante da zona de ataque -, ficou clara a tentativa tanto do socialista quanto da petista de colocarem-se frente ao eleitor como uma vítima dos ataques do oponente.
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Logo no início do debate, ainda na fase de apresentações, Marília afirmou estar sendo vítima de fake news, referindo-se à divulgação, por parte da equipe de João Campos, de uma ação civil pública contra ela para investigar a suposta contratação de funcionários fantasmas durante o período em que foi vereadora do Recife. "Cada vez que levantam uma mentira, a gente vê que isso aconteceu depois que o jogo virou. Virou também a campanha do nosso adversário, essa campanha do ódio. O que a gente tem feito é colocar o que a gente pensa para a cidade. Se tem alguma crítica, ela vem sempre acompanhada de solução. Não vou cair em provocação, não vou entrar em bate-boca”, declarou a petista.
Confira o debate:
Mais adiante, foi a vez do socialista se queixar dos métodos da adversária. Ao responder uma pergunta sobre educação, João aproveitou para reclamar do fato de a deputada federal já ter feito críticas de cunho pessoal contra ele durante a campanha. “Vocês acompanharam nos últimos meses nossa candidatura ser agredida, violentada por tantas pessoas, tantos opositores. Nós sempre fizemos uma campanha honrada, uma campanha limpa. Nós sempre questionamos no campo da política, nunca entrei no campo pessoal. Inclusive vocês podem ver na nossa rede social, que eu estou publicando agora as ofensas que recebi da candidata Marília ao longo dessa caminhada. Agora eu sempre vou questionar sim, a eficiência de um mandato, sempre vou questionar sim a honestidade de um mandato”, argumentou o candidato, que citou a ação do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) diversas outras vezes durante o debate.
Marília também alfinetou o candidato lembrando de investigações sobre a compra de respiradores pela Prefeitura do Recife durante a pandemia. "Como vocês estão vendo, está havendo muita denúncia de corrupção, seis operações da Polícia Federal, compra de respiradores de porco e a gente não sabe o que é que tem mais", disse Marília, em referência aos testes feitos apenas em animais pela empresa que forneceu os respiradores na compra investigada pela Polícia Federal.
Em suas redes sociais, João publicou uma imagem com vários termos usados por Marília para referir-se a ele durante a campanha, como "frouxo", "cínico", "duas caras", "apelativo", entre outros, seguido da frase: "não é com ofensas pessoais que se debate a cidade". Marília também foi às redes sociais repercutir o debate e disse, em vídeo nos stories do Instagram, que "ficou claro quem quer cuidar do Recife e quem quer brigar. Não queremos briga", afirmou.
Confira imagens do debate:
Análise
Para especialistas ouvidos pelo JC, os dois candidatos tentaram implantar a ideia nos eleitores de que estão sendo atacados e só se defendem. "De maneira geral, no debate houve uma mescla de proposição, com cada candidato defendendo as suas ideias, defendendo o seu preparo para governar, e o ataque ao adversário. Os dois também se colocaram como vítimas, pois como a campanha agora quer despertar a desconstrução do oponente, as emoções negativas, essa questão dos ataques colocou os dois na condição de vítima. Lá, eles colocaram que 'não fui eu que comecei', 'a briga não começa em mim', 'eu só estou me defendendo', tentando gerar essa dúvida no telespectador sobre o adversário”, observou a doutora em Ciência Política Priscila Lapa, da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (Facho).
Na mesma linha, o professor da Universidade Católica de Pernambuco e doutor em Ciência Política Juliano Domingues analisa que o debate está guiado na disputa pelo voto da rejeição. Assim, segundo Juliano, a tarefa de cada candidato, mais do que se mostrar como a melhor opção, gira em torno de convencer o eleitorado recifense de que a outra alternativa é pior.
"Isso torna o terreno propício ao ataque, à propaganda negativa. E é possível que o confronto canse o eleitor. Mas, o conflito também tem a função de manter parcela importante do eleitorado engajada, sobretudo nas redes sociais digitais. Ele tem maior potencial de atrair a atenção do eleitor comparativamente ao debate programático e, por isso, é um recurso em termos de estratégia de comunicação política”, explicou Juliano. “Esse discurso (de que está sendo atacado pelo outro) é parte da estratégia de comunicação política, para que o eleitor faça um julgamento moral negativo em relação ao adversário”, completou o professor.
Pesquisa
Na liderança numérica das intenções de voto na cidade, de acordo com a última rodada da pesquisa Ibope/JC/Rede Globo, divulgada na semana passada, Marília adotou um tom muito mais brando no debate de hoje. A candidata se concentrou em defender-se das acusações do rival, em apresentar propostas e, pontualmente, realizar algum contra-ataque. De acordo com o levantamento, a petista possui 45% das menções contra 39% do socialista e ambos estão tecnicamente empatados por conta da margem de erro da pesquisa, de três pontos percentuais para mais ou para menos.
João, por sua vez, partiu para cima da prima, recorrendo a críticas às gestões do PT no Recife e citando nominalmente o ex-prefeito João da Costa (PT). “A gestão do PT, de João da Costa, que declarou inclusive apoio à candidata Marília, fechou o Hospital Cravo Gama, que era conhecido como hospital das crianças, que ela já citou em outros debates. Quem fechou foi o aliado dela, João da Costa. Nós vamos construir um Hospital da Criança, mostrando a nossa responsabilidade”, declarou. Atualmente no cargo de vereador, João da Costa foi aliado do PSB e chegou a defender uma aliança no Recife ao invés de uma candidatura própria de Marília Arraes. Nessa segunda-feira, ele alegou que diante dos ataques ao Partido dos Trabalhadores, tem compromisso com a defesa de Lula, de Dilma Rousseff e da candidatura de Marília.
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Para Priscila Lapa, ao realizar movimentos de crítica às gestões do PT, o PSB tenta evocar o sentimento antipetista de parte do eleitorado recifense, sem, contudo, falar mal do ex-presidente Lula (PT). “Nas inserções de TV ele (João Campos) não atacou Lula, ele traz o PT nacional, quem está por trás de Marília, mas não Lula. É como se o eleitor dele, de alguma forma, também se identificasse com Lula, ele não é o antilulista. E por que João da Costa? Por que não João Paulo? Bem, João Paulo saiu há mais tempo da prefeitura e muitos dos eleitores dessa eleição não vivenciaram essa gestão como adultos. Além disso, há uma memória positiva da gestão de João Paulo, principalmente nas populações de renda mais baixa. E João da Costa saiu com sentimento de ineficiência, ele não recebeu o apoio do partido à época, então é mais fácil desconstruir isso na cabeça do eleitor. É um antipetismo indireto”, detalhou a docente.
Juliano Domingues aponta que a disputa é entre o sentimento de anti-PT e o de anti-PSB e, segundo o professor, o menos rejeitado deve vencer a disputa pela prefeitura. “Para convencer o eleitorado volúvel, que é quem decide a eleição, questões ideológicas importam pouco, muito menos se os partidos já foram aliados no plano municipal ou se são aliados no plano estadual. O eleitor, em geral, é um tanto cínico em relação ao vai-e-vem das alianças quando outros interesses mais pragmáticos pesam. Vai pesar mais o embate da campanha em si e as articulações com lideranças locais, vinculadas a grupos específicos de eleitores que podem fazer a diferença. Marília não precisou se distanciar do partido para conseguir apoios de lideranças importantes, inclusive opositoras ao PT no plano nacional. Agora, o que parece estar em jogo é a expectativa de poder de determinados grupos com a hipótese de derrota do PSB. Como as pesquisas apontam vantagem de Marília, há um incentivo a uma adesão instrumental à candidatura dela, a despeito dela ser do PT.
Com o dia do segundo se aproximando - a votação ocorre no domingo, dia 29 de novembro - os candidatos poderão ter uma ideia de quanto suas estratégias estão funcionando nesta quarta-feira (25), pois serão divulgados os números da segunda rodada da pesquisa Ibope/JC/Rede Globo para o segundo turno no Recife. Para esta fase do levantamento, estão sendo entrevistados 1001 eleitores da capital pernambucana e, assim como no estudo anterior, a margem de erro máxima estimada é de três pontos percentuais para mais ou para menos. O nível de confiança é de 95% e o número de registro da pesquisa no Tribunal Regional Eleitoral (TRE-PE) é PE-04600/2020.
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