O primeiro debate com os candidatos a prefeito do Recife antes do segundo turno, realizado na manhã desta quinta-feira (19), na Rádio Jornal, deu o tom de como será esta fase campanha, afirmaram cientistas políticos procurados pelo JC. A apresentação de propostas de governo que marcou o primeiro turno deu lugar à troca de ataques entre João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT), que segundo a pesquisa Ibope/JC/Rede Globo divulgada ontem, estão tecnicamente empatados quanto à intenção de votos na capital pernambucana.
A mudança de postura dos candidatos, dizem os analistas, não deve ser vista como uma coincidência. Na visão da cientista política Priscila Lapa, da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (Facho), por exemplo, é necessário que se leve em consideração o fato de que a eleição no segundo turno tem outras características, fato que desvia o olhar do eleitor das propostas dos candidatos.
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"A essa altura do campeonato, dificilmente as pessoas vão votar focando nas propostas. Nem o eleitor mais desligado da política, nem mais o ideológico. Ele deve votar em quem acha que está falando melhor, em quem teve um desempenho melhor enquanto candidato. No Brasil, é bom lembrar, a maioria das pessoas vota na pessoa, não no projeto ou no partido. Esse embate de tom mais pessoal, apesar de desagradável, acaba chamando a atenção de um perfil de eleitorado que vai percebendo quem ele acha que ganhou, quem deu resposta mais à altura e quem não deu. E nisso se encaixa principalmente o eleitorado de centro-direita que se vê em um segundo turno formado por esquerdas, que vai querer escolher o menos pior", explicou Priscila.
Durante todo o debate, foram comuns momentos em que João questionou a capacidade de Marília de executar as suas promessas de campanha, criticou o PT e acusou a adversária de "só enxergar defeitos" na gestão do PSB na cidade, da qual inclusive ela mesma fez parte. Por outro lado, Marília destacou por diversas vezes a pouca experiência do oponente, levantou dúvidas sobre sua capacidade de liderar a administração do município e o acusou de despreparo, por ter, diversas vezes, recorrido a anotações para responder às suas perguntas.
Para Priscila Lapa, apesar de algumas vezes João demonstrar estar "desconfortável" no debate, o modo como os dois postulantes se posicionaram os colocou em pé de igualdade no evento. "Ela apresenta um domínio sobre o que fala. Claro que ser oposição é bem mais confortável. Ele tem uma tarefa gigantesca e qualquer candidato que estivesse no lugar dele estaria passando por um desconforto. Ele tem que defender um projeto, dizer que tem a própria autenticidade e ao mesmo tempo defender algo (a gestão Geraldo Julio) que foi bombardeado no primeiro turno por todos os candidatos. Por isso a sensação de que ele está mais na defensiva. Isso acaba dando a impressão de que o desempenho dela foi melhor, mas a postura de quem está defendendo o governo vigente tende a ser mais fragilizada do que a de quem está batendo. De modo geral, achei que a postura dos dois foi muito equilibrada", detalhou a analista.
Cientista político e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Ernani Carvalho pontua que, apenas pelo debate de hoje, não é possível afirmar qual dos candidatos teria largado na frente nesta fase da campanha. “Não há dúvidas de que a missão de João é mais inglória neste momento, porque grande parte do eleitorado se posicionou por uma mudança no primeiro turno. Mas o segundo turno é uma nova eleição, e a questão é saber qual a mudança que o eleitor quer. Alguns podem dizer, ‘ah, eu não queria João, mas entre João e Marília eu prefiro continuar com o que já está aí’. Essa é uma disputa que ainda está em aberto e o eleitor de centro-direita que votou em Mendonça Filho (DEM) e na Delegada Patrícia (Pode) é que vai ser o fiel da balança da eleição. Claro que muitos vão se abster, mas se a metade desses eleitores sair de casa para votar, isso já define o pleito”, observou.
Carvalho chamou atenção, ainda, para o destaque que os candidatos da esquerda recifense deram à nacionalização do debate. Para citar alguns desses momentos, durante o programa Marília relembrou quando o PSB fez campanha para Aécio Neves (PSDB) em 2014 e João criticou alianças que a petista tem firmado com partido alinhados com o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), como o PL, por exemplo.
“Pela primeira vez a nacionalização da campanha, que não tinha acontecido no primeiro turno e se aconteceu foi de forma muito lateral, aparece com muita força. Foram evocados nomes nacionais como Lula (PT), Aécio, Bolsonaro e isso dá um pouco o tom do que vai ser a disputa daqui pra frente. Uma disputa, eu diria, bastante acirrada”, finalizou Ernani Carvalho.