Em ano atípico por conta da pandemia do novo coronavírus (covid-19), o parlamento brasileiro teve de se adaptar, realizando sessões à distância e votações remotas para viabilizar a tramitação de diferentes projetos. Agora, o primeiro passo para o início do ano legislativo será a escolha do novo presidente da Casa. São nove os candidatos, com destaque para Arthur Lira (PP), que conta com apoio de Jair Bolsonaro, e Baleia Rossi (MDB), apoiado por Rodrigo Maia (DEM).
Ouvidos pelo JC, parlamentares pernambucanos colocaram a reforma tributária como principal votação para a volta dos trabalhos e lamentaram alguns temas que não entraram na discussão em 2020, como o foro privilegiado. Além disso, mais um pedido de impeachment contra Bolsonaro deve ser protocolado pela oposição e o novo presidente da Câmara que decidirá levar, ou não o processo à votação no Plenário.
Já são 61 propostas de impedimento contra o presidente, em pouco mais de dois anos. Porém, Maia não deu seguimento aos pedidos. Em entrevistas recentes, inclusive, o presidente da Câmara vem rejeitando discussões sobre o afastamento do presidente, mesmo sendo crítico ao governo, e cobrando foco no combate à pandemia do novo coronavírus (covid-19).
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Outros temas que podem ganhar destaque são: autonomia do Banco Central, reforma administrativa, nova lei do gás, renda mínima e privatizações, voto impresso. Esta última, inclusive, deve ter andamento caso Arthur Lira seja eleito, nos bastidores, a informação é de que ele já prometeu andamento da pauta que agrada Bolsonaro, caso seja o novo presidente da Câmara.
A proposta de emenda à Constituição que permite a prisão após a condenação criminal em segunda instância também é uma das matérias que deve se destacar no debate parlamentar em 2021. O texto também prevê a execução de sentenças em segunda instância nas áreas cível, trabalhista e eleitoral.
Mesmo com temas pendentes do último ano, a Câmara analisou e aprovou 81 projetos de lei, 53 medidas provisórias, 9 projetos de lei complementar e 4 propostas de emenda à Constituição em 2020. Aprovaram-se ainda 22 projetos de decreto legislativo e 5 projetos de resolução. No total, o plenário aprovou mais medidas provisórias e projetos de lei do que em qualquer outro ano desde 2011.
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Ainda assim, na visão do deputado federal Daniel Coelho, líder do Cidadania na Casa, um maior volume de propostas avaliadas não representa, por si só, um aumento na produtividade da Casa. "O número de projetos não é referência, não acho relevante. É preciso ver o que realmente modifica a vida das pessoas. Tivemos o auxílio emergencial, como a principal marca da Câmara em 2020, mas não houve avanço, por exemplo, no tema da reforma tributária, que é um tema que está na pauta do País e, talvez, tenha sido uma das lacunas do ano", afirmou o parlamentar.
Foro privilegiado e segunda instância são pautas que estão no parlamento há muitos anos e não são votadas, não foram deixadas de lado só em 2020. Há resistência no parlamento e no governo para que avancem essas pautas, que defendo e que são de clamor da sociedade.Daniel Coelho sobre pautas não votadas na Câmara
Além do auxílio emergencial, a Câmara votou temas como o programa de suspensão de trabalho (MP 936/20), ajuda a micro e pequenos empresários (PL 1282/20), orçamento especial para o estado de calamidade pública (PEC 10/20), ajuda a estados e municípios (PLP 39/20).
Para Tadeu Alencar (PSB), o Congresso se adaptou rapidamente e ganhou agilidade com as sessões virtuais. "Foi um ano desafiador, mas o Congresso rapidamente adotou protocolos sanitários e já em março estávamos deliberando temas como estado de emergência, auxilio emergencial. Se viu possível funcionar assim (à distância). Mas, isso não significa que devemos adotar o formato, nada substitui o calor do Plenário, a pressão, a participação de grupos da sociedade civil. Isso foi completamente sacrificado", destacou.
Os números mostram uma produtividade, você mesmo à distancia vota, no carro, em casa. Isso permitiu uma agilidade, que deve ser aproveitada, mas não é o modelo ideal, pois não pode substituir o plenário.Tadeu Alencar sobre modelo implantado no Congresso com votações à distância
Já o deputado Carlos Veras (PT) destaca que "o pouco que foi feito" no combate à pandemia é mérito do Parlamento. "A gente poderia ter avançado muito mais se a gente tivesse uma representação da classe trabalhadora no congresso nacional. mesmo trabalhando remotamente, nós trabalhamos e produzimos bastante. Aprovamos o projeto Aldir Blanc da cultura, o projeto de lei do auxilio as comunidades tradicionais, o projeto de lei (de auxílio aos trabalhadores) da agricultura familiar, a PEC do Fundeb", citou o petista.
Mesmo com as atenções voltadas à covid-19, a Câmara dos Deputados aprovou proposições que não tiveram relação direta com a pandemia. Entre esses temas destacam-se o novo Fundeb; mudanças no Código de Trânsito, no setor de gás, na navegação e na segurança de barragens; pagamento por serviços ambientais; novas regras para estados refinanciarem suas dívidas com a União; entre outros.
"Não acho o modelo ideal, mas fizemos o possível e fizemos bem. Mesmo assim, tantas outras matérias não foram apreciadas, como o foro privilegiado que vem de muito tempo, a prisão em segunda instancia, instituição de teto salarial dos poderes, lei de improbidade. São discussões que ficaram prejudicadas", afirmou Tadeu Alencar. O deputado ainda completou afirmando que a pauta prioritária para 2021 é a reforma tributária. "Precisamos concluir o debate da reforma tributária. Há o nível de consenso mínimo em torno da simplificação, sabemos que não poderemos dar passo largo agora, mas é preciso tornar o sistema menos injusto. Além disso, precisamos avançar na pauta federativa, reforma administrativa, que aprimore a máquina pública e corrija distorções, entre outras", disse Alencar.
Carlos Veras também reconhece que a reforma tributaria é uma demanda importante a ser pautada em 2021, mas que ela deve ser "inclusiva, que possa taxar as grandes fortunas, heranças, dividendos, que faça com quem ganha menos pague menos impostos e quem ganha mais, pague mais". Outra pauta levantada pelo petista que acabou sendo empurrada para o próximo ano é o adicional de insalubridade na remuneração dos profissionais da saúde durante a pandemia. "Era o mínimo que o Congresso poderia ter garantido que é a majoração de 40% (prevista para profissionais com adicional de insalubridade)", disse Carlos Veras.
O deputado federal Sílvio Costa Filho (Republicanos) destaca que mesmo em tempos de pandemia, o Congresso conseguiu avançar em temas importantes. Ele destaca as votações do Pronampe, do programa Casa Verde Amarela, do auxilio emergencial e do novo Fundeb. Já para 2021, o pernambucano listou cinco principais pautas que precisam ser analisadas pelo Legislativo. "O primeiro é a reforma tributária, para se criar um bom ambiente de negócios, simplificar e desburocratizar o sistema tributário. Em segundo, a reforma administrativa, com a implementação da meritocracia, para prestigiar bons servidores. O terceiro é o pacto federativo, é fundamental. Em quarto, a autonomia do Banco Central e o quinto, a viabilização de um programa de renda no Brasil, que estimula um crescimento da economia", disse o deputado.
A comissão mista que analisa a reforma tributária teve seu prazo prorrogado pela terceira vez até 31 de março. O grupo de deputados e senadores fez onze audiências públicas em 2020, inclusive durante a pandemia. Relator da proposta, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) afirmou que havia consenso entre Estados e municípios para votar a reforma no final do ano passado, mas explicou que a proposta acabou entrando na disputa política entre o governo e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
Para Aguinaldo, votar a reforma passou a ser uma “necessidade”, dada a crise econômica atual. A reforma pretende simplificar e tornar mais eficiente a arrecadação tributária, unificando impostos que incidem sobre o consumo, como o ICMS e a Cofins.
Proposta do governo
Uma das propostas em estudo (PEC 45/19) é de autoria do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), candidato apoiado por Maia à presidência da Câmara. Mas o governo, que apoia Arthur Lira (PP-AL), apresentou uma proposta (PL 3887/20) mais enxuta que unifica apenas o PIS e a Cofins.
O deputado Joaquim Passarinho (PSD-PA), vice-líder do Governo, acredita que alguma reforma sairá neste ano. "Eu creio que estamos próximos de ter um acordo, talvez não um consenso, mas um acordo para a votação da reforma tributária na Câmara. Eu creio que falta pouco para termos condição de voto", disse.
O líder da Minoria, deputado José Guimarães (PT-CE), diz que a oposição não deve ser um obstáculo para a simplificação tributária, mas quer um pouco mais. "A simplificação e a unificação de dois tributos, isso todo mundo defende. Agora, não podemos ficar só nisso porque isso não dá conta da alta concentração de renda e das altas taxas de impostos que recaem sobre a classe média e sobre os trabalhadores", observou.
O economista Bernard Appy, que ajudou a elaborar a proposta de Baleia Rossi, tem afirmado que a reforma pode resultar em 20 pontos percentuais a mais de crescimento para o Brasil em 15 anos.
Em meio à pandemia o presidente Jair Bolsonaro também teve de editar diferentes medidas provisórias (MPs). Segundo levantamento da própria Câmara Federal, o presidente editou mais medidas provisórias que gestões anteriores, mas menos MPs se convertem em lei.
"A medida provisória tem sua função, mas em tese não acho boa para a democracia, pois você legisla sobre decreto. É um expediente bastante utilizado por governo desde o governo Fernando Henrique, governo Lula, Governo Dilma e Governo Temer. Não é particularidade de um presidente ou de um partido. Ela deve ser utilizada em momento de emergência, então, é natural que tivesse neste ano como teve, atendendo setores específicos da economia. A medida existe para isso, não é normal em ano sem pandemia ou fora de situação de emergência o grande número de MPs usadas no Brasil", afirmou Daniel Coelho.
As medidas provisórias são instrumento para garantir que o presidente da República possa agir em casos urgentes e relevantes. As MPs produzem efeitos imediatamente, mas precisam depois ser aprovadas pelo Congresso Nacional para virarem lei. Uma medida provisória vale por 60 dias, prorrogáveis por mais 60. Depois disso, se não tiver sido votada nas duas casas do Parlamento, ela “caduca”, ou seja, perde a validade.
Nos dois primeiros anos, o governo Bolsonaro, por enquanto, tem uma média de 70 MPs editadas por ano. No primeiro governo Lula, a média foi de 60 MPs por ano. No segundo governo Lula, 45 MPs por ano. No primeiro governo Dilma, a média foi de 36 MPs por ano. Entre 2015 e 2018, nos governos Dilma e depois Temer, a média foi de 51 medidas provisórias por ano.
"A medida provisória é um poder grande, é uma disfuncionalidade da democracia, é uma forma de ditadura normativista, pois de edita e ela vigora por quatro meses. E, mesmo que caia, por quatro meses, um governo que vem mostrando insanidade, que opera da costas ao que vem ocorrendo na pandemia, que não tem sensibilidade, opera seus efeitos plenamente", disse Tadeu Alencar alfinetando a gestão Bolsonaro.
Na visão do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), o ajuste fiscal deveria ter sido mas debatido neste ano, mas segundo o democrata, o governo federal abandonou a agenda de controle das despesas públicas. Na avaliação dele, a pauta defendida pelo ministro Paulo Guedes é minoritária no governo, que hoje busca uma agenda mais expansionistas nos gastos.
De acordo com Maia, o governo abandonou os chamados gatilhos fiscais e parece ter abandonado também a reforma administrativa. “O governo não vai encaminhar a reorganização das despesas públicas, que seria um desgaste a curto prazo, mas com benefícios a médio e a longo prazo. O governo erra quando pensa que essas polêmicas vão atrapalhar 2022. Esse abandono da política de reestruturação do estado vai gerar desgaste ao governo a partir de março e abril do ano que vem”, ponderou.
Com informações da Agência Câmara de Notícias
A proposta de emenda à Constituição que permite a prisão após a condenação criminal em segunda instância é uma das matérias que deve se destacar no debate parlamentar em 2021. O texto também prevê a execução de sentenças em segunda instância nas áreas cível, trabalhista e eleitoral.