Assim que Arthur Lira (PP) e Rodrigo Pacheco (DEM) foram eleitos como presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, respectivamente, começou a circular no meio político a cobrança de que, agora, com aliados no comando das Casas Legislativas, o governo Jair Bolsonaro (sem partido) não terá "desculpas" para não tocar a sua agenda de reformas.
>> Cronograma das reformas está acertado, dizem Lira e Guedes
>> Bolsonaro: "iniciamos novo capítulo" no País após abertura do ano legislativo
>> Governo Bolsonaro não tem ''mais desculpas'' para não andar com reformas, avalia Armando Monteiro
Pacheco e Lira já assinaram um documento conjunto em que se comprometem com pautas para enfrentar a pandemia da covid-19 e assegurar maior oferta de vacinas, além de medidas que garantam recuperação econômica, emprego e renda. Entre as pautas prioritárias definidas pelos presidentes, está a retomada do auxílio emergencial. Segundo eles, a ideia é “avaliar alternativas de oferecer segurança financeira através de auxílio emergencial para aqueles brasileiros que estejam enfrentando a miséria em razão da falta de oportunidade causada pela paralisia econômica provocada pela pandemia”.
Na visão da economista Amanda Aires, neste momento de retomada, é fundamental que o governo encare os mais vulneráveis como prioridade, mas tenha também uma agenda econômica estruturada e mire em maneiras de reduzir gastos. "O mais importante agora é ter um programa de renda mínima, pois há milhões de brasileiros sem renda, na informalidade, e é bom pensar nesse benefício em um formato permanente. Uma agenda econômica sólida é necessária, e para isso será preciso gasto público. As empresas estão com medo dos efeitos da pandemia e de novas ondas (de covid-19), então é preciso que o governo tenha uma agenda de obras, mas, também, de privatizações para se alinhar ao mercado", observou. Os dois presidentes também apontaram alinhamento em torno de outras matérias, como a reforma tributária, que tramita por meio de propostas na Câmara (PEC 45/2019) e no Senado (PEC 110/2019).
Além disso, Lira pretende dar destaque para a reforma administrativa, enquanto Pacheco prometeu celeridade para a PEC Emergencial (186/2019) e para a PEC dos Fundos Infraconstitucionais (PEC 187/2019). Outra prioridade para o biênio para ambos é retomar as discussões sobre o pacto federativo. Segundo Pacheco, outras propostas de consenso serão definidas na próxima terça-feira (9), quando está prevista a primeira reunião do colégio de líderes.
>> Câmara elege Mesa Diretora com pernambucanos André de Paula, Luciano Bivar e Marília Arraes
Na última semana, o governo entregou uma lista com 35 projetos que considera prioritários para 2021 ao Congresso, muitos deles alinhados com o que já vem sendo debatido na Câmara e no Senado. A maior parte das propostas é da área econômica, mas há pautas também de costumes, segurança e educação. "Nosso compromisso é fazer a política econômica fluir", garantiu Bolsonaro, na sexta (5).
Para o economista Écio Costa, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), os movimentos do Legislativo e do Executivo no sentido de tocar pautas que ficaram paralisadas durante quase todo 2020 é “muito positivo”, muito embora o docente acredite que os projetos acabarão desidratando ao serem debatidos pelos parlamentares.
“Eu vejo com bons olhos essa disposição em discutir as pautas econômicas que estavam travadas desde o ano passado. Claro que pode haver atritos no futuro, alguma diluição desses projetos, até porque o Congresso já é conhecido por não aprovar integralmente as propostas que o Executivo apresenta, mas espera-se que, como o governo tem essa maioria que conseguiu montar com o centrão, ele consiga colocar pautar essas propostas e alguns avanços a gente consiga ter”, considerou Écio.
Uma pauta que interessa ao Ministério da Economia é a de privatizações e concessões, que Paulo Guedes não conseguiu fazer andar em seus dois anos à frente da pasta. O tema foi um dos apontados como prioritários pelo presidente da República na abertura dos trabalhos legislativos, mas parlamentares já estão pedindo cautela.
Para o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), primeiro vice-presidente da Câmara, o governo erra na tática desse debate. Ele ressaltou que o Brasil tem uma série de empresas públicas deficitárias e setores da economia nos quais o Estado não deveria estar. “Talvez uma estratégia mais adequada fosse iniciar o processo de privatização por essas empresas, até amadurecer a sociedade da importância das privatizações e, aí sim, enfrentar a privatização da Eletrobrás, dos Correios. Acho que, se o governo insistir em começar pela Eletrobrás, nós vamos ter dificuldade de construir a maioria necessária no Congresso Nacional,” avalia Ramos.
Vice-líder da oposição, o deputado pernambucano Tadeu Alencar (PSB) recomenda cautela no debate, e acredita que há um pensamento de alguns setores de que o que é público é negativo e o privado é positivo. Ele sugeriu uma discussão pautada pelo equilíbrio, porque, na opinião dele, é um patrimônio relevante que está em jogo.
“Nós precisamos ter a compreensão de que quem tem a estrutura social de uma grande desigualdade (como) no Brasil precisa fazer opções estratégicas e garantir a presença do Estado onde essa presença é necessária. Nós vimos agora, no momento de pandemia, o quanto é importante a ação do Estado brasileiro na proteção social, na proteção econômica das nossas empresas, dos empregos", defendeu Tadeu.
Cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Roberto Gondo não acredita na viabilidade de grandes privatizações nos próximos dois anos. “A probabilidade de não ocorrerem as privatizações, pelo menos as mais representativas, como a dos Correios, da Eletrobrás e do Banco do Brasil, é muito grande. E eu estou falando isso pela perspectiva da cabeça do governo federal, que não quer mexer em vespeiro. Agora, (as privatizações de estatais) que realmente são deficitárias, que estão com problemas, essas naturalmente vão ocorrer”, observou o professor.
Apesar dos vários pontos em comum, Gondo frisa que Bolsonaro não pode se gabar de ter o Congresso Nacional ‘no bolso’. Para o estudioso, o presidente vai ter que trabalhar muito para manter o equilíbrio na sua relação com um grupo tão volátil quanto o centrão. “Não é possível afirmar que o Congresso está 100% alinhado com o governo federal. É um relacionamento frágil. O governo terá que ter uma capacidade de mediação dos processos, coisa com a qual sempre teve dificuldade”, declarou o cientista político.