Cercado por mais de 60 pedidos de impeachment e pressionado a tocar pautas consideradas fundamentais para a retomada econômica do País no pós-pandemia, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) realizou uma verdadeira operação de guerra no início deste ano para eleger aliados como presidentes da Câmara e do Senado. Toda essa articulação, contudo, não saiu barato para o chefe do Executivo. Além de estar em dívida com o centrão, a nova configuração do alto escalão político do País coloca sobre os ombros do militar da reserva a responsabilidade de tirar do papel ao menos parte das promessas que fez durante a campanha de 2018, que até então ele afirmava não implementar por não ter apoio do Congresso.
"Agora é uma boa hora para testarmos a real disposição do Governo Bolsonaro para tocar as reformas. (...) Com a eleição dos novos presidentes da Câmara e do Senado, que são em princípio alinhados, o Governo não terá mais desculpas para fazer essa agenda se mover", declarou, na semana passada, o ex-senador e ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do governo Dilma Rousseff (PT), Armando Monteiro Neto (sem partido).
Líder do PT na Câmara, o deputado Enio Verri fez comentário semelhante ao site BR Político nos últimos dias. “Até ontem, segundo Bolsonaro, o Congresso Nacional impedia o governo de avançar e fazer o País se desenvolver. Agora, com a eleição de dois aliados para Câmara e Senado, aguardemos para saber qual a desculpa para o contínuo aprofundamento da miserabilidade do Brasil”, disparou o parlamentar.
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Para o cientista político Antônio Lucena, da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), apesar de Bolsonaro ter repetido essa informação em diversas oportunidades, o agora ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), não criou empecilhos para a aprovação de projetos do governo na Casa. Na realidade, de acordo com o analista, a relação de Maia com o presidente da República teria se deteriorado por uma incapacidade do gestor em dialogar.
Agora, com dois simpatizantes de Bolsonaro na chefia do Congresso, Lucena acredita que esse quadro deve melhorar. “Com Lira e Pacheco não há mais desculpas de que o governo não tem aliados. É só ter articulação, as pautas foram apresentadas e acredito que devem prosperar, devem ser colocadas em votação, pelo menos. Com eles no comando, deve haver uma espécie de normalização do Brasil nos próximos meses, pois o centrão é isso, gosta de cargos, emendas e quer beneficiar a base”, pontuou o professor.
Quanto aos pedidos de impeachment contra o presidente, é consenso entre os especialistas consultados pelo JC que é praticamente impossível que algum deles prospere. “O impeachment depende mais de cenários externos do que de quem ocupa o comando das Casas Legislativas. É necessário considerar a variação da avaliação do presidente Bolsonaro, a situação econômica do País, o combate à pandemia no desenrolar da campanha de vacinação e a retomada do auxílio emergencial”, ponderou Raquel Borsoi, analista de risco político da Dharma Politics, consultoria sediada em Brasília.
Roberto Gondo, cientista político do Mackenzie, até crê que o número de pedidos de afastamento contra o presidente deve crescer até o fim do mandato dele, mas considera que o chefe do Executivo está blindado pelas alianças que conseguiu construir. “Eu acho difícil a pauta do impeachment seguir. A não ser que ocorra um clamor muito forte nas ruas, porque o centrão não é 100% fiel, isso (a abertura do processo) não vai acontecer. Esse grupo tem os seus interesses, e enquanto esses interesses estiverem sendo sanados, eles ficarão ao lado do presidente. Caso contrário, Bolsonaro acabará tendo debandadas”, declarou.
Os adversários do gestor, no entanto, não desistiram de vê-lo processado. Na última quinta-feira (4), por exemplo, o governador de São Paulo e provável candidato à presidência da República João Doria (PSDB) defendeu, em entrevista à Reuters, que o Congresso analise os pedidos de impeachment apresentados contra Bolsonaro. “A Câmara tem mais de 60 pedidos de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro por diferentes razões. Entendo apenas --como cidadão e não como governador-- que cabe ao Congresso Nacional analisar aspectos que são importantes na obediência à Constituição”, disse o tucano, completando que não cabe a ele, como governador, fazer considerações a este respeito.