CONSÓRCIO

Consórcios tentam suprir vácuo deixado pelo governo Bolsonaro na pandemia

Estados e municípios iniciaram um movimento de atuação consorciada para buscar alternativas de adquirir os imunizantes em paralelo às tratativas com o governo federal

Mirella Araújo
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Mirella Araújo
Publicado em 06/03/2021 às 8:00
Tânia Rêgo/Agência Brasil
Em Pernambuco, 86 municípios aderiram ao consórcio público para comprar vacinas contra a covid-19 - FOTO: Tânia Rêgo/Agência Brasil
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Com o agravamento da pandemia da covid-19, que vive sua fase mais crítica com mais de 260 mil mortes em todo o país, e o déficit de vacinas que possa atender a população, estados e municípios iniciaram um movimento de atuação consorciada para buscar alternativas de adquirir os imunizantes em paralelo às tratativas com o governo federal. Nesta semana, a Frente Nacional dos Municípios (FNP) anunciou a formação de um consórcio público para a compra coletiva das vacinas, com adesão de 1.703 municípios, sendo 86 deles localizados em Pernambuco - Recife, Caruaru e Petrolina são algumas das cidades que formalizaram a entrada no consórcio.

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Essa modalidade em conjunto é amparada pela Lei nº 11.107, e está em vigor no Brasil desde 2005. Em 2016, o Tribunal de Contas de Pernambuco (TCE-PE), aprovou a Resolução nº 34/2016, que regulamenta o cadastramento, a transferência de recursos e a prestação de contas dos consórcios públicos. Atualmente, o Tribunal tem em seu cadastro 15 consórcios municipais, sendo o mais recente, o Consórcio Intermunicipal de Segurança Pública e Defesa Social de Pernambuco, criado em outubro de 2018.

No entanto, os consórcios públicos também podem evidenciar uma lacuna existente entre a União, os estados e os municípios. Criado em 2019, o Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste é formado pelos nove governadores da região. Ele foi oficializado em um momento delicado na relação entre os chefes do executivo e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Na época, o capitão da reserva havia dado declarações polêmicas, e chegou a chamar governadores de “paraíba”, termo utilizado de forma pejorativa na região, afirmando que o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB) “seria o pior deles”.

Anunciado como uma maneira de atender em conjunto as demandas do Nordeste com a otimização de recursos, o consórcio dos governadores também passa a mensagem política da pressão que os gestores podem exercer ao reivindicar pautas importantes de forma coletiva. “O objetivo não era exatamente só político, mas os governadores viram que teriam dificuldades nas relações externas via governo federal. Então, no primeiro movimento tinha objetivo econômico, porque a política externa estava muito ideologizada”, explicou o ex-ministro da Ciência e Tecnologia e físico, Sérgio Rezende.

Em novembro de 2019, os governadores emplacaram agendas na Europa, para mostrar os potenciais da região Nordeste e consolidar investimentos. “Em 2020, ficou claro que o governo federal não tinha uma forma de ação que fosse consistente e baseada na ciência, então os governadores criaram o Comitê Científico do Consórcio Nordeste”, explicou Rezende, que atua neste colegiado.

Para a cientista política e professora da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (Facho), Priscila Lapa, o consórcio veio para ocupar um espaço que não estaria sendo ocupado com o protagonismo do governo federal. “Existe uma leitura técnica, que é importante, porque a compra consorciada ela gera uma economia de recursos, facilita acesso a fornecedores porque em alguns estados, por uma questão de logística, há alguma dificuldade”, explica. “Mas é, sem sombra de dúvidas, uma resposta política, de uma organização coletiva de atuação frente a um governo que não tem capacidade de diálogo ampliada”, complementa a docente.

FINALIDADE

Se por um lado há uma marcação de posicionamento político, por outro isso pode comprometer o propósito em estabelecer um consórcio. O procurador do Ministério Público de Contas (MPCO), Cristiano Pimentel, afirma que do ponto de vista do objetivo técnico e prático, no Nordeste, os consórcios tendem a não seguir adiante justamente por uma questão político-partidária. “Não é uma experiência que tem perdurado, quando muda a gestão municipal eles caem no esquecimento. Vejo que os consórcios são usados como instrumentos para flexibilização nas licitações, mas não cuidam de serviços públicos permanente", declara Pimentel, citando como exemplo hospitais regionais e o recolhimento do lixo.

Mas, o procurador vê como positiva a utilização desse modelo de compra para aquisição das vacinas, ressaltando que é preciso que estejam claros critérios como definição de preço justo, quais serão os custos administrativos com estes contratos. “Os prefeitos têm responsabilidade subsidiária de todos os recursos que estão enviando para os consórcios e, posteriormente, vai ser analisada a utilização destes recursos. Os consórcios públicos não suprimem as competências dos tribunais de contas”, explica o procurador.

Essa cautela na criação dos consórcios, também foi pontuada pelo presidente da Associação Municipalista de Pernambuco (Amupe), José Patriota (PSB). Com a alta procura pelas vacinas, o ex-prefeito de Afogados da Ingazeira, diz que é natural haver uma inquietação não só por parte da população, mas dos gestores também. No entanto, não há oferta de mercado para disponibilidade imediata.

“Nós temos consórcios suficientes já existentes, não precisamos fundar mais consórcios. Se for necessário, adquirir de forma complementar e se o mercado estiver disponível essa vacina, porque não tem. Os governadores se organizaram no Consórcio Nordeste, mas não conseguiram fechar nenhum contrato, então imagina a dificuldade que os prefeitos podem ter para aquisição direta”, relata Patriota.

A própria Amupe possui o Consórcio dos Municípios Pernambucanos (Comupe), presidido pelo prefeito de Águas Belas, Luis Aroldo, que já informou "colocar à disposição dos prefeitos e prefeitas toda a estrutura técnica e jurídica do Consórcio para a compra imediata da vacina". Segundo dados do Comupe, as compras compartilhas funcionam há 5 anos. "Somente entre 2019 e 2020, o consórcio arrematou mais de mil itens e gerou até 30% de economias aos cofres públicos", afirmou o gestor em nota. 

Um episódio que pode ser considerado exemplo sobre a necessidade de ter cautela formalizar um contrato de compra coletiva, principalmente na área da saúde, foi o fracasso da aquisição de respiradores por meio do Consórcio Nordeste. Em junho de 2020, o contrato de compra de 750 respiradores da empresa Pulsar, teve que ser desfeito porque não houve cumprimento dos prazos de entrega exigidos. O Consórcio Nordeste pediu a devolução de R$ 7,9 milhões de dólares. Na mesma época, eles denunciaram uma fraude na compra de respiradores junto a outra empresa, que não tinha registro na Anvisa e desencadeou a Operação Ragnarok.

Para o ex-ministro Sergio Rezende, os consórcios públicos não têm finalidade apenas de compra e venda coletiva. “Ele pode servir para intensificar o intercâmbio entre os municípios em áreas como a educação. Vários cidades pequenas não possuem internet de qualidade, e o Consórcio Nordeste iniciou uma conversa preliminar, sobre como fazer em conjunto, medidas para que a internet possa chegar a todos os municípios”, afirmou Rezende.

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