No primeiro pronunciamento que fez após a decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), de anular suas condenações relativas à Operação Lava Jato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não hesitou em criticar duramente adversários como o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sérgio Moro. Ele afirmou, por exemplo, que o militar da reserva já tomou decisões “imbecis” relacionadas à pandemia e que Moro seria um “Deus de barro”.
Na sua fala, porém, chamou a atenção o tom moderado que o petista adotou em outros momentos do discurso, como quando defendeu o diálogo da esquerda com forças conservadoras e de centro, ou quando afirmou serem necessárias conversas da Presidência da República com empresários, sindicatos e investidores. O viés conciliador das palavras de Lula lembrou até mesmo um outro momento da sua trajetória política, quando, em 2002, o então candidato à Presidência da República assinou a "Carta ao Povo Brasileiro", um documento em que ele, até ali lido como um radical, passou a ser aceito por setores da sociedade que resistiam em votar em um candidato de esquerda.
“Você pode construir um programa que envolva setores conservadores, por exemplo a questão da vacina, do salário emergencial. Se você colocar na frente a discussão eleitoral, você trunca qualquer evolução. Mas se você colocar os problemas do povo brasileiro na conversa com os setores conservadores, você pode produzir efeitos extraordinários”, declarou Lula, ao afirmar que não pretende discutir questões eleitorais por enquanto e que, em 2022, “o partido vai discutir se vai ter candidato, (ou) se vai de frente ampla”.
Sobre a postura do ex-presidente, o deputado federal Silvio Costa Filho (Republicanos) disse que Lula “acerta” em dar sinais de diálogo com o centro, mas diz que o petista precisa atentar para o fato de que o Brasil de hoje é bem diferente daquele que ele encarou quando venceu a sua primeira eleição presidencial. “Eu acho que o presidente Lula precisa entender que quando ele foi candidato em 2002 e ganhou as eleições, ele apresentou uma Carta ao povo brasileiro, e naquele momento aquela carta dialogava com a agenda social e a agenda econômica. Mas já se vão 18 anos que aquele documento foi apresentado, e agora é preciso que o presidente e o próprio PT apresentem uma nova agenda para o Brasil, uma agenda que dialogue com as novas pautas econômica e social”, observou o parlamentar.
“O discurso do ex-presidente foi equilibrado, no sentido de fazer essas sinalizações mais moderadas para um centro, para um eleitor mediano, que está passando dificuldade na pandemia, um eleitor que perdeu alguém, que teme pela sua vida, que perdeu o emprego e não vê sinalização da volta do auxílio emergencial, um público com o qual Lula se relaciona muito bem, diga-se de passagem”, detalhou a cientista política Priscila Lapa, da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (Facho).
Em um de seus ataques ao presidente Bolsonaro, Lula o criticou por não conversar com a sociedade e disse que, enquanto chefiou o Executivo nacional, sempre esteve aberto aos mais variados setores. "No meu mandato, fiz 74 conferências para ouvir a sociedade; Bolsonaro não ouve ninguém", disparou. O petista ainda disse que um presidente precisa dialogar com empresários e investidores e afirmou que a classe média não precisa ter "medo" dele.
Augusto Coutinho (SD), deputado federal por Pernambuco, considerou que o movimento de Lula de se apresentar como a “antítese” de Bolsonaro é uma estratégia para que a população acredite que só terá duas opções de voto em 2022. O parlamentar acredita, no entanto, que até a campanha do ano que vem outras forças políticas devem se fortalecer à centro-esquerda e à centro-direita, dando aos eleitores brasileiros outras opções de voto. “Para eles (Lula e Bolsonaro), o interessante é radicalizar, para que essa disputa fique entre os dois. Mas ainda é muito cedo para falar sobre as eleições. Ainda não há outros nomes postos, e os que existem não empolgam. Mas, em política, quase dois anos para um pleito é uma eternidade”, pontuou Coutinho.
Na avaliação do cientista político Ernani Carvalho, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o gesto do ex-presidente nesta quarta-feira (10) revela o quanto o PT está empenhado em construir uma aliança ampla visando 2022. De acordo com o docente, o partido tenta evitar o erro cometido por ele em 2018, quando Fernando Haddad perdeu para Bolsonaro contando com o apoio apenas do PCdoB e do PROS. "O PT ganha eleições com alianças vinculadas a partidos de centro. Foi assim com Lula e Dilma (Rousseff). Dificilmente uma aliança só à esquerda, como foi a de Haddad, tem chances de lograr êxito. Então eu acho que o gesto dele está ligado a isso, à necessidade de fazer alianças e não fechar as portas para ninguém nesse momento", declarou Carvalho.