Na última terça-feira (27), dia em que a CPI da Covid foi instalada, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB), defendeu que a comissão tenha foco técnico e pediu que ela não se torne um "palanque político, antecipando a disputa que se dará em 2022". Com o Brasil contabilizando mais de 400 mil mortos em decorrência da doença e sem sequer uma previsão de quando a população começará a ser vacinada massivamente, a preocupação do aliado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) demonstra o temor que militar da reserva tem de que a apuração parlamentar possa vir a prejudicar os seus planos de reeleição, uma vez que a CPI tem grande potencial para expor possíveis falhas e omissões do Executivo no enfrentamento da pandemia.
Para tentar desviar de si o foco total das investigações e reduzir danos à sua imagem, o Planalto e seus aliados na Casa Alta conseguiram fazer com que a CPI investigue também os repasses feitos pela União para que estados e municípios enfrentassem a enfermidade. Além disso, há notícias de ministros dizendo que a Polícia Federal teria centenas de pedidos de investigação contra governadores e prefeitos, e que o presidente deseja que esse material seja aproveitado pela comissão.
Com esse movimento, Bolsonaro acaba lançando luz sobre atores que também prometem protagonismo no próximo ano, pois alguns chefes de Executivos estaduais têm pretensão de concorrer à sua sucessão, como o governador de São Paulo, João Doria (PSDB); o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB); e o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), por exemplo. A intenção do chefe do Executivo seria compartilhar as perdas oriundas das investigações com ao menos parte dos seus prováveis adversários eleitorais, deixando-os tão vulneráveis quanto ele nas urnas.
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Hoje, segundo pesquisa PoderData realizada entre os dias 26 e 28 de abril, 57% dos brasileiros reprovam a gestão do presidente Bolsonaro, enquanto 35% dos entrevistados aprovam o atual governo. Para FBC, números como estes mostram que o militar, apesar de estar sendo investigado no Senado, ainda tem, sim, chances na disputa do próximo ano. “O presidente Bolsonaro é muito resiliente. Em todas as pesquisas, mesmo enfrentando seu pior momento de avaliação, o nível de apoio na sociedade é expressivo, ele consegue ter apoio de mais de um terço do povo brasileiro. Em todas as pesquisas, ele está na disputa de segundo turno”, declarou o senador, durante entrevista à Rádio Jornal na última semana.
Cientistas políticos consultados pela reportagem acreditam que, por razões diversas, há motivos para se acreditar que esta CPI, como tantas outras, acabará “em pizza”. Os analistas ressaltam, porém, que diferentemente do que crê o senador pernambucano, os efeitos que a apuração trará para 2022 só poderão ser dimensionados durante o curso das investigações, a partir do modo como os envolvidos nessa comissão vão se comportar no período.
“Com relação à CPI, o mais importante não é o resultado, mas o caminho que ela percorre, que é muito mais danoso do que exatamente o relatório final. Como o processo é público, ele acaba gerando interesse da mídia e da sociedade. Haverá uma exposição grande de possíveis falhas do governo Bolsonaro, dos ministros da Saúde, além de uma série de outras questões”, observou o cientista político Vanuccio Pimentel, da Asces/Unita.
Para Elton Gomes, cientista político da Faculdade Damas, quando governo federal, estados e municípios, foram colocados no mesmo escopo de investigação, criou-se uma espécie de “guerra atômica”, onde todos sairão perdendo. "Essa CPI tende a causar uma queda de braço muito grande, pois é muita coisa para ser investigada em um espaço curto de tempo. São apenas 90 dias para investigar o repasse de recursos federais para estados, potenciais omissões dos ministros da Saúde e do presidente da República na gestão da crise sanitária, contratos internacionais negociados pelo Ministério das Relações Exteriores na época da chancelaria do então ministro Ernesto Araújo, discussões a respeito da apologia feita pelo presidente e seus assessores mais próximos de medicamentos sem comprovação científica. São muitos pontos, e se por um lado muito provavelmente isso vai gerar o efeito pretendido pelos adversários do governo, que é o desgaste político do presidente, por outro também causará desgaste para os governadores", afirmou.
Sob o ponto de vista do docente, o resultado dessa troca de tiros será a ausência de punições ou resultados concretos da investigação, pois depois que todos os lados estiverem desgastados, as forças políticas responsáveis pela investigação devem reduzir os ataques para ambos os lados.
Mas durante todo o trabalho da CPI, dizem os analistas, existem caminhos para que o presidente, governadores e seus aliados reduzam as perdas que toda a publicidade negativa que a comissão pode gerar. “Se o presidente continuar apostando no método do caos, ele só tem a perder com a CPI. É preciso fazer política, abrir diálogo e negociação com outros atores políticos. A estratégia ótima é saber dialogar com os principais parlamentares que compõem a comissão”, opinou o cientista político Alex Ribeiro.
Segundo Elton Gomes, no caso dos governadores a estratégia que está sendo utilizada é justamente a oposta, a de manter-se nas sombras para tentar ficar fora da mira dos investigadores. “Depois da abertura da CPI, qual foi a última vez que você ouviu uma crítica mais dura de um governador contra o presidente? Foi por acaso? Isso está acontecendo porque eles estão com a cabeça abaixada, estão receosos porque a maioria depende dos repasses do governo federal. A mentalidade é: mesmo que você seja probo, a probabilidade de que você tenha cometido uma irregularidade com as verbas federais que chegaram, ainda que inconscientemente, é muito grande. São compras públicas não licitadas na casa dos bilhões. Para onde você apontar o dedo, vai vir mutreta. Por conta disso, os governadores, principalmente os que têm intenção de concorrer à presidência, devem manter certa distância de debates sobre a CPI”, cravou o professor.
Há que se lembrar, ainda, que dentro da própria comissão existem representantes da polarização que promete marcar o pleito do ano que vem e até de uma possível terceira via para as urnas. O relator da comissão, Renan Calheiros (MDB), tem uma ligação histórica com o PT. Ciro Nogueira (PP), que também compõe o colegiado, é diretamente ligado a Bolsonaro. Tasso Jeireissati (PSDB), por sua vez, tem sido lembrado entre os tucanos para encabeçar uma chapa para a disputa do Planalto. Se esses planos e conexões vão influenciar nos direcionamentos da CPI, apenas o tempo poderá dizer.