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PPP para novas creches no Recife gera divergências na área da educação

O Simpere se posicionou contra inserção de empresas privadas na educação pública do município

Mirella Araújo
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Mirella Araújo
Publicado em 25/01/2022 às 20:20
RODOLFO LOEPERT/PCR
EXPANSÃO Plano é criar 5 mil novas vagas em creches; hoje há 7 mil, sendo que mil foram criadas em 2021 - FOTO: RODOLFO LOEPERT/PCR
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Após assinar um contrato com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para iniciar os estudos técnicos para concessões de seis parques urbanos à iniciativa privada, o prefeito do Recife João Campos (PSB), firmou um novo contrato com a instituição financeira para uma Parceria Público-Privada (PPP) na área da Educação. A iniciativa tem como objetivo a construção, reconstrução, gestão, operação e manutenção de 44 novas unidades educacionais nos próximos anos.

De acordo com a Prefeitura do Recife, a expectativa é que sejam criadas pelo menos 5 mil novas vagas em creches na cidade. Os números dos novos equipamentos e das vagas disponíveis vão ser definidos com o resultado dos estudos - estimados em R$ 2,75 milhões. O contrato foi assinado nesta terça-feira (25), conforme antecipado pelo Blog de Jamildo, e o trabalho será custeado pelo BNDES e iniciado em 30 dias. A previsão é de que o estudo seja concluído e apresentado no segundo semestre deste ano.

“Nós temos um grande problema no Brasil que é uma enorme falta de acesso às vagas em creches, são mais de dois milhões o número desse déficit quando a gente olha para o país; e isso repercute nas grandes cidades. Por isso, nós temos um plano para duplicar o número de vagas em creches em dois anos na nossa cidade. A gente está nesse momento expandindo mais de dez creches já existentes, construindo mais salas, mais banheiros, mais refeitórios, para receber mais crianças”, declarou João Campos, segundo nota enviada pela assessoria de imprensa.

Atualmente a rede possui 91 creches e oferta sete mil vagas para a Educação Infantil, sendo mil destas abertas apenas no último ano. O secretário de Educação, Fred Amâncio, explicou que a PPP para creche é um passo ousado, mas que busca reduzir custos para o município e acelerar o processo de abertura de vagas. Ele citou a cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais, como exemplo de sucesso das escolas conveniadas, além de São Paulo, que também já trabalha com 80% da sua rede neste formato, em que o poder público paga pelo serviço prestado.

O auxiliar deixa claro que existe uma legislação própria para esse tipo de parceria, que exige requisitos técnicos. “ Elas não vão cuidar da parte pedagógica, que continua sob a responsabilidade da PCR. O período de concessão pode ser de dez anos, 20 anos, e essa modelagem ainda vai ser definida. As empresas também se responsabilizam pelo dia a dia da limpeza e vigilância das unidades. Neste estudo do BNDES, serão definidos ainda os locais a serem contemplados. A meta é, em 2023, termos o contrato assinado e as obras serem iniciadas”, declarou Fred.

Com o acordo assinado, o BNDES vai contratar uma consultoria e especialistas para elaborar estudos técnicos necessários para a elaboração de uma concessão administrativa voltada para construção e manutenção de 44 novas creches. Essas unidades serão erguidas por uma empresa concessionária, que também ficará responsável pela conservação predial dos futuros equipamentos, durante a vigência do contrato. Esse projeto se limita apenas à disponibilização da infraestrutura necessária para expansão da rede de Primeira Infância, cabendo à Prefeitura do Recife a competência para estruturar e coordenar todo o projeto pedagógico, bem como contratação de profissionais de Educação.

Por meio do edital de licitação estruturado, a Prefeitura do Recife pagará à empresa concessionária contraprestações mensais. O valor da remuneração ao ente privado será estipulado no resultado dos estudos técnicos, assim como o período de vigência do contrato. Os levantamentos serão divididos em quatro blocos temáticos: Planejamento e Gestão; Jurídico-Institucional; Técnico-Operacional; e Econômico-Financeiro. A empresa concessionária que vencer a licitação ficará responsável por ressarcir todo o valor dos estudos ao BNDES.

Divergências

A iniciativa da Prefeitura do Recife de concessionar a rede privada para a construção de 44 novas creches na capital, gerou divergência na área da Educação e especialistas apontam que uma PPP não exime a responsabilidade do Poder Público em ofertar os serviços que lhe competem.

O Sindicato Municipal dos Profissionais de Ensino da Rede Oficial do Recife (Simpere) declarou ser “radicalmente contra qualquer inserção de empresas privadas na rede pública de ensino”. “Nós somos contra essa parceria, independente da gestão municipal continuar responsável pela parte pedagógica. Estamos estarrecidos com essa ação e acabamos de enviar um ofício para o secretário de Educação pedindo uma mesa de negociação e vamos também tratar desse ponto. Nunca, nenhum governo fez isso”, afirmou a secretária-geral do Simpere, Socorro Assunção.

O professor e ex-reitor da UFPE, Mozart Neves, disse ser favorável a Parceria Público-Privada na educação, porque desta forma caberia a Secretaria de Educação centrar esforços na qualidade do ensino. O educador foi secretário estadual da área, entre os anos de 2003 e 2007, e explicou que “se perde muito tempo quando a Secretária trata da gestão da infraestrutura”. “Acho que esse caminho que o prefeito João Campos está procurando, vai permitir que o secretário Fred tenha mais tempo para pensar na qualidade do ensino dos estudantes, principalmente com a questão da pandemia, que aprofundou o problema da aprendizagem. ”, afirmou.

Arranjo jurídico

Neste primeiro momento, ainda não se sabe que tipo de modelagem da PPP será apresentada através do estudo que será realizado pelo BNDES. “A construção das creches ficará mais célere e melhor, então não vejo que ele está privatizando a educação. O que está se buscando é um caminho para tornar isso mais eficiente”, afirmou o presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Pernambuco, Adriano Lucena.

“Existem duas variáveis que preocupam no mundo real. A primeira é que esse projeto é um investimento muito alto e são poucos investidores que têm esses recursos. A segunda preocupação é sobre o que vai acontecer daqui a 10 anos, será que vai valer a pena esse investimento em um país que é tão incerto?”, acrescentou o engenheiro civil.

A iniciativa é considerada positiva por Adriano, porque hoje o Executivo precisa lançar várias licitações para contratar um serviço específico referente à infraestrutura e manutenção, que por si só pode gerar vários problemas ao longo do processo, mas ele reforça que é preciso ver como isso será efetuado na prática.

Especialista em Licitações, Contratos Administrativos e Responsabilidade Fiscal pela ESMAPE/PE e sócia no escritório Da Fonte Advogados, Gabriela Duque, explica que é equivocado achar que existe um padrão ideal para uma modelagem de PPP, porque é preciso entender as particularidades do município e as perspectivas operacionais e financeiras do Executivo.

“O que está sendo tratado é um modelo de arranjos jurídicos para delegar a gestão de um grande patrimônio. Isso vai ser desenhado na modelagem que será feita pelo BNDES. O Poder Público é integralmente responsável com o que está sendo entregue, mesmo com o arranjo contratual de delegar ou contratar uma empresa privada”, afirmou Gabriela.

Ela explica que há mecanismos que podem fazer com que a prefeitura possa cobrar, do parceiro privado, melhorias no serviço que está sendo ofertado. Por exemplo, a receita do parceiro privado pode variar de acordo com seu desempenho, Se ele não atingir o indicador estabelecido isso pode impactar no quanto ele irá receber ao longo do contrato.

“Os modelos de PPP são complexos e sofisticados. Eles podem dar ao Poder Público indicadores de desempenho de diversas naturezas. O que permite, se bem gerido, que se exija o comprimento do que ele almeja. As PPPs fornecem essa ferramental para garantir que seu parceiro entregue o que está sendo contratado”, declarou a especialista.

Não há muitos exemplos no Brasil sobre PPPs na área da Educação, mas segundo a presidente executiva do Todos Pela Educação, Priscila Cruz, na Educação Infantil existem exemplos a serem destacados. “Em São Paulo, nós estamos muito perto de zerar a fila para matrículas nas creches. Mas é óbvio que isso depende de uma boa supervisão, de parâmetros de qualidade que são iguais tanto para a rede pública quanto para a rede conveniada. A formação de professores também é a mesma. Os objetivos a serem alcançados e as metas da rede são iguais, independente de ser escolas públicas ou conveniadas. Então tem uma série de elementos que precisam estar presentes nessa política para que dê certo”, explicou.

 

Rodolfo Loepert/PCR
Creche Escola Sergio Loreto - Rodolfo Loepert/PCR

 

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