Pedido de CPI do Caso Beatriz suscita debate sobre politizar temas de repercussão midiática em ano eleitoral

Deputados estaduais estão colhendo assinaturas para a criação de uma CPI para analisar as investigações sobre a morte da criança
Cássio Oliveira
Mirella Araújo
Publicado em 19/01/2022 às 19:03
GOVERNO Segundo Vanuccio Pimentel, politização do caso começou com a condução do próprio Executivo Foto: HEUDES REGIS/SEI


Diante dos diversos questionamentos que ainda precisam ser elucidados sobre o assassinato de Beatriz Angélica Mota, de apenas sete anos, em 2015, os deputados estaduais Romero Albuquerque (PP), Clarissa Tercio (PSC) e Joel da Harpa (PP), anunciaram que vão articular a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para tratar o caso. O pedido será apresentado no início do retorno das atividades da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), em fevereiro.

“Temos, em primeiro lugar, uma mãe e um pai que têm o direito de saber a verdade, toda a verdade. Temos a Polícia Civil, que precisa dar esclarecimentos a essa família e a toda sociedade. Se este homem, agora, diz que não é o autor do crime, mas a Secretaria de Defesa Social garantiu que, após seis anos, identificou o DNA do suspeito na arma do crime, alguém está faltando com a verdade”, afirmou o deputado estadual Romero Albuquerque.

O parlamentar se referiu à carta que supostamente teria sido escrito por Marcelo da Silva, na qual ele nega o crime. "Um assassinato brutal é sempre assunto de interesse público, ainda mais quando a vítima era uma criança. Confiamos na nossa polícia, mas está claro que precisamos de respostas", declarou Romero.

São necessárias 17 assinaturas para a criação de uma CPI, e até a publicação desta matéria já tinham sinalizado favoráveis a abertura do colegiado investigativo os deputados Álvaro Porto (PTB), Gustavo Gouveia (DEM), Alberto Feitosa (PSC), Wanderson Florêncio (PSC), o líder da oposição, Antônio Coelho (DEM), e o Pastor Cleiton Collins (PP). Os autores da iniciativa criaram um site www.casobeatriz.com.br para estimular a população a solicitar as assinaturas dos demais deputados estaduais.

Procurado pela reportagem, o Governo do Estado, por meio da Secretaria de Defesa Social (SDS), se pronunciou em nota a respeito da possibilidade de criação da Comissão Parlamentar de Inquérito. “A SDS informa que o caso da menina Beatriz segue sob sigilo, e a Polícia Civil de Pernambuco está dando continuidade às diligências solicitadas pelo Ministério Público Estadual, bem como à compilação de todas as provas necessárias para conclusão do inquérito policial e consequente remessa ao MPPE”, informou o comunicado.

“A Secretaria reafirma seu empenho em realizar um trabalho técnico e responsável. A pasta, como sempre, está à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos que forem necessários aos parlamentares, que têm como prerrogativa a instalação de uma eventual CPI”, finalizou.

POLITIZAÇÃO

Em conversa com o JC, especialistas políticos apontam que o Caso Beatriz traz algumas particularidades, o que torna o tema ainda mais sensível por estarmos em ano eleitoral. Para o professor da Asces-Unita e cientista político Vanuccio Pimentel, a politização do caso começou com o próprio Executivo estadual.

“A iniciativa dos deputados é mais um passo na escalada política que esse caso já tem. Ele já vem de um processo de politização já há algum tempo. Tudo começa com um problema técnico e operacional da polícia mesmo, de sua capacidade de resolver o caso. Daí por diante, o Governo do Estado começa a ver que isso é um ponto sensível da gestão, e passa a tratar a mãe de Beatriz (Lucinha Mota) como política”, avalia o docente.

Vanuccio também pondera que por estarmos no ano em que vamos às urnas para votar nos candidatos a governador, deputados estaduais e federais, senador e presidente da República, qualquer tipo de iniciativa política e do campo da oposição à atual gestão, vai acabar caindo em cima deste caso emblemático. Entretanto, existe a questão da viabilidade da CPI.

O governador Paulo Câmara (PSB) possui em sua base aliada, 35 deputados estaduais. Já o bloco de oposição é formado por 11 parlamentares. Há também três deputados que declaram ter atuação independente. “O fato de ser ano eleitoral importa, mas o posicionamento da oposição em contraponto às determinações ações do Governo do Estado no Caso Beatriz iriam ocorrer de toda forma. O grande desafio da oposição será trazer a opinião pública e demais parlamentares para o seu lado”, explicou o cientista político e historiador Alex Ribeiro.

Não é novidade que temas de grande repercussão na sociedade passem a ser encarados com um viés político. A própria pandemia de covid-19 teve as discussões sobre o seu enfrentamento politizadas, apesar dos impactos sobre estas questões serem melhor avaliados após as decisões das urnas, em outubro. O problema da politização de certos casos, segundo a cientista política e professora da Faculdade de Ciência Humanas de Olinda (Facho), Priscila Lapa, é quando seu uso mais atrapalha do que contribui para o bom debate e esclarecimentos.

DIEGO NIGRO/ACERVO JC IMAGEM - Cientista política Priscila Lapa

“Acho que até demorou demais a iniciativa dos deputados de se debruçarem sobre esse caso (Beatriz), porque a repercussão não aconteceu só no ano em que ele ocorreu. Tiveram vários episódios envolvendo a família da menina, em busca dessas respostas, dessa explicação. Eu acho cabível que o Legislativo, já que se trata de um processo conduzido pelo Poder Executivo, que ele busque esclarecimentos e acompanhamento, que é o papel de um parlamentar”, afirmou a docente.

“É uma linha tênue entre o que é o papel do parlamentar e essa questão de estar se aproveitando politicamente de uma situação que existem aí, elementos de direito penal, questões criminais que os deputados ,em princípio, não dominam. Então, eles vão precisar ter muito assessoramento para poder ir nos pontos cruciais em busca das respostas, porque, caso contrário, isso pode ser um tiro no pé”, comentou Priscila.

Outros casos

Agência Brasil - Em 2018, caminhoneiros realizaram greve e o tema foi usado como trampolim político

Não é de hoje que assuntos diversos acabam na pauta política. A mobilização dos caminhoneiros que parou o Brasil em 2018 levou os termos greve e locaute ao destaque diário em manchetes de jornais e blogs e deixaram as páginas de economia para engrossarem os cadernos de política.

Na época, grupos de correntes diversas tentaram pegar carona na boleia dos profissionais de transporte de carga e o caso foi explicitado,  inclusive, pelo então presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), José da Fonseca Lopes. Em junho daquele ano, ele afirmou, sem citar nomes, que caminhoneiros estavam dispostos a voltar ao batente após o acordo anunciado pelo Governo Temer, mas estariam sendo obrigados a permanecer mobilizados por "intervencionistas" que, segundo Lopes, queriam "derrubar o governo".

No último ano, a morte do ator Paulo Gustavo também ganhou conotação política. Para uns, o falecimento do artista estava sendo utilizada como "palanque político". Para outros, a perda representava a necessidade de ações governamentais consistentes no combate à pandemia de covid-19, para evitar mais mortes pela doença.

O deputado pernambucano Túlio Gadêlha, por exemplo, usou seu perfil no Twitter, na época, para criticar Jair Bolsonaro pela morte de Paulo Gustavo. "A culpa é sua, genocida! Você vai pagar pelos crimes que cometeu, Bolsonaro", escreveu ele. Os aliados do presidente, por sua vez, rebateram. “A esquerda faz da morte seu palanque eleitoral. Querem transformar Paulo Gustavo na nova Marielle”, disse o também deputado Otoni de Paula (PSC).

Ter qualquer participação em caso de repercussão e, em seguida, adentrar à política também é visto com maus olhos. Miguel Sales, que foi promotor no Caso Serrambi, chegou a se apresentar como candidato a prefeito de Ipojuca em 2012, mas acabou desistindo, por falta de apoio político.

O pai de Tarsila, o comerciante José Vieira, chegou a afirmar, em 2010, que Sales tinha usado o caso como "palanque político". "Como o processo corre em segredo de justiça, os promotores não me passaram o teor da prova. Mas sei que mostra o interesse dessa pessoa (Miguel Sales) em arrastar esse processo durante esses anos. Ele usou esse caso como palanque político e isso será provado”, afirmou Vieira, se referindo ao fato de Sales ser, na época, candidato a deputado federal. O promotor morreu em 2014.

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