Ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto disse à Folha de S. Paulo que o perdão do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) "padece de inconstitucionalidade autoevidente".
Na visão de Ayres Britto, "indulto não é cheque em branco". "O indulto não é para perdoar crimes que a Constituição qualificou como especialmente danosos para a coletividade", diz ele. "Indulto não é cheque em branco. É preciso compatibilizá-lo, enquanto política pública de governo, com a Constituição, enquanto política pública de Estado", completa.
O jurista diz que o perdão não tem alcance para devolver os direitos políticos de Daniel Silveira, que também teve o mandato cassado e os direitos políticos suspensos pelo STF.
A condenação de Daniel Silveira foi de 8 anos e 9 meses de prisão por incitar agressões a ministros da Corte e atacar a democracia.
Britto explica que quando a Constituição destaca determinados crimes como de acentuada gravidade e dedica cláusulas específicas a eles, colocando-os como inafiançáveis, inanistiáveis ou imprescritíveis, ela está elaborando uma política pública de Estado, que é, então, permanente. Os indultos, na visão de Britto, são políticas públicas de governo, ou seja, são "episódicos, transitórios".
Ele cita como exemplos os crimes de terrorismo, tortura e atentado contra a ordem constitucional e o Estado democrático de Direito entre a lista dos destacados pela Constituição. Silveira foi condenado pelo último.
Sobre a possibilidade de que o decreto de Bolsonaro dê a Silveira o direito de disputar as eleições em outubro, leitura que tem sido disseminada por apoiadores do presidente, Ayres Britto é categórico na negativa.
"Indulto não é para elegibilizar quem se tornou inelegível. Inelegibilidade não pode ser afastada por indulto. É matéria político-eleitoral, não é matéria penal", conclui.
Condenação
A maioria do STF entendeu que a conduta do deputado foi criminosa e não estava protegida pela imunidade parlamentar. Os dois ministros nomeados pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), Nunes Marques e André Mendonça, tiveram outro entendimento. Marques defendeu a absolvição do parlamentar e Mendonça considerou que a maioria dos crimes imputados a ele não estavam comprovados.
O deputado foi julgado pelos crimes de proferir ameaças contra autoridades, incitar a animosidade entre as Forças Armadas e o Supremo e de usar de violência ou grave ameaça para tentar impedir o livre exercício dos Poderes. A Procuradoria-Geral da República (PGR) destacou na denúncia que a imunidade parlamentar não é um "privilégio pessoal".
"A liberdade de expressão existe para a manifestação de opiniões contrárias, para opiniões jocosas, para sátiras, para opiniões inclusive errôneas, mas não para imputações criminosas, para discurso de ódio, para atentados contra o estado de direito e a democracia", defendeu o relator Alexandre de Moraes. "Não há dúvidas de que o réu agiu com dolo, em plena consciência de suas ações", completou ao citar que Silveira confirmou as declarações em depoimento à Polícia Federal (PF).
Graça
A graça, concedida por Bolsonaro ao deputado, é diferente do indulto. A graça está prevista no Código de Processo Penal e o indulto é objeto do artigo 84, inciso XII da Constituição.
O artigo sobre indultos diz que “compete privativamente ao Presidente da República: XII – conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei”.
Assim, o indulto, geralmente, é coletivo, como ocorre, por exemplo, no fim de ano em que os presidentes da República concedem indultos natalinos, enquanto a graça é algo pessoal, com base no CPP: “Art. 734. A graça poderá ser provocada por petição do condenado, de qualquer pessoa do povo, do Conselho Penitenciário, ou do Ministério Público, ressalvada, entretanto, ao Presidente da República, a faculdade de concedê-la espontaneamente”.