Desafios do Recife: futuro prefeito terá que dar mais espaço para a Câmara e abrir diálogo com Governo
Gestor eleito nas eleições de 2024 terá que preservar bom relacionamento com vereadores, mas deverá abrir mais espaço para o Legislativo
Candidatos e candidatas às prefeituras, vice-prefeituras e câmaras municipais estão oficialmente autorizados pela Justiça Eleitoral a pedir votos e iniciar suas campanhas em todo o país, a partir desta sexta-feira (16). No Recife, maior colégio eleitoral de Pernambuco, com 1.219.917 pessoas aptas a votar no dia 6 de outubro, o futuro gestor terá que lidar com problemas históricos da cidade e saber jogar a política do município, especialmente com a Câmara Municipal e com o governo do Estado.
Governada há 12 anos pelo Partido Socialista Brasileiro, a prefeitura tem histórico de grande facilidade para aprovar projetos no Legislativo — quase nunca reprovados devido à ampla bancada aliada —, o que é positivo para o Executivo, mas, em contrapartida, deixa a atuação da Câmara em posição secundária.
Embora atualmente haja uma oposição atuante, sob liderança do Partido Liberal, a gestão atual transcorreu os quatro anos de mandato sem grandes embates com o Legislativo. O PSB de João Campos, vale recordar, soma 15 das 39 cadeiras da Câmara, sem contar os partidos da base aliada.
Para a próxima legislatura, o desafio de se alinhar ficou maior, uma vez que serão eleitos dois vereadores a menos na capital pernambucana, devido à redução populacional de 2,8% no município, indicada no Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O Recife, portanto, vai eleger 37 vereadores nas eleições de outubro, reduzindo o número de parlamentares disponíveis para alinhamento com o Executivo.
A analista política Priscila Lapa entende que, nos últimos anos, o Legislativo, de forma geral, vem pleiteando maior protagonismo no processo de tomada de decisão de políticas públicas e de alocação orçamentária. Para que isso seja possível no Recife, a gestão precisa dar mais espaço para a Casa de José Mariano.
“A tendência é que exista uma cooperação entre o Executivo e o Legislativo para que essa agenda seja implantada, mas não apenas de uma ótica única do Executivo, mas que o Legislativo também possa trazer as suas visões, as suas contribuições enquanto representante genuíno dos legítimos interesses da sociedade”, analisou Priscila.
Orçamento
Em 2024, o Recife teve à disposição o maior orçamento de sua história: R$ 8,2 bilhões, entre recursos do Tesouro Municipal e outras fontes, sendo a grande maioria (R$ 7,9 bilhões) destinada ao Executivo, e uma menor parte, de R$ 237 milhões, para o Legislativo. O orçamento da prefeitura para 2025 ainda será votado, mas Priscila Lapa aponta que a gestão desses recursos será um dos maiores desafios do futuro prefeito.
“Os orçamentos são feitos de forma completamente projetada, de certa forma, fora de uma realidade de efetivamente aplicar essa carta orçamentária. E a gente vai levando quase que como um cheque especial eterno, permanente e enxugando gelo, atuando em cima sempre das emergências. A visão histórica, cultural, da gestão pública brasileira é de que sempre vão faltar recursos para o tamanho das demandas e das necessidades. E que, portanto, nada pode ser feito quanto a isso”, analisou.
“Um dos grandes desafios será encontrar um modelo de atuação dentro do município reconhecendo que o município, como ente federativo, acaba não sendo favorecido nesse desenho pelo excesso de atribuições e a sua falta de capacidade realmente de arrecadar, de ser um ente que arrecada e dá conta dessas políticas públicas, mas ele pode encontrar um modelo de gestão fiscal que gere mais eficiência”, completou.
Relação com governo do Estado não deveria ter foco em 2026, mas terá
Como o Jornal do Commercio mostrou nos últimos dias, nesta série de reportagens, o futuro prefeito do Recife receberá a missão de gerir a cidade que ocupa a segunda posição no ranking do Mapa da Desigualdade entre as Capitais Brasileiras do instituto Cidades Sustentáveis.
Temas sensíveis como desemprego, falta de habitação, insegurança em áreas de risco, índices elevados de violência e desgastes causados pelo trânsito estarão no foco da nova gestão. E tudo isso passa por uma atuação conjunta do município com o governo do Estado.
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Sabe-se que a gestão municipal atual não teve relação de proximidade com a governadora Raquel Lyra (PSDB), chegando a disputar espaço em algumas searas, um cenário diferente da última década, em que o PSB controlou a prefeitura e o estado. A própria Câmara Municipal, alinhada ao prefeito, também tem ampla oposição à gestão estadual.
Mas a continuação desse desgaste entre os Executivos, independentemente de quem for eleito no pleito de outubro, pode ser prejudicial especialmente para o município, que precisa do Estado e da União para trazer recursos para promover políticas públicas efetivas aos munícipes.
Por isso, é fundamental que o próximo prefeito e a governadora estejam alinhados, mesmo que em esferas políticas diferentes.
“É preciso equilibrar visão política, posicionamento político-partidário com essa visão de que, sem esses recursos estaduais e federais, o município muitas vezes é inviável. Existe uma tendência, óbvio, de favorecimento, a partir de 2025, de políticas da base que ela elegeu em 2024, mas isso não significa que, com bons projetos e boa estrutura de gestão, não seja possível existir um bom relacionamento”, acredita a analista política Priscila Lapa.
De olho em 2026
Tradicionalmente, a eleição municipal é considerada um teste político para a eleição geral, realizada dois anos depois, sendo considerada uma eleição pedagógica.
Na capital pernambucana, a projeção eleitoral para 2026 se tornou ponto central da eleição municipal deste ano antes mesmo do resultado da votação de outubro, visto que atores políticos envolvidos no processo miram cargos majoritários daqui a dois anos, o que também pode ter efeito na relação com o governo do Estado, que vai buscar a reeleição.
Pelo menos quatro candidatos envolvidos no pleito deste ano possuem interesse, velado ou declarado, nas eleições de 2026: Dani Portela (PSOL) pode tentar novo mandato na Assembleia Legislativa de Pernambuco; Daniel Coelho (PSDB) pode tentar retornar à Câmara Federal ou integrar a chapa da governadora na busca pela reeleição; Gilson Machado (PL) poderá buscar uma cadeira na Câmara Federal; e João Campos (PSB) pode tentar o governo do Estado.
O próximo prefeito, portanto, terá na votação de 2024 um termômetro do que poderá encontrar no próximo pleito, especialmente em um embate direto com o palanque a ser criado pela gestão estadual.
“Essa eleição vai ensinar muito sobre como andam as relações políticas na base junto ao eleitorado, a vigência de ideias, se as ideias que prevaleceram no ciclo eleitoral anterior ainda têm sustentação. Ela é um teste para lideranças políticas, então tudo isso, sem sombra de dúvida, vira um grande ingrediente político para os mandatos que se iniciem em 2025”, avaliou Priscila Lapa.
Novas configurações partidárias a partir de 2025
Com oito candidatos na disputa pela prefeitura, a configuração partidária do Recife é complexa. A Frente Popular do Recife, que apoia a reeleição do atual prefeito João Campos, é o maior conglomerado da capital e congrega 13 partidos de esquerda e de centro, com quem o atual gestor conta na Câmara Municipal.
Uma das pedras no sapato de João Campos poderá vir de dentro do próprio grupo: Partido dos Trabalhadores, que perdeu a sonhada candidatura à vice-prefeitura para Victor Marques, integrado ao PCdoB. Embora uma ala do partido — impulsionada pelo presidente Lula — tenha manifestado apoio à chapa, parte da legenda não viu com bons olhos a decisão, que pode reverberar na relação entre os partidos a partir do próximo ano, com vistas em 2026, quando o PT também poderá querer candidatura própria ao governo.
Esse cenário também pode ser afetado pela postura do PCdoB em relação à gestão municipal no futuro, uma vez que os rumores apontam que, caso eleito, o vice de João Campos debande para o PSB e abandone a sigla comunista, deixando toda a Federação Brasil da Esperança a ver navios.
O PSOL de Pernambuco, após intenso entrevero para definição da candidatura junto à Rede, com quem é federado, segue alinhado ao PSB de Pernambuco na oposição ao governo de Pernambuco na Alepe. Embora sejam opositores na disputa pela prefeitura, Dani Portela e João Campos têm certa proximidade e devem seguir do mesmo lado em 2025, independentemente do resultado.
Por outro lado, o PV, que integra a Federação Brasil da Esperança junto com PT e PCdoB, indicou recentemente uma secretária para o governo de Raquel Lyra (PSDB). “Vamos colaborar com a governadora para que seu governo traga melhorias para os pernambucanos”, disse o presidente estadual do partido, Clodoaldo Magalhães.
Contudo, por força da convenção da federação que une PV, PT e PCdoB, o Partido Verde deve seguir em apoio a João no cenário municipal. O vereador Marco Aurélio Filho, presidente do PV na capital, disse que não vai deixar a base do atual prefeito, criando mais uma divisão entre capital e estado.
Do outro lado
Levando em consideração o Legislativo atual, o candidato do governo, Daniel Coelho, teria o apoio de seis parlamentares do seu PSD, PRD e do PP, que também declarou apoio à chapa. O PSDB da governadora e o Cidadania, com quem o partido é federado, não têm representantes na Câmara atualmente, assim como o Mobiliza e o Podemos.
O governo de Pernambuco seguirá tentando ampliar sua base de apoio, que já conta com o Partido Progressistas como principal aliado desde o último ano. No Recife, o presidente estadual do partido, Eduardo da Fonte, deixou de lançar Michele Collins para a prefeitura para apoiar o candidato de Raquel. A ação demonstrou fidelidade e ampliou o prestígio de Dudu da Fonte na gestão estadual, onde já indicou nomes e pode continuar com trânsito.
O Partido Liberal, por sua vez, distante do governo do Estado e se apoiando exclusivamente na figura de Jair Bolsonaro (PL) e na polarização contra a esquerda, se vê isolado e definiu candidatura sem alianças na capital, mas segue sendo uma voz forte de oposição na Câmara, liderando o bloco contrário à gestão atual.
Embora o cenário no município possa ser alterado a partir da escolha do novo prefeito e da nova configuração da Câmara, a previsão permite enxergar como será a relação partidária a partir de 2025, quando os olhos já começarão a ser voltados para as eleições de 2026.