"Médicos não sabem fazer guerra, e generais não sabem fazer saúde", diz Mandetta

Ex-ministro admitiu que o Ministério da Saúde perdeu a credibilidade
AFP
Publicado em 19/06/2020 às 20:53
"As orientações e recomendações não receberam apoio deste governo federal, embora tenham sido embasadas por especialistas e autoridades em saúde", diz a carta de Mandetta Foto: MARCELLO CASAL JR./AGÊNCIA BRASIL


O ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, chamou de "decepcionante" a militarização da pasta em meio ao avanço do novo coronavírus. "Os médicos não sabem fazer guerra, os generais não sabem fazer saúde", declarou em entrevista à AFP.

Mandetta (DEM), de 55 anos, que ganhou capital político na pasta, não descarta candidatar-se à presidência em 2022, junto a Sergio Moro, ex-ministro da Justiça.

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Demitido pelo presidente Jair Bolsonaro em abril, Mandetta lamentou o fato do ministério ter "perdido a credibilidade" em plena pandemia, que já deixou quase 50.000 mortos e um milhão de casos no país.

O ex-ministro continua assessorando voluntariamente autoridades regionais, mas disse nunca ter sido contatado por seus sucessores no ministério. O general Eduardo Pazuello, que tutela a pasta de forma interina, já nomeou mais de vinte militares para funções importantes no ministério no seu primeiro mês no cargo.

Esses são os principais pontos da entrevista, realizada na última quinta-feira (18), em um hotel de São Paulo.

P: O ministério modificou a divulgação dos números da covid-19. Podemos ter confiança nos números que são divulgados?

R: Toda vez que você muda a metodologia de número, aquilo quebra a confiança da população. A única coisa que não deveriam ter feito era perder a credibilidade do Ministério da Saúde porque em epidemia, credibilidade é o que dá autoridade. Não temos como afirmar (se são confiáveis), temos que, junto a entidades e à sociedade civil fazer alguma avaliação e ver se se aproxima. É lastimável eles terem perdido a credibilidade que foi construída com base em números, transparência e divulgação plena à sociedade.

P: O pior já passou no Brasil?

R: Depende da cidade, o pior já passou para Manaus, para Belém do Pará. Agora São Paulo provavelmente está num platô, deve estar caminhando agora para uma tendência de queda, vamos ver como essas medidas de flexibilização vão repercutir nas próximas semanas. A mesma coisa no Rio de Janeiro. Minas Gerais parece que ainda está na fase de crescimento (de casos), nessa semana Curitiba teve um crescimento desordenado. Os próximos 15 dias serão cruciais. No Sul ainda não começou (o aumento dos casos), no Centro Oeste está começando. Se você fala do Brasil como um todo, a epidemia só poderá ser analisada com a estabilização da curva em todas as regiões, o que deve ocorrer no final de agosto ou no início de setembro.

P: Brasil poderia ter evitado mais mortes?

R: Se olhamos na relação de óbitos por milhão, o Brasil guarda uma posição mediana. O SUS se revelou um sistema que conseguiu, não tivemos mortes por desassistência.

P: Como avalia a mudança no protocolo da hidroxicloroquina feita pelo general Pazuello?

R: Dizíamos que só adotaríamos como uma recomendação no ministério quando houvesse a comprovação científica (da sua eficácia). Não é uma questão de torcer a favor ou contra. Vemos aqui uma estratégia militar nesse tipo de publicação, quando um presidente capitão propõe e um ministro general publica esse protocolo. Me parece o mais próximo de um estudo às cegas. Eles são duas pessoas que não têm nenhum compromisso com a área da saúde, eles têm compromisso com a área política e da lógica militar. Infelizmente o ministério da Saúde hoje não exerce hoje uma função de gestão da saúde, é um ministério sob ocupação militar e de números militares.

P: A militarização do ministério o surpreendeu?

R: Foi decepcionante, foi chato. Os médicos não sabem fazer guerra e os generais não sabem fazer saúde. A história vai dizer, os números vão dizer, desde que se tenha clareza e que não haja censura a eles.

P: A reabertura econômica de alguns estados é precipitada?

R: Com essa ausência do ministério da Saúde, o que a gente está vendo é essa decisão ficar com os governadores e prefeitos. Os prefeitos têm eleições em quatro meses, e estavam tomando decisões pressionados pelo calendário eleitoral. Se permanecerem fechados por mais tempo, os empresários, cultos e comércios reclamariam que o fechamento os prejudicava. Se liberassem muito precocemente superlotariam seus hospitais. Logo, essa decisão é tomada de maneira assimétrica. Alguns estados estão melhor assessorados e tem sistemas de saúde melhores que outros. É um país de muito contraste. Vamos ver com o tempo como as coisas vão se dar.

P: Tem falado com o ex-ministro Moro?

R: Sim, me dou bem com ele.

P: Há futuro político? uma eventual chapa para as eleições presidenciais?

R: Política é destino. Não adianta você querer fazer acontecer as coisas porque você querer. Acho que a gente tem dever como cidadão, tanto eu quanto Moro, de dialogar com a sociedade brasileira e participar ativamente das eleições de 2022, seja como candidatos, chapa junto ou campos opostos, mas de fortalecer a democracia brasileira, ou como cidadão com certeza eu vou participar nas eleições de 2022.

P: Não está descartado então?

R: Não, não tem nada descartado. Vai que rola.

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