Em entrevista ao programa Passando a Limpo, da Rádio Jornal, nesta quarta-feira (02), o ex-ministro da Defesa, Raul Jungmann, comentou os recentes "mega" assaltos, com uso de extrema violência e armas de grosso calibre, registrados em algumas cidades do país. A exemplo do ocorrido na madrugada desta quarta, em Cametá, no Pará, e na última terça (1º), em Criciúma, Santa Catarina. De acordo com Jungmann, a política de afrouxamento do estatuto do desarmamento, difundida no governo Bolsonaro, facilitou a entrada e a difusão de armas no Brasil, alimentando tais facções criminosas.
>>Um dia após Criciúma, Cametá, no Pará, também é aterrorizada por quadrilha de roubo a banco
"O Exército tem uma divisão de fiscalização de produtos controlados, ou seja, ele controla exatamente o comércio, a produção e a distribuição de armas, e editou quatro portarias para rastrear armas e munições. Essa é a ferramenta básica para chegar a criminosos, assassinos e aqueles que usaram armas ilegalmente. E isso foi derrubado pelo Presidente da República, ou seja, o Exército tomou precauções fundamentadas para poder rastrear criminosos e bandidos e o presidente da república derrubou. Ele facilitou a vida desses criminosos."
A revogação a qual o ex-ministro se refere aconteceu em abril deste ano, quando o presidente Jair Bolsonaro anunciou a derrubada de três portarias do Comando Logístico do Exército que criavam regras para facilitar o rastreamento de armas e munição no país.
"Se você não consegue rastrear, a vitória é da morte e do assalto em detrimento da vida dos cidadãos", afirmou Jungmann.
Após a ação criminosa ocorrida em Criciúma, por exemplo, diversas cápsulas de munição de armas de grosso calibre foram encontradas pelos peritos da polícia.
Ainda segundo Raul, tais assaltos podem ter ligação direta com a pandemia do novo coronavírus e as medidas de isolamento social que acabaram por paralisar ou reduzir drasticamente as viagens de navio e avião, principal braço de difusão de drogas utilizado pelo tráfico.
"O tráfico de drogas depende de voos e de navios. Durante a pandemia os navios todos ficaram paralisados, sobretudo de passageiros. E os voos foram intensamente reduzidos. Então o tráfico ficou sem material para vender e isso bateu no caixa. Além disso, reduziu também muito o número de veículos nas estradas, facilitando as barreiras e o trabalho da Polícia Rodoviária Federal e das polícias estaduais que ampliaram muito a apreensão de drogas e de bandidos", explicou.
Além disso, a debilidade enfrentada pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), a maior organização criminosa da América do Sul, após a prisão de seu maior fornecedor de drogas, Gilberto Aparecido dos Santos, mais conhecido como Fuminho, também pode ter relação com tais assaltos.
"O PCC está vivendo um momento de fragilidade após a Polícia Federal, em conjunto com a Receita Federal e outras polícias, apreender bens e dinheiro de mais de um bilhão de reais da facção. A prisão de Fuminho, o grande atacadista que fornecia drogas para o PCC também significou, se não um colapso, mas uma redução de drogas para serem distribuídas e isso obviamente impactou no caixa."
Deste modo, a saída das grandes organizações criminosas para repor o caixa e reabastecer o estoque de drogas que alimenta o tráfico, é realizar estes mega assaltos, com armamento pesado, violência e terror à população, representando uma escala de aprimoramento do crime no país.
"Assaltos como esses exigem planejamento, você tem que levantar a planta da cidade, ver onde é a entrada, a saída, onde estão as unidades policiais [...] A logística também é muito sofisticada porque essas armas que eles usam geralmente são alugadas. Alugar um fuzil custa de R$ 20 a R$ 30 mil, e isso quem disponibiliza são as grandes facções. O comando vermelho, PCC e etc."
Jungmann chamou a atenção também em relação à estratégia usada pelos assaltantes de invadirem apenas agências do Banco do Brasil, as únicas que além de servirem aos seus próprios clientes também distribuem dinheiro a outros bancos nos dois primeiros dias do mês.
"Essas agências todas estavam com grande quantidade de dinheiro e nem todas as agências do Banco do Brasil recebem grandes quantidades para distribuir, elas são de certa forma centralizadas regionalmente, será que eles [os assaltantes] sabiam que a agência do banco assaltada era a que dispunha de grande concentração de dinheiro? Será que estas informações internas do Banco do Brasil estão vazando pra esses grupos?", questionou.
Destes dois últimos grandes assaltos a bancos, nenhum suspeito foi sequer identificado. O ex-ministro, no entanto, acredita que, por conta da complexidade destas operações, os rastros deixados pelos criminosos são inúmeros. "Uma parte desse pessoal vai cair e vai ser preso, mas aí o dinheiro já vai ter sido distribuído".
Para ele, a atuação da Inteligência Policial poderia ter agido preventivamente, de forma a evitar a ocorrência destes crimes.
"Se você vai planejar um assalto como esse, com essa complexidade, você precisa no mínimo de um ou dois meses para planejar e arrecadar esse pessoal todo e conseguir o armamento, o carro e etc. Como é que a Inteligência Policial não teve informações de que este movimento estava acontecendo? Está faltando integração entre as seguranças local e estadual com a segurança federal. Além disso, é necessário encontrar mecanismos de integração e comunicação com a segurança dos países que fazem fronteira com o Brasil. Dos dez países que fazem fronteira com o Brasil, quatro são produtores mundiais e globais de drogas", completou o político que foi Ministro do Desenvolvimento Agrário e Ministro Extraordinário de Política Fundiária do governo FHC, além de Ministro da Defesa e Ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Temer.