Conteúdo verificado: Publicação do deputado Eduardo Bolsonaro no Facebook afirma que as vacinas contra o novo coronavírus não seguiram os protocolos de desenvolvimento e que reações adversas têm ocorrido nas pessoas imunizadas. Ele também critica a adoção de um “passaporte de imunização” no Brasil.
É falso que as vacinas para prevenção da covid-19 não tenham seguido os protocolos e que, por isso, reações adversas ocorreram, como afirma o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) em uma postagem no Facebook em que critica a possível adoção pelo Brasil de um “passaporte de imunização”, documento que permitiria às pessoas frequentar locais e eventos públicos após a vacinação.
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Todas as vacinas em uso no Brasil passaram por diversas fases de teste, em laboratórios e em humanos, para verificar se elas eram seguras e eficazes. O formato dos testes e seus resultados são publicados na internet pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e acompanhados por cientistas do mundo todo. Além disso, toda essa documentação é avaliada pela equipe técnica e pela diretoria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que também vistoria as sedes dos laboratórios, antes de autorizar o uso das vacinas no Brasil.
Em entrevista ao Comprova, o infectologista David Urbaez explicou que a rapidez no desenvolvimento dos imunizantes ocorreu por causa do grande investimento da indústria farmacêutica, por se tratar de uma pandemia. Ele também explica que reações leves são comuns em todas as vacinas e não significa que elas não passaram pelas etapas corretas de testagem. Qualquer suspeita de reação grave é comunicada pelos médicos às autoridades de saúde e acompanhada de perto pela Anvisa.
A adoção de um documento similar a um “passaporte de imunidade”, em discussão no Congresso Nacional, também tem ocorrido em outros países para permitir a retomada da circulação de pessoas e das atividades econômicas ou o turismo e viagens internacionais. Esse tipo de estratégia é criticada pela OMS, que alerta para dúvidas sobre a duração da imunidade após a vacinação e a possibilidade de isso aprofundar desigualdades no mundo por causa da falta de imunizantes em países de renda baixa e média. No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), pai de Eduardo Bolsonaro, prometeu vetar a lei, caso ela seja aprovada.
Como verificamos?
Procuramos informações da OMS e da Anvisa sobre o processo de desenvolvimento das vacinas e para entender se houve reações adversas e se elas estão relacionadas ao descumprimento de algum protocolo de criação dos imunizantes.
Entrevistamos o médico David Urbaez, presidente da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, sobre as reações que algumas pessoas sentem após serem vacinadas.
Também pesquisamos informações sobre a proposta de criação de um “passaporte de imunização” no Brasil, se há modelos similares sendo adotados em outros países e sobre o que foi a Revolta da Vacina, citada na publicação.
Procuramos a assessoria de Eduardo Bolsonaro por WhatsApp e e-mail disponível no site da Câmara, mas não tivemos resposta.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 17 de junho de 2021.
O desenvolvimento das vacinas
Todas as vacinas em desenvolvimento ou aprovadas contra a covid-19 passam por uma série de etapas antes de serem autorizadas para uso humano; incluindo testes em laboratório e ao menos três fases de testes clínicos. A configuração desses testes e seus resultados são compilados e disponibilizados publicamente pela OMS, inclusive para que outros cientistas possam avaliar a segurança e a eficácia dos imunizantes.
Desde o início da pandemia, 287 vacinas já foram desenvolvidas, de acordo com o banco de dados da OMS. Dessas, 185 ainda estão em estágio pré-clínico, enquanto 102 já avançaram para pesquisas em humanos. Até o dia 3 de junho de 2021, a OMS havia avaliado e aprovado a segurança e eficácia de seis imunizantes: AstraZeneca/Oxford; Janssen; Moderna; Pfizer/BionTech; Sinopharm; e CoronaVac.
Mesmo com esse processo internacional público de desenvolvimento de vacinas, antes de serem aplicadas nos cidadãos, elas precisam ainda ser aprovadas pelos órgãos de vigilância sanitária competentes em cada país. No Brasil, a responsabilidade é da Anvisa, que segue uma série de critérios para garantir que os imunizantes aplicados em território nacional sejam seguros e eficazes.
Segundo a agência, as diversas fases de teste servem para avaliar, gradualmente, se a vacina é segura, se ela provoca reações no corpo humano, qual a dose indicada e qual a capacidade dela de gerar anticorpos, além de comprovar se ela é, realmente, capaz de proteger as pessoas do vírus.
A documentação detalhada de cada etapa é analisada pelo corpo técnico da agência e seu uso só é autorizado após ser votado pela diretoria da Anvisa, que é um órgão colegiado, em reuniões públicas (inclusive com transmissão ao vivo pela Internet). O órgão também inspeciona as fábricas e laboratórios para ter certeza de que o imunizante pode ser produzido seguindo os critérios de segurança e confiabilidade.
Atualmente, o Brasil tem duas vacinas registradas para uso geral: da AstraZeneca e da Pfizer. Outras três são aprovadas para uso emergencial: CoronaVac, Covishield e Janssen. É possível conferir o status da documentação, a bula e as últimas notícias sobre cada imunizante no site da Anvisa.
Segundo o infectologista David Urbaez, a única razão para a vacina da covid-19 ter sido desenvolvida de forma mais rápida do que habitualmente ocorre é pelo alto investimento que foi feito. “A velocidade desse processo foi diretamente explicada pelo volume de investimentos como nunca antes ocorreu, motivado pela emergência mundial de grande porte, junto a um número muito significativo de grupos de pesquisa que se dedicam exclusivamente ao assunto”, explica. Além do que as novas plataformas, como RNAm e/ou vetores virais, são tecnologias que já se encontravam maduras e tinham sido previamente testadas para outras infecções como SARS e para outros fins em termos de imunoterapia”.
Reações
Segundo a Anvisa informa nas bulas das vacinas autorizadas no Brasil, os imunizantes, como qualquer outro medicamento, podem apresentar efeitos colaterais. As diferentes fases de testes antes da autorização servem justamente para garantir que eles não provoquem reações graves, que possam prejudicar a saúde das pessoas.
Mesmo após autorizadas, as vacinas são acompanhadas pela Anvisa e pelos seus fabricantes por meio de um processo chamado farmacovigilância. Reações adversas suspeitas são notificadas pelos profissionais de saúde que trataram o paciente para os órgãos competentes, incluindo a Anvisa.
Se a agência identificar um uso de algum medicamento ou vacina que não siga o que determina a bula ou que possa causar algum risco à saúde das pessoas, ela pode determinar a suspensão total ou parcial (apenas para alguns grupos) do seu uso.
Isso ocorreu, por exemplo, no dia 10 de maio, quando a Anvisa suspendeu o uso em gestantes da vacina da AstraZeneca produzida pela Fiocruz, após o registro de “uma suspeita de evento adverso grave”. A aplicação desse imunizante em mulheres grávidas não era prevista pela bula.
De acordo com David Urbaez, os efeitos adversos são comuns em todas as vacinas contra qualquer doença e nada têm a ver com a forma como ela foi desenvolvida. Isso ocorre porque os imunizantes têm a capacidade de estimular o sistema imune. “O sistema imune estimulado gera uma série de substâncias biológicas, que em mais ou menos proporção, geram os efeitos adversos sistêmicos como febre, dores musculares, indisposição, etc”, disse.
Segundo o especialista, em mais de 99% das vezes, essas reações são leves, isto é, não geram nenhuma ameaça ao estado de saúde do indivíduo. “Rarissimamente podem acontecer efeitos adversos mais sérios, sempre menos de 1% das ocorrências. Sempre lembrando, todas as vacinas em uso não têm vírus vivos, pelo que sua segurança é garantida após as fases de ensaio clínico”, afirma.
O certificado nacional de imunização
Existe uma proposta em tramitação no Congresso Nacional para criar um certificado nacional de imunização. O documento apresentaria “informações sobre vacinação, testagem e recuperação de doença infectocontagiosa de seu portador”. A ideia é que ele fosse usado para permitir que as pessoas já imunizadas pudessem abrandar (ou até suspender) as medidas restritivas para enfrentamento da covid-19.
Segundo o site do Senado Federal, o certificado “poderá ser utilizado para autorizar a entrada em locais e eventos públicos, o ingresso em hotéis, cruzeiros, parques e reservas naturais, entre outras possibilidades”. Isso porque, na visão dos senadores, pessoas já vacinadas ou que tenham testado negativo para o Sars-CoV-2 representariam “risco não elevado de propagação do vírus”. O controle do acesso a serviços com base no documento seria feito pelos estados.
O texto original é de autoria do senador Carlos Portinho (PL-RJ), mas sofreu algumas alterações com um substitutivo proposto pelo relator Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB) – uma dessas mudanças foi a troca do nome “passaporte” para “certificado”. A proposta foi aprovada pelo Senado no último dia 10, com 72 votos favoráveis e nenhum voto contrário. O texto agora está em tramitação na Câmara dos Deputados.
No dia 15, o presidente Jair Bolsonaro disse que vetaria a lei, caso ela fosse aprovada no Congresso. “Se passar, eu veto, e o Parlamento vai analisar o veto. Se derrubar, aí é lei”, ele afirmou a apoiadores, em frente ao Palácio da Alvorada.
Passaporte de imunização no mundo
O Green Pass de Israel é um modelo parecido com o que está em discussão no Brasil porque, ao contrário de outros passaportes de imunização em debate ou implementação, ele é voltado para o público interno que poderá acessar estabelecimentos cadastrados no sistema se estiver vacinado, tiver se recuperado da covid-19 ou tiver feito um teste RT-PCR negativo nas últimas 72 horas.
Em abril, o governo do Reino Unido começou a testar a adoção de um passaporte covid para permitir o acesso de pessoas a eventos de grandes públicos, como partidas esportivas, shows e casas noturnas. A promessa do governo britânico é que o passaporte, se implementado, não poderá ser exigido em alguns serviços, como transporte público e lojas essenciais, como supermercados. O primeiro-ministro Boris Johnson também já afirmou que restaurantes e pubs podem começar a pedir uma prova do status vacinal das pessoas a partir do final de julho, quando o país espera que todos os adultos sejam liberados para vacinação.
Em outra frente, um aplicativo do sistema de saúde do Reino Unido (NHS, na sigla em inglês) tem sido utilizado pelo governo como opção para cidadãos ingleses que queiram viajar ao exterior. O programa mostra se a pessoa já tomou as duas doses. Crianças e jovens com menos de 16 anos não receberão um status. Por enquanto, ainda há dúvidas sobre quais países aceitam o certificado como alternativa aos testes negativos.
A União Europeia formalizou a adoção de um Certificado Digital Covid-19 no último dia 14. Ele poderá ser emitido por qualquer um dos 27 países membros e entrará em vigor a partir de julho. O documento trará dados sobre vacinação, testes e recuperação do novo coronavírus e poderá ser usado para que as pessoas possam voltar a circular livremente dentro do bloco; pois as exigências de medidas sanitárias como testes e quarentenas na chegada a outro país da UE podem ser retiradas para quem tiver o certificado.
Em janeiro deste ano, o arquipélago de Seychelles, no Oceano Índico, já havia adotado uma regra similar, permitindo que turistas que trouxessem um certificado de seus países atestando a vacinação não precisassem se submeter a quarentena ao entrar no país. Mesmo pessoas imunizadas precisariam levar um teste RT-PCR negativo realizado ao menos 72 horas antes do embarque.
OMS critica os passaportes
Desde abril de 2020, a OMS se posicionou contrária à possibilidade de criação de passaportes de imunidade, sejam eles aplicados a viagens ou ao retorno dos trabalhos e atividades normais. “Atualmente, não há evidências de que as pessoas que se recuperaram da covid-19 e possuem anticorpos estejam protegidas contra uma segunda infecção”, afirmou a entidade, na ocasião.
Em agosto de 2020, o primeiro caso confirmado de reinfecção pelo Sars-CoV-2 foi registrado em Hong Kong. Em dezembro do mesmo ano, foi a vez do Brasil identificar seu primeiro episódio confirmado de reinfecção. No início de abril de 2021, um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) apontou que os sintomas podem ser mais fortes quando a pessoa contrai o vírus pela segunda vez. No mesmo mês, o Brasil teve a primeira morte por uma pessoa que, mesmo tendo se recuperado da doença na primeira vez, acabou sendo reinfectada por uma nova variante.
Em fevereiro de 2021, a OMS voltou a se manifestar contra a adoção de certificados de vacinação para liberar viagens internacionais. Embora os imunizantes protejam contra a infecção pela covid-19, ainda há dúvidas envolvendo a capacidade das vacinas em reduzir a transmissão do vírus, incluindo o surgimento de novas variantes, e o tempo de duração da proteção oferecido pelos imunizantes.
A entidade também teme que a priorização de viajantes no processo vacinal possa prejudicar a imunização de populações prioritárias, inclusive aquelas com maior risco de desenvolver a forma grave da doença. “Atualmente, há limitação de acesso às vacinas contra a covid-19 no mundo todo, particularmente em países de baixa e média renda. (…) A OMS expressa preocupação de que a distribuição desigual de vacinas possa aprofundar desigualdades que já existem e criar novas formas de desigualdade”, afirma o relatório.
A Revolta das Vacinas
A Revolta das Vacinas, citada por Eduardo Bolsonaro na postagem, ocorreu no Rio de Janeiro no início do século XX. Na época, a rejeição era à vacina da varíola – as pessoas acreditavam que poderiam ficar com feições bovinas, já que o imunizante era feito com pústulas, nódulos que contém pus, de vacas doentes. O produto se tornou obrigatório no Brasil em 1904.
A obrigatoriedade fez com que as pessoas fossem às ruas protestar. Na ocasião, 945 pessoas foram presas, 461 deportadas, 110 feridas e 30 mortas em menos de duas semanas de conflitos. A obrigatoriedade da vacina foi retirada. Na época, o Brasil tinha 3.500 mortes por varíola. Dois anos depois, este número subiu para 6.500. A doença só foi erradicada no Brasil em 1971 após uma nova campanha de vacinação chamada de Campanha de Erradicação da Varíola (CEV).
Vacina traz proteção individual?
De acordo com o infectologista David Urbaez, não adianta ter imunizações individuais. É preciso que a população como um todo seja vacinada para barrar a proliferação do vírus da covid-19. Ele ainda destaca que, apesar de dificultarem que o indivíduo fique doente, as vacinas não têm a capacidade de evitar que uma pessoa vacinada transmita a covid-19 para uma que não esteja imunizada.
“A vacina tem eficácia somente como estratégia coletiva, pois do ponto de vista individual pouco faz se estamos em uma situação epidemiológica de alta transmissão. Temos que alcançar 75%-85% da população geral vacinada, territorialmente de forma homogênea para conseguirmos a imunidade coletiva, dispositivo que consegue controlar a transmissão. Daí porque todas as pessoas são importantes nesse processo”, destaca.
Essa meta de que 60% a 80% da população precisa ser vacinada para que a pandemia seja controlada é esperada pela maioria dos modelos epidemiológicos. Para que este número seja atingido, praticamente toda a população adulta precisaria ser vacinada, já que ainda não há uma indicação para vacinação de crianças contra a covid-19. No Brasil, somente o imunizante da Pfizer tem autorização da Anvisa para ser aplicada em menores de 18 anos.
Nesse mesmo sentido, um estudo feito pelo Instituto Butantan em Serrana, São Paulo, concluiu que a vacinação de 95% da população adulta com a CoronaVac é capaz de criar a imunidade de grupo e controlar a pandemia.
Por que investigamos?
Em sua quarta fase, o Projeto Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre a pandemia e as políticas públicas do governo federal que tenham viralizado nas redes sociais. Publicações que tratam da vacinação contra o novo coronavírus merecem atenção especial, visto que a desinformação sobre esse tema pode fazer com que pessoas evitem se imunizar, o que é a principal forma de proteção contra o vírus.
A postagem em questão teve 62 mil curtidas, 5,1 mil comentários e 14 mil compartilhamentos entre os dias 15 e 17 de junho. Ela recebeu um aviso do Facebook afirmando que “as vacinas contra a covid-19 passam por vários testes de segurança e eficácia e são, então, monitoradas com atenção”, tendo como fonte a OMS.
Recentemente, o Comprova mostrou que a vacina contra a covid-19 não tem efeito magnético; que agências reguladoras negam o risco de infertilidade em vacinados; e que um ranking usado por Bolsonaro não representa a realidade da imunização no país.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.
Texto produzido pelo Comprova, coalizão de veículos de imprensa para verificar conteúdo viral nas redes sociais. Investigado por: Jornal do Commercio e Correio Braziliense. Verificado por: Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, UOL e Correio de Carajás.