Pescadores, marisqueiros e comerciantes sentem as consequências do óleo nas praias

A mancha que chegou a Pernambuco afetou a vida de quem vive do mar
Amanda Rainheri
Publicado em 27/10/2019 às 7:05
A mancha que chegou a Pernambuco afetou a vida de quem vive do mar Foto: Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem


Sentado entre os barcos, às margens do Rio Maracaípe, em Ipojuca, Litoral Sul do Estado, Natalício Oliveira se sente desesperançoso. Há dez dias não sabe o que é pescar. Dos 27 anos de vida, 15 foram dedicados à atividade, que é a principal fonte de renda da casa onde vive com a mãe, o avô doente e um filho de dois anos. Assim como ele, quem depende da pesca está apreensivo, desde a chegada das manchas de óleo em grande quantidade ao litoral pernambucano, no último dia 17. O governo federal anunciou na semana passada a liberação de recursos emergenciais do seguro defeso para pescadores, mas a medida não beneficia a maioria dos trabalhadores pernambucanos. Na sexta-feira (25), o governador Paulo Câmara solicitou uma audiência junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento com o objetivo de pedir assistência aos pescadores.

O auxílio é uma espécie de seguro desemprego, concedido a pescadores temporariamente durante os períodos em que espécies não podem ser pescadas por questões de preservação ambiental. O valor do benefício é de um salário mínimo e o número de parcelas varia de três a cinco, de acordo com o tempo de serviço do trabalhador. Na semana passada, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento anunciou o pagamento de uma parcela extra do seguro a 60 mil profissionais dos municípios atingidos pelo óleo no Nordeste. Os recursos emergenciais da ordem de R$ 130 milhões foram liberados pelo presidente em exercício Davi Alcolumbre na sexta-feira, mas se restringem aos trabalhadores que possuem Registro Geral da Atividade Pesqueira (RGP). Em Pernambuco, de acordo com o governo estadual, apenas quem se dedica à pesca da lagosta tem direito ao benefício, o que corresponde a pouco mais de 400 pessoas de um universo de 10 mil cadastrados no próprio ministério. Quando se trata de pescadores artesanais que não têm o registro, a situação é ainda mais alarmante: mais de 20 mil pessoas ficarão sem nenhum tipo de auxílio do governo federal.

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“Esse benefício precisa ser repassado para todos os pescadores das áreas atingidas. É uma ação que não pode ser restrita a um grupo muito pequeno, diante do universo de trabalhadores que estão sendo prejudicados por esse crime ambiental, que é o maior da história do Brasil”, destacou Paulo Câmara. Natalício está entre aqueles que não serão contemplados. “Só tenho conseguido comer porque minha mãe recebe salário de professora. Meu avô tem Alzheimer e até a medicação dele depende do meu trabalho. Além disso, tenho um menino que vai fazer três anos e precisa de leite e fraldas. Estou em uma situação de aperto muito grande”, desabafa o jovem. O pescador conta que tenta há cinco anos obter o registro, mas não tem retorno do governo.

Wilson Tomé dos Santos, 67, pesca há 50 anos na região do Pontal de Maracaípe e, apesar de estar entre os que devem receber o auxílio do governo, teme a situação. “Vamos morrer de fome se não conseguirmos vender os pescados. Estamos todos parados porque ninguém quer comprar os peixes”, lamenta. Só na casa do pescador existem 10 pessoas que dependem diretamente dos recursos da pesca. “O defeso é uma ajuda, mas não cobre o que a gente ganha quando está autorizado a pescar. Se proibirem a pesca, vai ter muito trabalhador tendo que comer peixe contaminado para sobreviver.”

Auxílio a pescadores

O governo de Pernambuco também oferece auxílio a pescadores de 57 municípios, através do Programa Chapéu de Palha. De 2012 para cá, mais de 54 mil famílias receberam a ajuda. Somente em 2019, de acordo com a Secretaria de Planejamento, foram beneficiadas 3,8 mil famílias, com investimento de R$ 3 milhões. Gustavo Rex, 50, é pescador da praia de Suape, no Cabo de Santo Agostinho, Região Metropolitana do Recife, e recebe o auxílio. “Este ano, foram quatro parcelas de R$ 282, entre junho e setembro, mas o dinheiro já acabou. Seria bom se ele pudesse ser estendido. É pouco, mas ajuda em alguma coisa.”

Na quarta-feira (23), as manchas de óleo chegaram ao Litoral Norte do Estado. O primeiro município a ser atingido foi Paulista, seguido pela Ilha de Itamaracá. A poucos quilômetros fica Itapissuma, cidade que abriga a colônia Z-10, a mais antiga colônia de pescadores da Região Metropolitana do Recife. “Estamos bastante preocupados, porque 70% da população de Itapissuma sobrevive diretamente da pesca. As mulheres, além de pescar, também vão para a praia vender caldinho, ostra e caldeirada. Já chorei muito, porque sei que neste momento tem mãe passando fome com os filhos. Exigimos que o governo federal tome alguma providência para ressarcir esse prejuízo”, afirma Joana Rodrigues, presidente da Z-10.

Josefa Maria Pereira, 56, tira o sustento da venda de sururu, ostras e mariscos recolhidos do Canal de Santa Cruz, em Itapissuma. No dia em que a mancha chegou a Paulista, ela teve encomendas canceladas. “Tinha seis quilos encomendados de sururu, mas acabei vendendo dois, porque desistiram. Ganharia R$ 150 com a primeira venda e agora vou ficar com R$ 50”, lamentou. A preocupação com o prejuízo se estende aos demais comerciantes. Almiran Xavier Lins é dona do bar Caldeirada da Mira há mais de 20 anos.

“Não estávamos tão preocupados porque o óleo só estava no Litoral Sul. Com a chegada a Itamaracá, tudo mudou.”

A apreensão tem justificativa. Apesar de não haver nenhuma proibição da venda de pescados, especialistas alertam sobre os riscos do consumo. “Principalmente no caso dos bivalves, como as ostras, que são animais filtradores. Até que se tenha algum posicionamento sobre contaminação, a recomendação é evitar”, afirma a bióloga e pesquisadora Gerlânia de Arruda.

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