O último trem que partiu de Mari, na Zona da Mata paraibana, com destino a Pernambuco, deixou Terezinha na Estação de Paudalho. O ano era 1977 e a moça, carregando uma mala, tinha fugido de casa para encontrar o namorado. Desativada e sem uso, a esplanada que serviu de cenário para os sonhos de Terezinha se deteriorou. Só agora, viúva e avó, ela vê o prédio restaurado.
Aberta ao tráfego em 1881, a Estação de Paudalho, na Mata Norte do Estado, foi recuperada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), mantendo as características do século 19. No local, funcionará o Arquivo Público da cidade. “Vamos firmar um termo de cessão provisória, dando à prefeitura o direito de ocupar a edificação”, diz o superintendente do Iphan, Frederico Almeida.
É a primeira estação do patrimônio ferroviário de Pernambuco a reabrir com essa atividade, informa o historiador Severino Ribeiro, do Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano. O acervo, que estava fechado em caixas, já está higienizado, classificado e pronto para a mudança.
“Bom mesmo, seria a linha férrea ser reativada e a estação voltar a receber passageiros. Mas é melhor ter o arquivo do que o prédio se acabar, como está acontecendo em outros cantos”, declara Terezinha Olindina Paulo de Lima, 65 anos, a paraibana que trocou Mari por Paudalho, há 37 anos. “O trem fez muita falta quando parou de rodar.”
Zeladora na Igreja de Santa Tereza d’Ávila há 23 anos, Terezinha conheceu o futuro marido nas viagens de trem de Mari para o Santuário de São Severino dos Ramos, vilarejo de Paudalho que contava com uma estação ferroviária. Entre uma reza e outra, a romeira apaixonou-se pelo retratista da festa. Depois de quatro anos de namoro, no vaivém da estrada de ferro, largou a família para viver com o rapaz.
“Fiz a última viagem do trem para Paudalho, saindo de Mari. A locomotiva que me trouxe, voltou para a Paraíba e nunca mais retornou”, conta. A Estação de São Severino tampouco existe mais. Do lugar que testemunhou a paixão de Terezinha e Erivaldo José de Lima resta apenas a plataforma de embarque e desembarque de passageiros. As margens dos trilhos são tomadas por barracas de comerciantes.
A recuperação do imóvel em Paudalho é uma exceção à regra. No mesmo município, a Estação de Mussurepe está acabada. Em Timbaúba, ainda na Linha Tronco Norte, a estação que inspirou o romance Pureza, do escritor paraibano José Lins do Rego (1901-1957), publicado em 1937, encontra-se completamente avariada, com paredes rachadas e infestação de cupins.
Inaugurada em 1883, a Estação de Pureza abrigava a casa do agente e conserva suas características originais. As duas edificações, inventariadas pelo Iphan, no levantamento do patrimônio ferroviário realizado de 2007 a 2009, estão abandonadas.
Na Linha Tronco Centro, a Estação de Vitória de Santo Antão, na Zona da Mata, reabriu como Agência do Trabalho. O antigo armazém, por trás do prédio, está fechado. Uma parada de ônibus, fiteiros e barracas para venda de lanches e acessórios de bicicleta foram instalados rentes à parede lateral do galpão.
“A giratória do trem foi aterrada e fizeram uma praça em cima”, lamenta o aposentado José Ferreira de Araújo, 78. Morador de Vitória e ambulante no Recife, na juventude, ele se deslocava de uma cidade a outra nos trilhos. “Deviam reativar, é um transporte seguro”, diz. Sem o trem nas linhas, Severino Ribeiro estimula a criação de novos arquivos públicos municipais nas estações.