Os novos mestres do maracatu

Jovens, talentosos e dedicados, eles são a nova geração de uma das mais importantes forças do Carnaval pernambucano
Ciara Carvalho
Publicado em 20/01/2018 às 18:07
Jovens, talentosos e dedicados, eles são a nova geração de uma das mais importantes forças do Carnaval pernambucano Foto: Foto: Guga Matos/JC Imagem


Quando é para ser, é. Tá no sangue. Existe antes mesmo de começar. E começa cedo. “A gente vai ajudar o senhor”, diz, com respeito, a meninada do batuque. O senhor em questão tem 25 anos. E já é mestre. Felipe Tavares assumiu o apito do Maracatu Nação Encanto da Alegria com 17 anos. Um menino no meio de gigantes. Era o Carnaval do Recife de 2011.

“Naná Vasconcelos disse que eu era o mais novo que ele viu em toda a vida dele, apitando um maracatu nação”, recorda, sem esquecer o nervoso (e o orgulho, claro) que sentiu. “Foi uma responsabilidade muito grande. Eu, ali, no meio de Valter, do Estrela Brilhante; de Chacon, do Porto Rico; Ivaldo, do Cambinda. Mestres de primeira grandeza. Um vinha, dava apoio, outros nem falavam comigo.” Mas o destino estava traçado. E ele levou o baque adiante.


O DNA falou mais alto e com 9 anos Anderson Miguel fugiu do terreiro de casa, contrariando as ordens da mãe, para espiar o maracatu. “Quero ser igual ao senhor”, sentenciou o menino, certo de que, para ele, só tinha um caminho na vida: seguir os passos do pai. O pai em questão era Aderito Amaro da Silva, mestre de apito de maracatu. E, aos 22 anos, ele cumpre sua sina. Está à frente do Maracatu Cambinda Brasileira, de Nazaré da Mata, um dos mais tradicionais do Estado e que acabou de comemorar 100 anos de história.

Mais mestres que meninos, Felipe e Anderson são expoentes da nova geração do maracatu. O primeiro é cria do maracatu nação, de baque virado. O segundo, do maracatu rural, de baque solto. Felipe, no Recife; Anderson, na Mata Norte, inovam, sem esquecer as raízes e a tradição que seus maracatus carregam. São jovens, mas falam com o respeito e o compromisso de quem sabe a responsabilidade que é ser chamado de mestre.

Sobrinho de Ivanise Tavares, fundadora do Maracatu Encanto da Alegria, Felipe começou aos 5 anos, segurando a capa do rei. Era a última pessoa do cortejo, lá atrás. O tempo, a vocação e a força da religião o levaram para a frente do maracatu.

“Minha tia dizia que para apitar o maracatu era Iansã quem escolhia. Como patrona, Iansã é quem ia apontar o mestre que iria honrar a camisa vermelha e branca (as cores do Encanto da Alegria). Uma parte foi a minha dedicação e a outra foi o orixá que me escolheu”, diz, reafirmando o quanto o maracatu é a expressão do candomblé na rua. “É o que segura a gente lá fora. É de onde vem a proteção.”

Sabedor do impacto que o maracatu teve em sua vida – “eu não brincava de bola de gude, empinava pipa, minha infância foi dentro do maracatu, ajeitando instrumento, aquilo já vinha de mim” – Felipe diz que o maracatu mirim precisa ser mais valorizado. “Sem criança, a gente não tem futuro.” O jovem mestre diz que a força da cultura, sobretudo na periferia, é transformadora. “Os meninos vêm para o ensaio, se envolvem. É uma forma de não estarem nas ruas, soltos, vulneráveis.”

APRENDIZADO

Foi dentro do maracatu que Anderson aprendeu o significado da palavra respeito. “Para mim, esse é o verdadeiro aprendizado. Além do dom de cantar e de fazer poesia, o mestre tem que dar e receber respeito. No começo, muito jovem, eu me achava o tal. Com o tempo, fui descobrindo o valor da paciência, da humildade, fui aprendendo a ser mestre”, diz, admitindo que ainda não se sente 100% pronto.

Quem já viu as sambadas de que Anderson participa desafiando velhos e respeitados mestres do maracatu rural se surpreende com a astúcia, a inteligência e o raciocínio rápido do jovem para compor as loas. Um talento que o mestre Toinho viu em Felipe, quando chegou a sua hora de se aposentar do Maracatu Encanto da Alegria: “Ele está preparado. Tem que ser ele”, sentenciou. Talhados para o ofício, os jovens mestres já escrevem a sua história. O resto é com o tempo.

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