O primeiro sinal é o espocar dos fogos. O segundo é o toque do bombo. O último é a voz firme de Aurelina Marques de Almeida, a dona Nenzinha, convidando moradores de Areias, na Zona Oeste do Recife, para a procissão do Acorda Povo, em homenagem a São João e ao orixá Xangô, na madrugada deste sábado (23/06). Acorda povo que o galo cantou, diz ela, numa melodiosa ladainha. São João que nos acordou, responde a multidão que acompanha o cortejo pelas ruas do bairro.
A procissão começa às 4h, na Vila das Lavadeiras, marcada pelo som de um bombo e de caracaxás (espécie de ganzá). Durante o percurso, com uma hora e meia de duração, moradores que fizeram promessas para o São João do Acorda Povo levantam bandeiras com a imagem do santo/orixá na porta de casa. Que bandeira é essa que vai levantar?, pergunta dona Nenzinha numa nova ladainha. E em seguida ouve a resposta do povo: São João para festejar.
Filha do orixá Xangô, Maria dos Prazeres Tavares, 68 anos, foi a primeira a levantar a bandeira na madrugada deste sábado (23). “É uma tradição muito bonita, faço há 18 anos e vou continuar por muito tempo”, afirma Maria dos Prazeres. O mesmo ritual se repete na casa de Isis Maria da Silva, há mais de dez anos. “Minha irmã fez a promessa, ela faleceu e eu mantenho por ela, para agradecer e pedir até o dia que Deus quiser”, declara Isis Maria.
“O ato de levantar bandeiras tem um pano de fundo de ancestralidade e essa aqui é uma procissão muito mais religiosa do que festeira”, observa o historiador João Monteiro, que acompanha o cortejo há 49 anos. O Acorda Povo da Vila das Lavadeiras foi fundado em 1941, há 77 anos, por Adalgisa Marques de Almeida, a mãe de Aurelina, 85. Dona Nenzinha assumiu a celebração dedicada a São João e Xangô depois que a Adalgisa morreu.
José Alberto Nascimento de Almeida, 11, um dos netos de Aurelina, segue a procissão religiosa desde 1 ano de idade e ajuda a carregar a estrela, iluminada por uma luz de vela à frente do cortejo, com outras crianças do bairro. “O Acorda Povo não é só uma caminhada, é uma cultura que a minha avó vai deixar para os moradores de Areias quando ela não estiver mais aqui. Nesse dia eu fico numa ansiedade que não sei explicar, é muito especial, algo que vem do coração da gente”, destaca José Alberto.
Eram 5h20 quando o cortejo chegou à penúltima casa onde seria levantada a bandeira. No regresso ao ponto de partida – a frente da casa de dona Nenzinha, decorada com bandeirolas vermelhas e brancas, as cores de Xangô, para receber a 16ª bandeira – a ladainha passa para um ritmo dançante, com todos cantando: Ô bate palmas minha gente pela alta sociedade/Saímos na boca da noite/Chegamos de madrugada. A procissão termina às 5h30, dando lugar a uma roda de coco regada a munguzá.
O Acorda Povo da Vila das Lavadeiras é um dos homenageados do São João 2018 da Prefeitura do Recife. “Estou muito feliz, nem esperava esse homenagem”, diz Aurelina, no encerramento da procissão. O jornalista Evaldo Costa, criado no bairro de Areias, acompanhou o cortejo e lembrou que era acordado pela festa religiosa quando criança.
A festa continua na noite deste sábado (23) com a Procissão de São João. O andor sairá da casa da atual juíza do Acorda Povo, Maria Clarice Santos, que passou um ano com a Bandeira de São João, e voltará para a casa de Aurelina. Neste domingo (24) à noite, as bandeiras são arriadas, o andor é conduzido até a casa da nova juiza e dona Nenzinha se despede com a ladainha: Senhora juíza, adeus que me vou/Até para o ano se nós viva for.